Revista CHICO nº 10: Fora de Moda

20/01/2022 - 19:53

Como a roupa que você veste vem impactando dramaticamente os recursos hídricos do planeta


Ano a ano, a indústria global da moda consome 80 bilhões de metros cúbicos de água. No Brasil, a produção de uma única calça jeans, por exemplo, requer 5.196 litros. Uma camiseta de algodão, até 2.720 litros. Ou seja: a roupa que vestimos impacta direta e violentamente os recursos hídricos do planeta. O cálculo é feito pela metodologia Water Footprint Network, baseado em três indicadores: “Pegada Verde”, “Pegada Azul” e “Pegada Cinza”. Somados, esses indicadores constituem a “Pegada Hídrica”. Porém, há outro cálculo que indica que a indústria da moda pode ser ainda mais sedenta. De acordo com a Fundação Ellen MacArthur, a produção têxtil usa cerca de 93 bilhões de metros cúbicos de água anualmente – o equivalente a 37 milhões de piscinas olímpicas.

Parte de todo esse aguaceiro sai do Velho Chico. Entre importantes polos produtores de moda no Brasil, estão cidades ribeirinhas: Pirapora, em Minas Gerais, e Petrolina, em Pernambuco. Pirapora tem entre as atividades motrizes a indústria têxtil e de confecção, com mais de 150 empresas. Ali a tradição começou ainda em 1894, quando Joaquim Lúcio Cardoso chegou ao então povoado de São Gonçalo de Pirapora e instalou armazéns para compra de algodão e venda de tecidos de fábricas locais. Já Petrolina, segunda maior cidade do interior de Pernambuco, conta com cerca de 300 empresas do ramo.

Como resolver a equação? Se por um lado o dano ambiental é inegável, por outro, a indústria da moda também se traduz em empregos e renda. Trata-se do segundo mercado empregador brasileiro. No mundo, ocupa o quarto no setor de confecções e o quinto entre os produtores têxteis. Por ano, produzimos 94 bilhões de peças, confeccionadas pelas 32 mil empresas no setor têxtil e de confecções instaladas, que geram 1,5 milhão de empregos diretos e 8 milhões de empregos indiretos. A força de trabalho tem 75% de mulheres.

Como destruir o planeta está fora de moda, chegou a vez do setor se mexer. Algumas iniciativas em prol da sustentabilidade vêm surgindo aqui e ali. Em resposta à pegada hídrica, por exemplo, foi criada a plataforma “A Moda Pela Água (AMPA)”. O ponto de partida da agenda é a “Pegada Hídrica Vicunha”, um projeto do Movimento Ecoera e da Vicunha, que calculou pela primeira vez na história da moda nacional, o consumo médio de água na produção de uma calça jeans no Brasil. A plataforma tem como missão ser um espaço onde setor privado, ONGs ambientais e sociedade civil se encontram para discutir o uso responsável da água na produção de roupas e tecido.

Mas ainda é muito pouco o que se tem feito para mudar a dramática situação. Além do alto consumo de água, a moda também é poluente crônica. Um estudo publicado pela Natural Science, em 2012, indicava que cerca de 20% das águas residuais globais são causadas por processos de tingimento e acabamento. Estimativa semelhante foi feita pelo jornal britânico The Guardian, que apontou que entre 17% a 20% da poluição da água vem do tingimento e tratamento têxtil.

A maldição do plástico

Outra questão preocupante do impacto da moda nos recursos hídricos diz respeito aos microplásticos liberados na lavagem de peças de poliéster. Uma vez na máquina de lavar, lá se vão para a natureza toneladas. Estudo publicado pela revista Nature fez a conta aproximada: de 124 mg por kg a 308 mg por kg, dependendo do tecido. Outra pesquisa, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, apresentou um resultado ainda mais alarmante: se cada habitante de uma cidade com população de 100 mil pessoas lavar uma peça de roupa sintética por dia, até 110 kg de microfibras são lançados em corpos d’água, o equivalente a 15 mil sacolas plásticas.

Pesquisadores ainda estão procurando métodos de pesquisa para entender com mais clareza a quantidade de microplásticos eliminados na lavagem de roupa. Um primeiro método foi elaborado por Mark Summer, professor de sustentabilidade, varejo e moda na Escola de Design, da Universidade de Leeds, na Inglaterra. Esse teste usa um sistema chamado gyrowash, que replica as ações encontradas em uma variedade de máquinas de lavar para medir a quantidade de pequenas partículas de plástico liberadas durante a lavagem doméstica. Espera-se que esse teste também ajude no processo de encontrar soluções para a poluição de microfibra.

Se não há precisão sobre a quantidade de microplásticos que escapa para o ambiente ao lavar roupa, já se sabe que essa quantidade é o suficiente para causar impactos negativos. As microfibras, obviamente, são ingeridas pelos animais aquáticos. No fim da cadeia, está o homem. Boa parte dos peixes que comemos já chegam à mesa contaminados por metais pesados.

A solução definitiva para o problema dos microplásticos ainda está longe. No entanto, algumas iniciativas já surgiram. Na França, por exemplo, foi aprovada uma lei que exige filtros de microplásticos em todas as novas máquinas de lavar até 2025. Produzir roupas e tecidos que não perdem tantas microfibras e desenvolver melhores sistemas de gestão de águas residuais também são alternativas em curso. Estudos têm mostrado que, ao reduzir o volume de água usado durante os ciclos de lavagem, o número de microfibras liberadas das roupas pode ser reduzido em até 30%.

 

Moda Sustentável X Moda Circular

A sustentabilidade é apontada como a principal tendência da moda a partir de 2021 – e para o mundo pós-pandemia da Covid-19. Um dos mais importantes relatórios da indústria fashion, The State of Fashion 2021, produzido pela consultoria McKinsey & Company em parceria com a publicação especializada Business of Fashion, fez a previsão. O estudo destaca a tendência “menos é mais”, que consiste em menos superprodução e mais sustentabilidade.

Em um sistema capitalista, essa aposta de uma moda sustentável deixa à mostra uma inevitável contradição. De um lado, a sustentabilidade pressupõe frear o uso de recursos. De outro, o capitalismo acelera a produtividade para alcançar o lucro. Mas a simbiose entre moda e capitalismo não anula ações concretas que empresas e consumidores adotam em direção a práticas de produção e consumo menos nocivas ao planeta.
Talvez o termo mais apropriado e honesto para designar a moda do “novo mundo” apontada como tendência seja o de moda circular. O conceito é difundido por entidades como a Fundação Ellen MacArthur, que avalia que o atual modelo econômico ‘extrair, produzir, desperdiçar’ chegou ao limite.

A economia circular é uma alternativa a esse modelo linear que busca redefinir a noção de crescimento, com foco em benefícios para toda a sociedade. Ele se baseia em três princípios: eliminar resíduos e poluição desde o princípio, manter produtos e materiais em uso e regenerar sistemas naturais.
Na prática do dia a dia do consumo, existem alternativas para mitigar os efeitos da indústria da moda no meio ambiente. Roupa sustentável é aquela que já existe.

 

  • Valorizar a produção local: quanto mais próximo for o produtor das peças, melhor;
  • Comprar roupas em brechós;
  • Promover rodadas de trocas de peças de roupas;
  • Questionar quem fez as roupas que veste pode despertar a consciência de que há vidas envolvidas na produção das roupas;
  • Procurar saber do que são feitas as roupas e compreender que cada fibra tem seus prós e contras;
  • Recorrer a aplicativos de roupas de segunda mão ou de marcas customizadas como a @thinkblue e a @vem.pra.roda.


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Iara Vidal
Fotos: Shutterstock