Diretoria mostra ações realizadas nos últimos anos e define metas para o Plano de Recursos Hídricos-SF para 2021-2025
O povoado de Resina fica em Brejo Grande, no estado de Sergipe, a apenas 6km (ou uma légua, para eles) das margens da Foz do São Francisco. No entanto, os quilombolas que lá habitam nunca tiveram acesso a água potável. Sobreviviam com o líquido salobro, e daqueles de alto teor de salinidade, retirado de poços.
Nesta terça-feira (2/5), na sede da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), em Brasília, os 50 participantes da reunião foram informados (para alguns, nem era tanta novidade assim) de como e o quanto as relações entre Estado, organizações não-governamentais e comunidades podem ser efetivas.
Em Resina, como resultado de um trabalho conjunto do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e Agência Peixe Vivo, foi ‘asfaltado’ – com as tradicionais pedras de calçamento – um pequeno trecho, ao custo de R$ 608 mil (ínfimos para os padrões de recursos públicos). “Com a construção da estrada que a isolava, a comunidade pôde, enfim, receber um carro-pipa”, diz Maciel Oliveira, presidente do CBHSF.
Prestação de contas
Nesse encontro, do qual participaram – além de diretores e assessores da ANA e da Agência Peixe Vivo – representantes de várias instituições, foi mostrado como está o andamento dos investimentos da instituição (com base em chamamento público) em 2020. Tudo foi focado em duas variantes: esgotamento sanitário para áreas urbanas, com R$ 70 milhões, e instalação de painéis fotovoltaicos para instalações desses serviços de saneamento (mais R$ 20 milhões).
O sistema de captação em Pirapora (MG), por exemplo, hoje beneficia 35 mil pessoas da parte norte da cidade e, como benefícios indiretos, aumento da vida útil do sistema e melhoria na resiliência em relação às variações do rio.
No povoado de Nazário, em Penedo (AL), a implantação de fossas ecológicas beneficiou 35 famílias, eliminado o esgoto a céu aberto. Ação que garantiu o que prega outra razão de ser do CBHSF e da Agência Peixe Vivo: universalizar o tratamento e a destinação correta do esgoto doméstico e ainda incrementar a renda de agricultores familiares.
Em Bom Jesus da Lapa (BA), foram investidos R$ 1,3 milhão na Comunidade Fortaleza, beneficiando 44 famílias, apenas adequando-se uma estrada vicinal. Com isso, eliminou-se os atoleiros, reduziu-se o assoreamento dos riachos e, obviamente, melhorou-se a qualidade de vida da população local.
Na bacia do córrego Confusão, em São Gotardo (MG) a relação custo-benefício foi ainda maior: R$ 720 mil reduziram o aporte de sedimentos no principal manancial de abastecimento da cidade e protegeram o principal manancial de abastecimento da cidade.
O balanço prático, diante das comunidades, foi positivo. O formal e legal, perante aos órgãos de fiscalização, idem. O que falta, então? Maciel, na mensagem aos participantes, reforçou que, apesar de tudo, falta espalhar mais conhecimento. Ele argumentou, por exemplo, que o maior desafio dos gestores não é nem a execução do Plano de Recursos Hídricos. “É, infelizmente ainda, reduzir ou amenizar a falta de conhecimento da sociedade sobre o papel dos comitês de bacias”, ressaltou, fazendo referência às populações que moram nas beiras dos rios, aos prefeitos e aos produtores rurais.
Para tanto, como forma de mostrar mais as ações deste e de outros comitês semelhantes, o CBHSF estima investir R$ 23 milhões na comunicação, educação ambiental e mobilização social.
Maciel conta, por exemplo, como foi uma visita recente à região do Pajeú, um grande afluente do São Francisco no interior de Pernambuco. “O povo de lá não conhece o comitê. Como no Brasil inteiro, acham que a água é um bem privado: está na minha terra, é minha”, comentou.
E a degradação do rio imortalizado por Luiz Gonzaga e de suas margens, salientou ele, é muito grande. “Num encontro técnico percebi que é como se a população tivesse visto pela primeira vez o Estado presente. Que se assustava com o laboratório-móvel para análise da água, com a péssima qualidade do produto consumido por todos”.
Planos para o futuro
O CBHSF elaborou uma estratégia para orientar a aplicação dos recursos financeiros arrecadados com a cobrança pelo uso dos recursos hídricos em estudos, projetos e ações elencados no plano de recursos hídricos. Estão previstas, até 2025, 11 programas, com 36 ações, dentro do Plano Plurianual.
Pacto das Águas
Ele define uma base (comum, integrada e georreferenciada) de disponibilidade hídrica e demandas na bacia hidrográfica do rio São Francisco para uso para análise de outorgas. Ele pretende compatibilizar integralmente os sistemas (nacional com estaduais) de informações sobre recursos hídricos.
