Comunidades indígenas atingidas por barragens lutam por reparações 30 anos depois

19/04/2022 - 12:25

Nesta terça-feira, 19 de abril, data em que se comemora o Dia do Indígena, conversamos com os representantes das comunidades Pankará e Tuxá, Cícera Leal e Uilton Tuxá. Ambos têm assento no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e tiveram suas comunidades deslocadas de suas terras originais para a construção da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga.

Em nossa conversa, eles nos contam como foi o processo de retirada e falam da importância da ocupação de espaços como o CBHSF.

Leia a reportagem completa:


Direitos reprimidos e comunidades inteiras retiradas de suas terras originais para dar espaço a enormes construções sob a justificativa do desenvolvimento econômico. Essa é a história vivida por milhares de famílias indígenas que precisaram sair da sua terra devido às construções de usinas hidrelétricas.

Na bacia do São Francisco existem seis usinas hidrelétricas (Três Marias, Sobradinho, Apolônio Sales, Luiz Gonzaga, Paulo Afonso – I, II, III e IV e Xingó) e para serem construídas precisaram usar os espaços pertencentes a diversas populações, incluindo comunidades tradicionais e territórios indígenas. Em Itacuruba, interior de Pernambuco, em seu território original vivia a comunidade indígena da etnia Pankará. Com água abundante para pescar, plantar e consumir, as famílias se viram sem esses direitos e com as tradições interrompidas quando foram deslocadas, junto com toda a população do município, para um novo território, para dar espaço para a construção da UHE Luiz Gonzaga, ou Lago de Itaparica. A obra ocupou, com o represamento das águas do Rio São Francisco, a antiga moradia dos Pankarás.

O processo de retirada do povo do seu habitat natural, onde tinham suas raízes fincadas e ficaram debaixo d’água com a construção da hidrelétrica de Itaparica, levou à perda da sua cultura e das suas tradições, principalmente em relação à agricultura, já que viviam às margens do rio São Francisco e de lá conseguiam tirar o seu sustento sem dificuldade, pois tinham a disposição terras férteis e água em abundância. “Ainda hoje quem ficou no município de Itacuruba com a esperança de que receberia incentivo de projetos voltados à agricultura não colheu esses frutos e teve a triste decepção de passar muitos anos apenas sobrevivendo de indenização que era mensal e mesmo isso, com o passar do tempo, parou. Ou seja, as pessoas estavam acostumadas a viver do seu trabalho e de uma hora para outra passaram a depender de salário mínimo, sem ter mais onde plantar. Hoje é muito difícil, o investimento por parte do Estado para as pessoas investirem na agricultura é praticamente nenhum. Não existe um olhar mais diferenciado para os indígenas, os quilombolas, pessoas que decidiram ficar aqui no município de Itacuruba”, lembra a cacique Pankará, Cícera Leal Cabral.



A comunidade Pankará do Serrote dos Campos está localizada a mais de 10 km de distância do Velho Chico, além de ter entre eles terras de propriedade particular, o que dificultou por muitos anos o acesso à água. Somente há quase três anos, a comunidade passou a contar com água nas torneiras, resultado da ação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) que financiou integralmente a execução do sistema de abastecimento de água e assim tornou possível o acesso à água e o retorno às atividades de plantio.


Construção de Usinas Hidrelétricas impacta diretamente o modo de vida em comunidades tradicionais na bacia do Rio São Francisco


Povo Tuxá

A mesma construção também foi responsável não só por mudar de território o povo Tuxá, hoje localizado na cidade de Rodelas-BA, como ainda dividiu a comunidade em três áreas diferentes. Além da aldeia, os Tuxás ocupavam diversas ilhas e em especial a Ilha da Viúva, seu território agrícola no Rio São Francisco. Em 1988 a comunidade foi deslocada para a nova cidade deixando a parte do seu território fértil que utilizavam para plantio e representava a garantia de autonomia de seu povo, produtores das culturas de cebola, arroz e mandioca. Até hoje, três décadas depois, a comunidade indígena não recebeu as terras de reparação para plantio.

“O povo Tuxá sofreu com a desapropriação de suas ilhas que estavam no meio do São Francisco devido à construção da barragem de Itaparica e na época foi concedido uma verba de manutenção temporária durante alguns anos, como reparação, além da previsão de um recurso referente à implantação do sistema de irrigação que foi repassado para a Funai no ano de 2009, mas até hoje essas terras não foram compradas. Então o povo Tuxá, que sempre foi autônomo e vivia do que produzia, desde março de 1988 até abril de 2022, está há mais de três décadas sem terras e sem meios de subsistência, no que diz respeito à prática e à produção agropecuária”, lembrou Uilton Tuxá, representante da comunidade indígena Tuxá.



Na prática, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), então, representa a abertura de espaço para que os povos tradicionais tenham direito e voz na luta pela sua cultura e história. O colegiado é integrado pelo poder público, sociedade civil e usuários de água e tem a finalidade de realizar a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos da bacia do São Francisco, buscando proteger os seus mananciais e contribuir para o seu desenvolvimento sustentável. Neste aspecto, o Comitê, que tem 62 membros titulares e suplentes, destina cadeiras às comunidades tradicionais dentro da sua estrutura. Também criou um espaço específico de debate, a Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais (CTCT).


CBHSF tem promovido ações voltadas ao fomento da cultura e promoção da importância histórica dos povos tradicionais da bacia


“Neste sentido, o trabalho do Comitê feito junto às comunidades indígenas é uma forma de garantir que as pessoas continuem dentro do seu território mantendo e cultuando suas tradições. Através dos projetos realizados pelo CBHSF, a gente consegue garantir uma melhor qualidade de vida para as famílias dentro dos territórios, podendo, por exemplo, desenvolver a agricultura familiar. Nós, povos indígenas, temos na essência o cuidar da nossa mãe terra, da natureza, das águas e entendemos os espaços do Comitê como espaço de luta, de resistência e de colocar nossos anseios e reivindicações para que os órgãos das mais diversas instâncias possam cuidar e preservar o rio São Francisco que aos poucos vem sendo dizimado”, concluiu a cacique Cícera Cabral.


Confira também o podcast Travessia 123, que traz a entrevista com Cícera Cabral e Uilton Tuxá: 


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Juciana Cavalcante