Revista Chico nº 11: Mulheres

30/01/2023 - 10:00

Incorporada à agenda internacional para o desenvolvimento sustentável, a representação feminina na gestão das águas já é uma realidade no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

 

Nascida no quilombo Caraíbas, em Sergipe, Xifroneze Santos aprendeu muito cedo o significado do verbo lutar. Aos 16 anos já era militante, engajada nas infinitas batalhas contra o racismo e o machismo. Segundo conta, aos poucos, no entanto, foi entendendo que sua missão ia além: “A mulher quilombola é sinônimo de resistência permanente. Lutamos não somente pelas nossas vidas, mas também por territórios, direitos, saúde e educação”. Entre esses direitos, um direitos, um que é fundamental: a água.

Para Suzana Montenegro, presidente da Agência Pernambucana de Água e Clima (APAC) e membro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), água e gênero são hoje temas indissociáveis. “A água é uma palavra feminina. Se a gente quer discutir o direito à água, temos que discutir o feminino”, diz ela, que se tornou uma potente voz no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF).

“É preciso buscar nos Comitês de Bacias a equidade de gênero, tratando as mulheres com igualdade, porém, com respeito às diferenças”, comentou Suzana Montenegro. “A presença das mulheres é importante para a gestão e preservação das águas, e esse olhar da igualdade de gênero está em consonância com a diversidade e com a democracia que se espera dos espaços de representação política”.

No CBHSF, a representação feminina já é uma realidade: 37% dos membros do plenário são mulheres.

 

O protagonismo da mulher na CTIL

Na Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL) do CBHSF, a participação feminina representa 40% dos membros titulares. Larissa Cayres foi uma das primeiras coordenadoras da CTIL e atua nessa instância desde a criação do Comitê. “O CBHSF nasceu com mulheres muito fortes a frente, fazendo as coisas acontecerem. Agora estou na CTIL e é lindo de ver a nossa força. Somos acostumadas a ir à luta pelos nossos direitos e com os recursos hídricos não é diferente. Seja na imagem da mulher com a lata na cabeça que vai buscar água para abastecer a família ou nas que lutam pelos recursos hídricos e meio ambiente, somos fortes e vamos à luta”. A composição da CTIL nos mostra que cada mulher da bacia hoje pode enxergar que aquele espaço é para ela também”, conta Larissa Cayres.

 

 

 

O lugar da mulher é onde ela quiser

E o futuro aponta para o crescimento dessa participação, levando-se em consideração o fato de que água e igualdade de gênero são atualmente temas incorporados à agenda internacional para o desenvolvimento sustentável. O debate vem de longe, desde a Conferência de Dublin, em 1992, pouco antes da realização da célebre Rio-92, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou a inclusão da mulher na gestão das águas.

Na Agenda 21, um dos desdobramentos da Rio-92, o Item 3 dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio focava a mulher como fator determinante para a gestão sustentável da água e do meio ambiente. Após a Rio+20, realizada também no Rio de Janeiro, a Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) preconizaram a Igualdade de Gênero (ODS 5) que, alinhada ao ODS 6, Água Potável e Saneamento, garantiriam a participação da mulher na gestão dos recursos hídricos. Apesar de todos esses avanços, a verdade é que ainda falta muito. As mulheres ainda ocupam um número muito menor de cargos que os homens nos órgãos oficiais que cuidam da preservação e do acesso à água.

 

Profissionais da água

Segundo a ecóloga Rúbia Mansur, mais do que nunca, as mulheres precisam se aprimorar, buscando formação sólida para enfrentar os desafios. Gerente de Integração da Agência Peixe Vivo, onde atua há 12 anos, ela não renuncia à formação continuada: “Já fiz e sempre busco fazer vários cursos, desde os básicos, que trazem conhecimentos sobre Comitês e Agências de Bacia, instrumentos de gestão, planos de recursos hídricos e comunicação nesse contexto, a outros mais específicos sobre qualidade da água, por exemplo.”

Rúbia já concluiu um MBA em Gestão de Projetos, é discente da Universidade Federal de Minas Gerais no curso de pós-graduação em Recursos Hídricos e Meio Ambiente e mestranda do ProfÁgua (Programa de Mestrado Profissional), pela Universidade Federal da Bahia.

Izabel Gonçalves Nogueira segue o mesmo rumo. Há nove anos, trabalha desenvolvendo atividades de geoprocessamento, mobilização social e educação ambiental para o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. Graduada em Geografia com ênfase em Geoprocessamento, é pós-graduada em Gestão de Recursos Hídricos e Georreferenciamento de imóveis rurais, além de ser mestranda no Programa de Pós-Graduação em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos do ProfÁgua. “O profissional que se propõe a atuar com as águas deve estar atento às mudanças de legislação e ao aprimoramento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos”, avaliou Izabel. “Além disso, é preciso saber que o comportamento hídrico vem mudando ao longo dos anos, bem como sua relação com o clima e as atividades de interferência humana. Isso, sem dizer da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável”.

O caminho é mesmo esse, conforme defende Renata Rozendo Maranhão, coordenadora de capacitação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) e do setor do saneamento da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). De acordo com ela, os desafios futuros são imensuráveis: “Temos que estar preparadas para a tomada de decisão, para a gestão de conflitos, para uma visão crítica sobre os desafios da gestão e regulação e para a busca de soluções inovadoras, individuais e coletivas”.

 

Como se formar

A Agência Nacional de Águas (ANA) oferta diversos cursos de capacitação que miram na gestão das águas no Brasil. Hoje são mais de 80, realizados de forma compartilhada entre instituições públicas e privadas e instâncias de participação social. Todos gratuitos, nas mais diferentes modalidades: presencial, semipresencial, EAD, com ou sem tutoria.

A entidade mantém parceria com 56 universidades por meio de programas desenvolvidos junto à Capes. São dois mestrados profissionais – ProfÁgua e ProfCiAmb, coordenados pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e Universidade de São Paulo (USP), respectivamente. Além disso, apoia 12 projetos em rede por meio do Pró-Recursos Hídricos.

Hoje são mais de 500 alunos matriculados desenvolvendo pesquisas sobre gestão e regulação de recursos hídricos por meio do ProfÁgua, que é um curso de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos. Ele é integrado por 15 universidades, a exemplo das Universidades Federais da Bahia e de Pernambuco.

O ProfCiAmb, por sua vez, é o curso de Mestrado Profissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais e conta com nove universidades associadas. As Universidades Federais de Sergipe e de Feira de Santana (BA) estão entre elas. Já foram capacitadas pelos cursos da ANA cerca de 215 mil pessoas desde 2001. Nos últimos tempos, foram uma média de 30 mil alunos por ano. Os cursos mais procurados são o de Lei das Águas e Hidrologia Geral.

 

 


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio e Andréia Vitório
Arte: Priscila Amoni