Preciosa pedra com alma barroca

28/09/2016 - 16:26

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O nome já diz tudo. Diamantina é uma espécie de pedra preciosa da arte barroca brasileira. Uma cidade cujo patrimônio histórico está entre os mais importantes do Brasil, figurando ao lado de ícones como Ouro Preto, Tiradentes, Olinda e Paraty. O curioso é que poucos sabem que essa preciosidade se encontra em território da bacia do São Francisco. Cidade de personalidades como Chica da Silva e Juscelino Kubitschek, Diamantina se destaca pela preservação de um passado recheado de histórias e por uma beleza arquitetônica que impressiona.
A cidade de Diamantina, no estado de Minas Gerais, é uma joia arquitetônica que a Unesco reconheceu como patrimônio da humanidade. O que pouca gente sabe é que essa preciosidade pertence à bacia do rio São Francisco e figura como um dos seus grandes atrativos culturais. Majestosa em seus casarios conservados, acolhedora em seu clima serrano, apetitosa em suas iguarias típicas, a cidade também encanta pelo colorido barroco e grande agitação jovial.
A porção barroca vem das igrejas, dos sobrados e prédios públicos restaurados. O lado jovial vem dos estudantes, que enchem a cidade de repúblicas e fazem das ladeiras e ruas estreitas pontos de encontro e agitação. Passado e presente convivem harmoniosamente e apontam para um futuro que, todos esperam, seja de crescimento sustentável, sem prejuízo de um patrimônio que detém a fama de ser um dos mais belos do País, ao lado de ícones como Ouro Preto, Tiradentes, Paraty e Olinda.
Além disso, Diamantina chama a atenção por ter sido o berço de dois filhos ilustres. O primeiro deles é a ex-escrava Francisca da Silva de Oliveira – a Chica da Silva –, rainha negra que atingiu posição de destaque na elitista sociedade mineira do século XVIII. O segundo, o estadista Juscelino Kubitschek, revolucionário fundador de Brasília, no início dos anos 1960, e um dos presidentes mais lembrados da história recente do Brasil. Tanto Chica como Juscelino tiveram suas casas transformadas em pontos turísticos obrigatórios para quem visita Diamantina.
Inúmeras atrações
A história de Diamantina se entrelaça com a própria história do Brasil colônia e está intimamente ligada à exploração do ouro e do diamante. O povoado nasceu por volta de 1722, crescendo na direção dos rios que eram garimpados por uma população flutuante. A descoberta de diamantes e de outras pedras preciosas chamou a atenção da Coroa Portuguesa, que logo estabeleceu no local construções simbolizando o poder religioso (a Igreja de Santo Antonio) e o poder fiscal (a Casa da Intendência). Nascia, assim, o Arraial do Tejuco, depois transformado no conjunto urbano de Diamantina.
A Diamantina de hoje é bem maior do que seu núcleo histórico, mas este continua sendo o maior atrativo do município, que tem no turismo e nos serviços suas principais fontes de renda. Os turistas sobem e descem as íngremes ladeiras da cidade durante todo o ano e se concentram nos períodos das chamadas “vesperatas”, concertos musicais apresentados das sacadas coloniais para um público que lota as ruas em frente ao casario.
Da seresta ao samba, do chorinho à MPB, o repertório agrada a todos os gostos musicais. Quando há “vesperatas”, realizadas normalmente à noite, entre os meses de abril e outubro, a cidade é tomada por um público extra e muito animado. Chegam ônibus lotados de Belo Horizonte e outras cidades. Os hotéis atingem sua capacidade máxima. A felicidade alcança indistintamente donos de restaurantes, de bares e de lojinhas de souvernirs.
Ao chegar a Diamantina, o calçamento das ruas em pedra polida é a primeira coisa que chama a atenção. O segundo impacto vem da concentração dos muitos imóveis históricos, perfilados um junto ao outro, por toda a área do Centro antigo. São igrejas, pousadas, casas residenciais e edifícios públicos que mantêm um razoável padrão de conservação estética da arquitetura que marcou o barroco dos séculos XVIII e XIX.
Entre os inúmeros ícones locais, um dos mais cultuados (talvez o maior símbolo da cidade) é a Casa da Glória. Pintado nas cores branca e azul, o imóvel pertence hoje à Universidade Federal de Minas Gerais, mas já sediou o colégio das rigorosas freiras vicentinas. Foram elas que resolveram unir os dois casarões da mesma rua com um passadiço. De um lado ficavam as salas de aula das internas; do outro, uma capela. O passadiço, conta a lenda local, permitia que as moças internas passassem de um lado a outro, protegidas dos olhares masculinos.
Atualmente, a Casa da Glória oferece espaço para aulas e serve de alojamento para os alunos dos cursos de Geologia, Cartologia e Turismo da UFMG. Mas o forte da Casa é mesmo a visitação turística: “Em 2015, cerca de 15 mil pessoas passaram por aqui. E só em julho deste ano recebemos por volta de três mil visitantes”, orgulha-se a encarregada Adalma Fernandes Teixeira.
