O grupo técnico GT-Água da Frente Parlamentar Ambientalista realizou na terça-feira (7), no auditório Freitas Nobre, da Câmara dos Deputados, o I Seminário de Outorgas d’água. O evento foi organizado pela deputada Duda Salabert (PDT-MG), líder do grupo técnico e uma das parlamentares de Minas que mais briga pelo meio ambiente no Congresso. “Este seminário tem como objetivo dar início ao debate acerca de novas políticas públicas para a definição de outorgas d’água no Brasil”, disse a parlamentar ao abrir o evento.
A deputada Duda Salabert destacou a importância de todos que estavam participando do debate. “Vocês sabem que todo parlamentar gosta muito de falar, eu adoro, mas hoje vou escutar. Aqui hoje é meu lugar de escuta para ouvir de vocês, técnicos e especialistas na questão das águas, das outorgas, e de toda a problemática desse tema, pois tenho certeza que todos trazem informações importantes para ajudar a mudar essa triste realidade do avanço da mineração nesse momento de mudança energética”, destacou Salabert.
Antes de passar a palavra ao primeiro orador, Salabert destacou que de todos os números que a estarrecem na questão das águas, tem um que é escandaloso. ” É um absurdo que para produzirmos 1kg de carne no Brasil sejam necessários 16 mil litros de água!”, disse a deputada.
Mesa de debate
A primeira mesa de debate foi sobre o desafio de gestão das águas em um cenário de crise, conduzida por Carlos Souza Junior coordenador do MapBiomas Água. Em sua explanação, Carlos Souza falou da dinâmica da água superficial e os desafios em época de crise climática. Segundo ele, não dá mais para falar em mudança climática, pois a crise já está imposta. Ele usou dados do Banco Mundial e abriu sua fala lembrando que apenas 3% da água do planeta é doce e por isso a água é um recurso escasso. Desses 3%, 69% está nas geleiras, nas calotas polares que estão derretendo. “De janeiro de 1975 ao final de 2022, 53% dos Andes já derreteram e as comunidades e atividades que dependem dessa água, como a agricultura e a pecuária, já estão sofrendo esse impacto. Já temos geleiras extintas. Isso significa que já estamos vivendo a crise climática”, afirmou.
Água virtual
O pesquisador destacou que a água virtual que o Brasil exporta também é um problema que precisa ser monitorado. “Esta água é a que vai em cada tonelada dos produtos alimentícios que produzimos e exportamos. O Brasil é o maior exportador de água virtual do mundo e isso não está sendo monitorado, temos dados antigos, de 2012, mas isso precisa ser medido. Precisamos saber o quanto isso custa para o Brasil”, disse.
Obituário das águas
Maiana Maia, da Fundação de Atendimento Sócio Educativo (Fase), lembrou que nossas águas estão sendo roubadas, e que o Brasil está perdendo muitos corpos hídricos, que estão morrendo. “Temos um desafio de não aceitar falsas soluções. Fizemos um mergulho na caixa preta das outorgas durante um ano de trabalho, que mostra que temos meio milhão de outorgas no Brasil. Por isso estamos lançando esse estudo que é o Ralos e gargalos das outorgas das águas, onde falamos dessa história que atinge o Rio Formoso, o São Francisco, o Paraopeba e todos os corpos hídricos pelo Brasil que estão sofrendo com a exploração predatória da água”, destacou.
Segundo ela, ao levantarem as informações dentro do Cadastro Nacional de usuários de recursos hídricos os pesquisadores se depararam com vários gargalos, que deixam claro que a falta de fiscalização, e a forma como são liberadas as outorgas no Brasil não está funcionando e segue um modelo de quando tínhamos água em abundância. “Vimos diversos registros que não identificam a que corpo hídrico pertence determinada outorga, que não definem a quantidade de água que é retirada por hora de determinado aquífero. Temos que começar a trabalhar com números reais antes de liberar uma outorga. Conhecer a destinação do uso daquela água e não simplesmente liberar”, disse.
CBHSF defende união de setores para definição das outorgas e o uso da água
Altino Rodrigues, coordenador da Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco representou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, José Maciel Nunes de Oliveira, no evento. Ele iniciou sua fala provocando os presentes e aqueles que estavam acompanhando online pela live, a fazerem uma reflexão. “Todos aqui temos um celular. Obrigado mineração! Todos aqui comemos arroz e feijão. Obrigado agricultores! Todos aqui chegamos em casa e apertamos um interruptor para acender a luz. Obrigado hidrelétricas!”, disse Altino. Ele complementou que apesar de todos precisarmos desses serviços, não é permitido que qualquer um deles possa interferir e prejudicar as demais atividades de uso múltiplos. “O Comitê defende o uso múltiplo, hoje mais do que de maneira sustentável, de maneira responsável”, disse Altino.
