Dois Dedos de Prosa: Paulo Pompeu

07/06/2021 - 15:52

Apesar de gerarem uma energia classificada como limpa e renovável, a operação das centenas de usinas espalhadas pelo Brasil gera danos ao meio ambiente e tem matado milhares de toneladas de peixes. O Rio São Francisco tem oito usinas hidrelétricas em sua calha (Três Marias, Sobradinho, Paulo Afonso I, II, III e IV, Luiz Gonzaga e Xingó) e, em 2020, o governo federal incluiu a construção de mais uma, a UHE Formoso, em Pirapora (MG).

Para falar sobre esses impactos na conservação de peixes e na manutenção do pescado, entrevistamos o biólogo, mestre em Ecologia e doutor em Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos, Paulo Santos Pompeu. Professor associado da Universidade Federal de Lavras (UFLA), ele é um dos responsáveis pelo estudo que estima grandes impactos advindos da construção da UHE Formoso, publicado no periódico científico Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems e assinado por dez biólogos brasileiros.


Quais os principais impactos das usinas hidrelétricas para os peixes?
Os impactos são muitos, mas podemos destacar os principais. O primeiro é que as hidrelétricas transformam um ambiente de água corrente em um ambiente de água parada. É bom lembrar que os peixes que vivem em um rio são adaptados à condição de água corrente e quando se muda essa condição é natural que muitos não consigam mais viver naquele ambiente. Esse é um grande impacto que está ligado ao tamanho do reservatório: quanto maior o reservatório, maior será o ambiente de rio transformado e maior será o impacto.
Um segundo problema é o bloqueio de rotas migratórias de peixes. Boa parte das espécies utilizadas na pesca, como por exemplo a piaba, o surubim, o curimatã, piau, matrinxã, encontradas no São Francisco, precisam subir o rio para desovar. Então, quando elas encontram uma barragem no caminho não ocorre a desova. Por essas espécies serem as mais importantes para a pesca comercial e as mais abundantes, ocorre assim um impacto socioeconômico muito grande, visto que têm suas populações diminuídas. Vale ressaltar que não existe solução para isso.
O terceiro impacto é que para gerar energia as hidrelétricas realizam o controle das cheias nos reservatórios. O ciclo de vida dos peixes depende de regime de seca e das cheias dos rios. Inclusive as lagoas marginais, importantes berçários de peixes, dependem das cheias para se conectar com o rio.

O senhor é um dos autores de um estudo que aborda os desequilíbrios da construção da UHE Formoso na bacia do Rio São Francisco. Quais serão os impactos dessa nova hidrelétrica na conservação de peixes e na manutenção do pescado?
Todos os impactos acima serão observados caso a UHE Formoso seja construída. O projeto dela prevê um espelho d’água grande que vai transformar quase toda a área entre Três Marias (MG) e Pirapora em ambiente de água parada. Então toda essa área deixa de funcionar como rio. Além disso, o Rio Abaeté é uma importante área de desova e, mesmo que seja implantada uma escada para os peixes, eles teriam dificuldade de chegar até esse curso d’água pela extensão do reservatório. E mesmo que os peixes cheguem ao Rio Abaeté, os ovos deixariam de chegar em áreas marginais e encontrariam o reservatório. Quando um ovo alcança um reservatório que tem menos velocidade e maior transparência das águas eles são devorados. Assim, o ciclo de vida das espécies migradoras do São Francisco será profundamente alterado. O que também vai causar impacto na pesca. Abaixo de Três Marias existe uma pesca significativa que é baseada nas espécies migradoras, justamente as que serão mais afetadas pela construção da UHE Formoso. Espera-se uma grande mudança nos estoques pesqueiros da região.

Na sua opinião, é possível conciliar a produção de energia em hidrelétricas com a fauna aquática?
É possível amenizar os danos. No caso da bacia do São Francisco existem locais melhores e outros piores para se construir uma barragem. Pode-se gerar a mesma quantidade de energia produzindo menos danos. Toda barragem causa impacto, transformando um trecho de rio, mas existem locais mais ou menos danosos.

O local escolhido para a construção da UHE é o mais adequado para uma nova hidrelétrica no São Francisco?
A princípio não é o mais adequado! Não conhecemos todos os locais do São Francisco da mesma forma que conhecemos a região entre Três Marias e Pirapora. Hoje é impossível falar qual é a região mais ou menos danosa, pois faltam estudos para outras regiões da bacia. Mas o nível de estudos que já temos para a região entre Três Marias e Pirapora nos permite afirmar que é um trecho importantíssimo para a reprodução de inúmeras espécies da bacia. Por isso, a construção da UHE Formoso gera muita preocupação.

 

Ouça a entrevista completa no podcast Travessia

 


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Entrevista: Luiza Baggio
Foto: Bianca Aun