Aos turistas, a Casa da Glória reserva o direito de conhecer o original passadiço e percorrer a maior parte das instalações, que abrigam desde um oratório do século XVIII até um pequeno museu geológico, com pedras extraídas das serras que envolvem a cidade. O lado histórico convive em harmonia com a “vida” trazida por jovens estudantes que fazem estágios e trabalhos de campo na região.
Igualmente visitada é a Casa da Chica, um sobrado repleto de janelas apoiadas em dormentes e que foi residência da escrava alforriada Francisca da Silva entre os anos de 1763 e 1771. Hoje, o imóvel é sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e abriga pequenas exposições, entre as quais, uma coleção de quadros que retratam a rainha negra que conquistou sua carta de alforria ao casar com um influente contador de diamantes, o português João Fernandes. Corre a lenda que Chica era dotada de um incontrolável apetite sexual e até promíscua, o que é rebatido por alguns historiadores, sob a alegação de que, com esse comportamento, ela nunca teria sido aceita, como foi, pela rígida sociedade da época.
Também diamantinense, o ex-presidente Juscelino Kubitschek passou boa parte de sua vida na casa simples de janelas azuis da Ladeira de São Francisco, região central de Diamantina. O espaço se tornou um museu em regime de visitação permanente e guarda documentos antigos, como notas escolares de Juscelino e ata de formatura do curso primário, além de ter reproduzido com exatidão o dormitório de Nonô, como JK era conhecido na cidade. De lá ele saiu para estudar Medicina, ser prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais e presidente do Brasil. Para lá, sempre retornava, a fim de repor energias ou passar o Carnaval.
A presença de JK em Diamantina vai muito além de sua casa/museu e da estátua que a prefeitura ergueu em sua homenagem. Apaixonado pela cidade antiga, mas sempre com uma visão urbana e moderna, ele teve a ideia de convidar o amigo Oscar Niemeyer para projetar alguns imóveis na cidade. Foi assim que, no começo da década de 1950, nasceram o Hotel Tejuco, a Escola Estadual Júlia Kubitschek, a Praça dos Esportes e a Faculdade de Odontologia – atual Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri. São prédios que trazem a marca modernista do famoso arquiteto (que anos depois projetaria Brasília), num interessante contraste com o barroco das construções locais.
Os interessados em história e arquitetura têm também outros motivos para visitar Diamantina, como a “Casa do Muxarabi”, imóvel de procedência mourisca, inteiramente fechado em treliças de madeira, que permitia observar a rua sem ser observado. O casarão, que hoje abriga a Biblioteca Pública Antonio Torres, destaca-se pela suntuosa presença de três sacadas em madeira torneada. Possui um rico acervo histórico, com documentos e livros raros.
Outro destaque é a Casa da Antiga Intendência, edificada entre 1733 e 1735, como sede da Intendência dos Diamantes, instituição da Coroa Portuguesa que fiscalizava as pedras preciosas achadas na região. A construção possui escadaria de pedra (no acesso principal), cobertura de quatro águas e 19 janelas. No interior do prédio, chama atenção o forro em gamela do salão do segundo pavimento.
Entre as igrejas, a que mais se destaca, por se localizar no “coração” de Diamantina, é a Catedral de Santo Antônio, construída entre 1933 e 1940, em substituição à antiga igreja de Santo Antônio do Tejuco. Em antiguidade, são famosas a Igreja do Rosário (um dos templos católicos mais antigos da cidade), a Igreja Nossa Senhora do Carmo (com seu altar folheado a ouro), a Igreja de São Francisco (construída em 1775, em estilo rococó) e a Capela de Nosso Senhor do Bonfim (que teria sido construída pelos militares).
Diante da importância do patrimônio histórico de Diamantina, é quase natural que a relação da população local com esse legado seja de respeito e admiração. Talvez isso justifique a pequena incidência de atentados ou vandalismo contra os prédios históricos. De qualquer modo, a prefeitura garante fazer sua parte: “Temos investido em educação patrimonial dos estudantes da rede pública, isso acaba criando uma consciência maior da necessidade de preservação por parte da própria população local”, observa Marcia Dayrele, diretora de Patrimônio da Prefeitura Municipal.
A Prefeitura também realiza serviços de manutenção predial, sobretudo nos imóveis historicamente mais importantes, com base nos recursos disponibilizados pelo Governo de Minas Gerais, que não são muitos. Em 2015, foram aplicados cerca de R$240 mil em reformas e obras de conservação em alguns bens tombados. Um montante quase insignificante, considerando a importância e o número de exemplares históricos que fazem o patrimônio de Diamantina.
