Parece brincadeira de criança, mas o objetivo é muito sério. A baladeira ou estilingue, muito usada por crianças, ganhou uma nobre missão na região do Submédio São Francisco. Nas mãos de três comunidades tradicionais quilombolas, elas passaram a ser uma importante ferramenta para recuperar as áreas degradadas da Caatinga.
Através do projeto Recupera Caatinga, o instrumento serviu para o lançamento de quase 20 mil bombas de sementes (bolinhas feitas com argila envolta da semente) em locais de difícil acesso na Caatinga. O projeto foi proposto pela Organização Não Governamental Chapada e ganhou vida, com apoio do Programa Petrobras Socioambiental, nas comunidades quilombolas de Jatobá II, em Cabrobó, Cupira e Inhanhum, no município de Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco. Beneficiando diretamente 270 famílias, a ação teve início em outubro de 2020 e se estendeu até fevereiro deste ano.
O objetivo foi atender as demandas apresentadas pelas comunidades por meio de diagnóstico que registravam práticas de desmatamento, queimadas e uso de agrotóxicos no preparo dos roçados. “Não havia plantio significativo de mudas destinadas às forragens para animais. Os impactos negativos no meio ambiente perpassavam também pela destruição das matas ciliares, dos riachos e de trechos do Rio São Francisco que atravessam estas comunidades, destruídas também por conta dos plantios irrigados por alagamento, ocasionando salinização e assoreamento”, explicou o coordenador da ONG, Alexandre Pereira.
Para Rafael de Souza Rodrigues, agente ambiental e quilombola da comunidade de Jatobá II, os resultados do trabalho já estão acontecendo. “Estamos obtendo resultados principalmente quanto à conscientização das pessoas, sobre a importância de não desmatar, não destruir e que temos condições de viver em harmonia com a natureza. Preservar, plantar por um futuro melhor. Áreas que foram e estão sendo recuperadas através de plantios comunitários. O projeto prezou muito pelo voluntariado, unir a comunidade por um só objetivo e com isso foram implantados bosques em áreas que as famílias tinham e não usavam para nenhum fim e hoje em dia, as famílias já cuidam sozinhas dessas áreas. A gente entende que esse foi um trabalho que necessitava e ainda necessita de muito cuidado e urgência devido ao sofrimento da Caatinga provocado pela ação do homem. Nossa região, principalmente do nosso município, vem sofrendo muito com a desertificação”, destacou.
Segundo a ONG Chapada, imagens áreas identificaram também voçorocas e processos erosivos. Com atividades baseadas no autoconsumo e venda de excedentes, as comunidades sobrevivem principalmente da terra com a produção de hortaliças, frutas, raízes, grãos, além da pesca e criação de pequenos animais.
Durante o projeto foram implantadas três casas de sementes e três viveiros florestais com capacidade de produção de 56 mil mudas de espécies nativas da Caatinga. “As mudas foram plantadas e houve o lançamento de mais 18 mil bombas de sementes. Foram promovidas oficinas sobre coleta de sementes nativas e expedições nas comunidades, com a atuação dos guardiões de sementes que também participaram de capacitações. Houve ainda processos formativos em produção de mudas e bombas de sementes, sistemas agroflorestais (SAFs) resilientes, mitigação de queimadas e combate a desertificação e produção de composto orgânico”, destacou Alexandre.
Também foram implantados bosques climáticos e recuperadas áreas degradadas, de reserva legal e de mata ciliar de um riacho na comunidade de Jatobá II e no Rio São Francisco, em parte do trecho que banha Cupira e Inhanhum. “Foram implantados nove biodigestores, três em cada comunidade. As famílias quilombolas ainda participaram de encontros comunitários sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assim como professores das escolas municipais que foram capacitados em temas sobre equidade racial e de gênero. É importante destacar a realização de exposições nas escolas com o trabalho dos alunos e as exposições municipais com o objetivo de ampliar a divulgação dos resultados alcançados nas comunidades quilombolas”. Jovens e adultos participaram de oficinas de comunicação, fotografia digital e produção audiovisual e radiofônica.
A presidenta da Associação Quilombola de Inhanhum, Benedita Mota Souza, lembrou que a ação conjunta da comunidade ajudou também a recuperar espécies medicinais usadas há anos, mas que já não se achava mais na Caatinga. “O projeto ensinou a valorizar muito mais o nosso bioma e a resgatar as plantas nativas da Caatinga que já nem existiam mais, aquelas que nossos antepassados usavam para a medicina e não existiam por falta de chuva. Aqui jogamos as bombas de sementes na serra, local que estava devastado e o cenário já é outro, só temos a agradecer porque estamos resgatando as plantas e a nossa cultura em um processo que envolveu a comunidade toda, desde a criança ao idoso”, concluiu.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Imagens cedidas pela ONG Chapada