08/04/2008
Em primeiro lugar agradeço a oportunidade que me foi concedida de falar aos meus irmãos bispos e poder assim esclarecer nosso posicionamento em relação ao Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco e dirimir algumas dúvidas que ainda persistem. Para ser breve, conciso e didático coloco a questão em 4 pontos:
1. Só assumimos a postura desafiadora e evangélica do “jejum e oração” depois de esgotadas todas as tentativas de estabelecer um diálogo verdadeiro, ético, transparente com o governo federal. Como dizia:”quando a razão se extingue a loucura é o caminho”. O próprio Jesus nos ensina que quando o inimigo é muito forte e poderoso somente o jejum e a oração são capazes de lhe fazer frente. De coração peço perdão a todos os irmãos pelo constrangimento e sofrimento que causei aos senhores e ao bom povo de Deus.
2. Como sempre temos afirmado, nosso posicionamento contrário não é ao projeto em si, mas ao endereçamento das águas. Se a finalidade do projeto fosse prioritariamente a dessedentação humana e animal, nós seríamos a favor do projeto. A água é bem essencial à vida e esse deve ser seu uso prioritário. O projeto inverte essa prioridade privilegiando o uso econômico da água. O multiuso da água, para ser ético só se verifica, uma vez atendida sua função essencial que é o abastecimento humano e animal. O Sr. Ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima e o Sr. Deputado Federal Ciro Gomes, na audiência pública que aconteceu no Senado Federal no dia 14 de fevereiro último, pela primeira vez assumiram publicamente o uso econômico da água da transposição como prioridade do projeto, contrariando o que sempre a propaganda oficial afirmou que as águas seriam para matar a sede dos pobrezinhos ou que aqueles que passam sede apóiam o projeto. Finalmente o governo assumiu a verdade do projeto.
3. Água temos com abundância em todo o Nordeste Brasileiro, mas concentrada, acumulada em espaços específicos como no Rio São Francisco e seus afluentes e no conjunto de Açudes do Nordeste Setentrional e em épocas específicas de cheias. O que urgentemente necessitamos é:
a) Revitalizar o Rio São Francisco e seus afluentes e o conjunto de Açudes, através do reflorestamento de suas fontes, recomposição das matas ciliares e obras de saneamento básico para impedir que os dejetos sanitários e químicos sejam lançados “in natura” nos rios e nos açudes;
b) Uma rede de distribuição dessa água concentrada para que atinja as populações difusas, antes que evapore, prevista nos Projetos Alternativos de que adiante falaremos. São essas populações difusas, os que vivem espalhados por todos os rincões do semi-árido do nordeste, os que mais carecem de água e que devem ser os verdadeiros destinatários dos recursos disponíveis para atender as demandas hídricas. Nós bispos do São Francisco moramos próximos da calha do rio. Se caminharmos 500 ou 1000 metros na direção da caatinga encontraremos as comunidades carentes de água. O mesmo acontece com a população difusa dos estados receptores em relação aos açudes. O projeto não prevê a distribuição e a democratização da água, mas como os seus defensores chamam “segurança hídrica dos açudes”. Segundo o projeto as águas do São Francisco visam garantir a segurança hídrica dos açudes e bacias dos estados receptores a fim de não colocar em risco o uso econômico das águas e os empreendimentos agroindustriais. Repetimos: Se as águas da transposição fossem para o abastecimento humano e animal, seríamos os primeiros a apoiar o projeto.
4. Perguntaria: por quê o governo insiste tanto no Projeto de Transposição
quando o próprio governo apresenta alternativas viáveis de abastecimento hídrico das populações difusas? A Agência Nacional de Águas – “ANA” -, lançou o “Atlas do Nordeste”, apresentando abastecimento hídrico para as populações urbanas do Nordeste e Norte de Minas. A Articulação do Semi-Árido – “ASA” – prevê alternativas de abastecimento hídrico em áreas rurais. Enquanto o Projeto de Transposição prevê o abastecimento de apenas 12 milhões de pessoas (a maior parte habitantes das grandes capitais do nordeste já abastecidas de água), pela metade dos valores o Projeto Alternativo de abastecimento hídrico, uma vez implementado, atenderá 44 milhões de seres humanos. Enquanto o Projeto de Transposição atende apenas 397 municípios, pela metade dos valores os Projetos Alternativos atenderão 1346municípios. Enquanto o Projeto de Transposição atende apenas a quatro estados da federação, (Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará), os Projetos Alternativos, pela metade dos valores atenderão dez estados da federação, (Minas, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão). O governo insiste em dizer que os Projetos Alternativos são ações complementares ao grande e custoso Projeto de Transposição. E eu perguntaria: Por quê não inverter a afirmação? Primeiro vamos realizar os Projetos Alternativos que são economicamente mais abrangentes, ecologicamente sustentáveis, socialmente justos e eticamente corretos, por respeitar a sagrada vocação da água de ser um bem essencial à vida e atender um direito fundamental, isto é, a dessedentação humana e animal. Concluo afirmando que este assunto não é apenas técnico, da alçada do governo, mas profundamente pastoral, que diz respeito a todos nós pastores por se referir à vida de milhões de brasileiros e brasileiras a nós confiados que clamam por vida e “vida em abundância”.
Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM Bispo Diocesano de Barra-BA