O rio que ninguém vê
Dizer que Diamantina está situada na bacia hidrográfica do rio São Francisco causa admiração e surpresa à maioria dos diamantinenses. De São Francisco eles só conhecem a bela igreja dedicada ao santo, atração do patrimônio histórico local. Para a maioria, o Velho Chico é um rio distante, que atravessa outros territórios mineiros. Poucos sabem que dentro dos limites do município nasce e corre o rio Pardo Pequeno, que deságua no rio das Velhas, por sua vez, afluente do São Francisco.
Apelidado carinhosamente pela população de “Rio Pardinho”, o Pardo Pequeno tem 67 quilômetros de extensão e drena uma área de 700 quilômetros quadrados. Sua nascente se localiza a uma altitude de aproximadamente 1.400 metros na Serra do Espinhaço. Alguns de seus trechos servem de limite natural entre municípios da região. O trecho entre a foz do córrego do Capão e a foz do córrego Chapadinha separa os municípios de Diamantina e Gouveia. Em seus últimos 10 quilômetros de extensão, até desembocar no rio Pardo Grande, faz a divisão entre os municípios de Monjolos e Santo Hipólito.
Embalos de sábado no Mercado
Construído em 1835, o Mercado Municipal tornou-se o principal ponto de venda de mercadorias trazidas pelos tropeiros. O tempo passou e o papel desse galpão de arcadas rústicas quase não mudou. Todos os sábados, os diamantinenses se encontram por lá, para comprar produtos hortifrutigranjeiros, comida e artesanato ou simplesmente para bater papo. Entre as mercadorias, não faltam ovos caipiras, linguiça artesanal, pimenta em conserva, rosquinhas de trigo, café moído em casa e, claro, pão de queijo.
O clima é de festa, sim. O mercado é a principal referência cultural da cidade e é nele ou no seu entorno que todas as manifestações populares acontecem: da seresta de sexta-feira à noite até o carnaval. Aos sábados, o ambiente é de muita conversa entre as famílias que se encontram na banca do feijão tropeiro (recheado com muito torresmo) ou da galinha caipira com quiabo. A depender do horário, o prato pode ser acompanhado por uma cachaça artesanal ou cerveja.
Além das comidas e bebidas, a feira oferece peças artesanais produzidas na região. Há desde mantas, panos de prato e toalhas bordadas até as famosas bonecas e galinhas de cerâmica com a marca dos artesãos do Vale do Jequitinhonha, situado nas redondezas. Aliás, essas peças, bastante valorizadas no mercado nacional por sua beleza e originalidade, têm em Diamantina o principal entreposto comercial. Além do mercado, diversas lojinhas se espalham pela cidade, algumas exclusivamente representantes da bela produção artesanal do Jequitinhonha.
A história que habita o Chico
Diamantina não é a única cidade histórica da bacia do São Francisco. Só em Minas Gerais, mais três municípios estão associados ao Velho Chico: Ouro Preto, Sabará e Congonhas. As três cidades viveram o ciclo da mineração, floresceram no século XVIII e têm em comum um patrimônio arquitetônico invejável, grande atrativo para turistas brasileiros e estrangeiros.
Congonhas se destaca pela herança artística de Manuel Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Seus profetas, esculpidos em pedra, são a grande referência da cidade, assim como o conjunto artístico da Basílica de Bom Jesus de Matosinhos, eleita pela Unesco, em 1985, Patrimônio Cultural da Humanidade.
A cidade de Sabará oferece o Teatro Municipal, o Museu do Ouro e a Matriz de Nossa Senhora da Conceição como principais atrativos históricos. Já o município de Ouro Preto é considerado o maior conjunto barroco do mundo, ostentando prédios, pontes, chafarizes e uma série de outros elementos arquitetônicos que expressam o requinte de uma época marcante no ciclo econômico de Minas Gerais e do Brasil.
Também integrante da bacia do São Francisco, a baiana Rio de Contas, primeira cidade fundada na Chapada Diamantina, em 1723, revela um rico patrimônio de monumentos e casarios de grande importância histórica, figurando entre seus cartões-postais a Igreja de Santana, construída por escravos no século XIX.
O estado de Alagoas, por sua vez, está representado pelos municípios de Penedo e Piranhas. Erguida à beira do Velho Chico, Penedo exibe uma paisagem edificada com importantes bens da arquitetura religiosa do Nordeste – como o Convento Santa Maria dos Anjos e as igrejas de Nossa Senhora da Corrente e de São Gonçalo Garcia.
Localizada no sertão alagoano, Piranhas foi tombada pelo Iphan por seus valores históricos, arquitetônicos e culturais, que datam do início do século XVIII. A cidade mantém bem conservado seu colorido casario colonial, disposto irregularmente em morros e baixadas. Na área tombada, vale destacar os prédios da Estação Ferroviária, Torre do Relógio, Igreja Nossa Senhora da Saúde e Palácio Dom Pedro II.
*Esta matéria foi veiculada na Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 09 | NOV 2016. Para ler a revista completa, acesse.
ASCOM – Assessoria de Comunicação do CBHSF