Segundo ele, todas as falas das pessoas que o antecederam no evento mostram que está acontecendo uma exploração predatória de todos os recursos, em especial dos recursos hídricos, que garantem todas as atividades econômicas. “O caminho, eu entendo que é como o comitê faz, que é reunir todos os envolvidos no processo no mesmo encontro e conversar, debater, exaurir o diálogo em busca de soluções”, disse.
Trazer o gigante para perto
Altino destacou que é preciso trazer o gigante, ou os gigantes no caso mineração, agronegócio e outros atores para perto e “convencê-los que da forma como estão trabalhando, estão dando um tiro no pé. O setor produtivo tem que continuar produzindo e seríamos inocentes se achássemos que não precisamos dele”.
O coordenador da CCR Alto afirmou que ao olhar para o governo percebe que existe um tipo de disputa entre o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional com o Ministério do Meio Ambiente para ver quem encampa a Agência Nacional de Águas (ANA). “No meu entendimento a ANA é o grande bastião de resistência, e tem sido a defensora dos comitês pois são eles que têm maior capilaridade para chegar até as cidades e municípios e estão ao lado da sociedade para legitimar o processo, mas os comitês estão sendo excluídos do processo. Eu quero agradecer a deputada por ter incluído os comitês no convite deste evento”, destacou.
Altino continuou sua fala lembrando que um orador que havia falado antes dele, representante da Bahia, alertou sobre um conflito em sua região, e completou, que o comitê estava sabendo do problema, só não tinha sido chamado para moderar os dois lados. “Hoje quando o colega de Correntina falou do conflito que está havendo no São Francisco, onde tem atividades de fundo e fecho de pasto, nós sabemos, e o papel inicial dos comitês é exatamente este, dirimir disputas, mas para isso temos que ser chamados”, disse. Ele completou. “Onde tem instabilidade social não tem riqueza, tem conflito!”
O coordenador de CCR Alto recordou que quando houve falta de água em Belo Horizonte foi o Comitê do Rio das Velhas que negociou a alocação de águas para garantir a segurança hídrica de BH e resolveu. “Este é papel do comitê e os comitês têm sofrido muitas pressões, e quando deveriam ser acionados, não o são”, destacou. “Fica aqui esse pedido, inclusive para a ANA, de chamar o comitê antes de definir qualquer outorga. Em Minas Gerais fazemos assim, todas as grandes outorgas só são liberadas depois de passar pelo comitê.”
Ele ainda destacou a criação do PL 4546 no qual gerenciam e colocam atribuições que legitimamente estão na gestão da Lei 9433, para a gestão de estruturas hídricas, com vistas ao favorecimento de ganhos econômicos. “É inadmissível, e o povo? E as pessoas que vivem nesses territórios, o Comitê está aqui, para representar o setor produtivo, o setor público e também a sociedade. Alguns desses representados falaram aqui hoje. Quero parabenizar o pessoal do Ceará que faz uma gestão impecável e aqui no Distrito Federal também, a gente tem a alocação negociada que funciona muito bem. Mas isso só foi possível porque se sentaram à mesa e discutiram e ninguém melhor do que o comitê para fazer isso”.
Altino lembrou que recentemente o Comitê fez um levantamento de captações e lançamentos em parte da bacia do São Francisco. “Em alguns locais detectamos entre 160% e 450% de diferença entre o outorgado e o captado e o lançado. São números assustadores. Onde está a fiscalização? Temos que aprimorar também a fiscalização. Se não, a gente vai enxugar gelo”.
A inadimplência pelo pagamento dos recursos hídricos da Bacia do São Francisco gira em torno de R$65 milhões, segundo o especialista. Altino voltou a questionar: “Já pensou se essa moda pega?” Segundo ele, se todos resolverem não pagar mais, não haverá recursos para a revitalização. “Precisamos avançar nesta discussão. Apesar de todos avanços que tivemos, o caminho é sombrio, o tempo está passando e o limite já chegou. Temos que definitivamente avançar”, finalizou dizendo que o Comitê irá completar o levantamento da Bacia do São Francisco.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Walberto Maciel
*Fotos: Walberto Maciel