Dando seguimento às discussões que visam ampliar o debate sobre a possibilidade da construção de uma usina nuclear na cidade de Itacuruba, no Estado de Pernambuco, representantes de comunidades tradicionais se reuniram na noite da última quinta-feira (05) em uma videoconferência para demonstrar suas preocupações com as ameaças que devem sofrer, caso o projeto siga em frente.
O encontro, promovido pela Diocese de Floresta (PE), faz parte de um ciclo de discussões que vem acontecendo há anos, colocando em evidência o avanço das tratativas que visam à implantação da usina no território pernambucano. Embora a própria legislação do estado de Pernambuco proíba a instalação de usinas atômicas em seu território, as discussões nesse campo avançam a passos largos. De acordo com o Artigo 216 da Constituição Estadual, é proibido a instalação de usinas nucleares no estado “enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e de outras fontes”. No entanto, na contramão, segue em tramitação a Proposta de Emenda Constitucional nº 09/2019, de autoria do deputado Alberto Feitosa, que modifica a Constituição pernambucana para permitir a instalação de usinas nucleares.
De acordo com o documento, que teve sua última atualização em setembro de 2019, “é inconstitucional norma estadual que dispõe sobre atividades relacionadas ao setor nuclear no âmbito regional, por violação da competência da União para legislar sobre atividades nucleares, na qual se inclui a competência para fiscalizar a execução dessas atividades e legislar sobre a referida fiscalização. Ação direta julgada procedente. ”
Para o padre Alberto Reani, a possibilidade de um novo grande empreendimento em um território que, inclusive já foi atingido pela construção de uma das seis usinas hidrelétricas instaladas no rio São Francisco, não é viável, não só por existirem formas mais limpas de geração de energia como também pela representação da ameaça à vida e ao ecossistema. Fazendo um paralelo entre as diferentes formas de geração de energia, ele lembrou que as fontes renováveis têm crescido em grandes proporções e representam formas mais seguras em relação à usina nuclear. “Essa obra representa uma grave ameaça ao meio ambiente e à vida considerando a utilização da água do Rio São Francisco para resfriamento dos reatores e uma possibilidade de acidente”, pontuou lembrando de outros acidentes como a usina de Chernobyl que, ao explodir na madrugada de 26 de abril de 1986, transformou a cidade do norte da Ucrânia em uma cidade fantasma atingindo diretamente a vida de dezenas de milhares de pessoas pelo desastre atômico.
De acordo com dados oficiais, o número de mortos reconhecido internacionalmente aponta que 31 pessoas morreram como resultado imediato de Chernobyl, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 50 mortes podem ser diretamente atribuídas ao desastre. Já em 2005, previa-se que mais 4 mil poderiam eventualmente ter morrido como resultado da exposição à radiação. Na Ucrânia, as taxas de mortalidade aumentaram entre 1988 e 2012, passando de 3,5 para 17,5 mortes por mil pessoas, além de milhares de sobreviventes que sofreram com doenças ligadas à radiação a que foram expostos. O Centro Nacional de Pesquisa Médica de Radiação estima que cerca de 5 milhões de cidadãos da antiga União Soviética, incluindo 3 milhões na Ucrânia, tenham sido afetados pelo desastre de Chernobyl. Na Bielorrússia, outras 800 mil pessoas também foram atingidas pela radiação.
Representando o povo Pankararu, o indígena Sarapó Pankararu, coordenador executivo da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, relata que a construção afetaria centenas de milhares de famílias ao longo das margens do São Francisco. “Nós que estamos também no município de Jatobá (PE) seremos atingidos, assim como todos nessa margem. Então, nós enquanto população dos povos indígenas, entendemos que não precisamos de usina nuclear porque existem muitas outras formas, mais limpas e seguras de gerar energia”.
Liderança do povo quilombola do Poço dos Cavalos em Itacuruba, dona Valdeci lembra que desde 2011 aborda a importância de um amplo diálogo. “Estamos trabalhando e levantando o debate sobre a importância da mobilização em defesa dos nossos povos. Aqui temos falado com a comunidade sobre o perigo dessa usina. Já fomos vítimas da construção de uma usina hidrelétrica e até hoje sofremos as consequências, e agora vem essa possibilidade de mais uma grande construção que sequer busca ouvir as pessoas alegando que somos leigos, mas não somo. Mesmo sem ter a licenciatura específica em física e química, nós temos conhecimento e contamos com a força dos nossos ancestrais, lideranças e dos nossos encantados que nos inspiram e nos fazem buscar os conhecimentos necessários para que possamos mobilizar nosso povo a entender que a usina nuclear não é de bem, é usina da morte”.
O Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), identificou nove localidades nas regiões Nordeste e Sudeste do país para estudo de viabilidade para abrigar usinas nucleares. No Nordeste, a área escolhida fica na cidade de Itacuruba, em Pernambuco. Segundo a Eletronuclear, estudos indicam, desde 2011, que a área de Itacuruba apresenta condições ideais para a construção do empreendimento que custaria em torno de R$ 30 bilhões.
A cacique Pankará Lucélia Leal também lembrou os impactos sofridos pela comunidade indígena quando foi completamente transferida de seu território original, para a construção da usina hidrelétrica de Itaparica. “Toda vez que vou falar sobre a usina nuclear lembro de quando precisamos sair do nosso território para a construção da usina de Itaparica. Temos a certeza que essa nova construção vai impactar diretamente, mais uma vez, o povo indígena, quilombola e a sociedade como um todo. Entendo que uma energia limpa não vem para tirar um povo do seu território, uma energia limpa não vem para absorver a água do nosso rio e devolver ela em uma temperatura fora do natural, a que os animais não estão acostumados”, pontuou.
Também preocupado com a nova instalação no rio São Francisco, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco deve contratar consultoria para a elaboração de avaliação prévia de impactos ambientais em decorrência do projeto de instalação da usina nuclear em Itacuruba.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Foto: Kel Dourado