Paralelamente, estabelecer prazos para definição e adequação da bacia a um modelo de atendimento a situações de crise na bacia e definir metas estaduais para a realização e cumprimento de ações de revitalização da bacia do rio São Francisco. Célia Fróes, diretora-geral da Agência Peixe Vivo, avalia que o caminho é longo. “Mas que o plano 2021/2025 é um passo para já”.
Thiago Campos, gerente de Projetos do CBHSF, também reconheceu a importância do propósito. “Infelizmente há ainda muitas dificuldades na circulação de informações entre órgãos parceiros, sejam públicos ou privados”, diz ele. “Sem falar que é oneroso”.
O CBHSF também vai estabelecer outras metas até ousadas: como adequar a bacia a um modelo de atendimento a situações de crise na bacia ou estabelecer vazões de entrega dos principais afluentes para o rio São Francisco.
E por falar em prazos, vai-se pactuar demandas máximas alocadas por estado na bacia do rio São Francisco e estabelecer prazos para a implementação da cobrança pelo uso da água nas bacias estaduais.
Por fim, definir prazos para estudos e aprovação dos enquadramentos de corpos de água em classes em toda a bacia do rio São Francisco, principalmente envolvendo os corpos de água estaduais, e estabelecer padrões de qualidade de entrega dos principais afluentes para o rio São Francisco
A avaliação da implementação do PDRH-SF deve ser realizada por meio da apuração de indicadores de monitoramento estipulados (114 no total). Maciel, na apresentação, se mostrou positivo e esperançoso, mas compartilhou gargalos, como o fato de essa ação ser onerosa e a existência de metas atribuídas a atores externos e informações de complexa obtenção.
Já Humberto Cardoso Gonçalves, superintendente de apoio ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos da ANA, também abordou ter notado uma grande confluência de ideias e ações no trabalho de gestores e órgãos presentes ao evento. “Às vezes, o cidadão só nota a presença de vocês na hora da multa, da fiscalização. Porém, muita coisa tem mudado no entorno dessas bacias”, disse ele. Como exemplo, citou a Expedição Científica que é feita anualmente pelo São Francisco e a campanha Eu viro Carranca.
Reunião em Brasília (DF) contou com prestação de contas e exposição de ações realizadas, por parte da Diretoria do CBHSF
Planos, metas e ações
Até 2025, o CBHSF prevê uma série de investimentos. Serão R$ 278 milhões no total. Somente em saneamento básico, por exemplo, a estimativa é de aplicar R$ 101 milhões. Para recuperação e conservação ambiental, outros R$ 57 milhões.
Adoção de um instrumento de gestão
Entre outras ações, enquadrar corpos hídricos: em Minas Gerais, por exemplo, há metas para trechos em todo o estado, com investimentos de R$ 9,8 milhões. Na questão específica de outorga e cadastro, a meta é fazer levantamento aéreo de alvos entre Três Marias (MG) até Paulo Afonso (BA), com orçamento em R$ 6, 9 milhões.
Saneamento de áreas urbanas e rurais
Para esta última ação, a intenção é atender no mínimo 10 comunidades rurais, com soluções individuais para tratamento de esgoto sanitário, com recursos de R$ 8 milhões
Monitoramento e fiscalização dos recursos hídricos
Manter campanha de fiscalização preventiva integrada, com orçamento de R$ 15 milhões em cinco estados – e realizar duas novas no Alto e no Médio São Francisco, com custo de R$ 2 milhões. No Baixo SF, manter por pelo menos quatro anos o monitoramento da qualidade da água e vazão (R$ 2,4 milhões). E para incrementar a segurança hídrica, mais R$ 14 milhões
E mais
Vire Carranca
Nesta campanha, o CBHSF faz uma convocação para os brasileiros, e especialmente o nordestino, “vire Carranca” para defender o Velho Chico.
Resina resistente
O povoado de Resina, na Foz do São Francisco, sofre ameaças e invasões (turismo desorganizado, segmentos agropecuários irregulares etc) e, para sobreviver, seus integrantes assumiram e propagam o estilo de vida comunitário. Por isso, o lugar hoje não é só conhecido pela beleza natural, mas pela pesca e a agricultura familiar.
DeclaraÁgua
A ANA também mostrou um processo – já usado pelo Ibram – em que o usuário envia uma declaração, por meio do aplicativo DeclaraÁgua, sobre o consumo dele. O app pode também ser usado pelos órgãos fiscalizadores dos estados.
Capacitação profissional
A ANA fez um resumo de como a educação pode ser um diferencial nesse processo de ‘popularização’ da importância dos comitês das bacias hidrográficas brasileiras. Foram criados, nesse período de pandemia, dois mestrados profissionais. O apoio à pesquisa envolveu parcerias com 23 universidades, para cursos e trilhas de aprendizagem (presenciais ou a distância).
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Renato Ferraz
*Foto: Renato Ferraz