Depois de seis anos, sistema de abastecimento de água entregue pelo CBHSF segue fortalecendo e devolvendo vida ao povo Pankará

23/05/2025 - 16:30

“Eu não imaginava que fosse verdade que a gente tivesse que sair da nossa terra porque ela ia encher de água. Mas um dia a cachoeira, cujo som nos acompanhava constantemente, silenciou. Percebi que não havia jeito: tínhamos de partir. Fomos para um lugar onde nem água havia, mas foi ali que nosso Pajé orientou que ficássemos”. O relato emocionado é de Fernando Pankará, liderança indígena que recorda com detalhes como seu povo foi obrigado a abandonar um território fértil, repleto de água, onde cultivavam, pescavam e viviam em harmonia com suas tradições, para dar lugar à Usina Hidrelétrica de Itaparica.


Após a mudança forçada, mesmo a apenas 7 km do Rio São Francisco, o povo Pankará enfrentou mais de uma década sem acesso à água, já que o caminho até o rio passava por áreas privadas. O sofrimento só chegou ao fim em janeiro de 2019, quando o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) financiou e inaugurou um sistema de abastecimento de água que hoje beneficia mais de 200 famílias da comunidade Serrote dos Campos, em Itacuruba, Pernambuco.

Água como transformação

O sistema, composto por captação no lago de Itaparica, adutora, estação de tratamento, rede de distribuição e ramal para irrigação, trouxe mudanças profundas. Seis anos depois, a água revitalizou a comunidade: o povo retomou o cultivo e, neste ano, celebrou sua primeira grande colheita. A produção abastece a comunidade, a merenda escolar do município e o mercado local.

Mas os impactos vão ainda mais além da agricultura. A água restituiu a vida ao território Pankará. Se antes seus rituais e danças ecoavam a resistência de uma luta árdua, hoje os cantos da comunidade ressoam com força renovada. Até famílias que haviam deixado o território retornaram, atraídas pela possibilidade de reconectar-se às suas raízes.

Memórias de uma luta

A cacique Cícera Leal relembra a trajetória. “Decidimos retomar o território em 2005 porque não conseguíamos honrar nossos antepassados nem manter nossas tradições na cidade para a qual fomos expulsos após o alagamento de Itacuruba. Precisávamos voltar ao espaço sagrado, tanto para preservar nossa cultura quanto para garantir o sustento através da agricultura. Foi uma batalha de mais de dez anos. Vivíamos no limite, comprando água de caminhões-pipa, mesmo tão perto do rio”.

A virada começou em 2015, quando o CBHSF destinou recursos para dois projetos prioritários em comunidades indígenas durante uma plenária ordinária. “Na época, o vice-presidente Maciel Oliveira, atual presidente do Comitê, anunciou que sairiam dali duas iniciativas para nossos povos. Fomos uma das comunidades escolhidas”, explica Cícera, destacando a colaboração de múltiplos atores, como o então coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, Julianeli Lima, para tirar o projeto do papel.


Veja mais fotos do sistema, da celebração, da primeira grande colheita dos Pankará:


Parcerias e conquistas

Inaugurado em 2019, o sistema contou com apoio da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Ministério do Desenvolvimento Social, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e organizações como a Diaconia. Com água garantida, a comunidade construiu escolas próprias, oferecendo educação diferenciada que preserva tradições. “Nossas crianças crescem livres do preconceito que marcou gerações passadas. Antes, éramos chamados de ‘macumbeiros’ por honrar nossos encantados. Hoje, elas vivem sua identidade com orgulho”, enfatiza Cícera.

Além das 100 casas já erguidas, outras 100 serão construídas em 2025. A produção agrícola, inicialmente voltada à subsistência, expandiu-se graças ao PAA, gerando renda e envolvendo os jovens. “Começamos com o ‘sisteminha’ da EMBRAPA na escola e hoje comercializamos para o município e o mercado local. Isso tirou nossos jovens da ociosidade”, celebra.

Semeando o futuro

A comunidade já diversifica a produção com melão, melancia, macaxeira e feijão-verde, e o próximo passo é ainda mais importante: tornar-se produtora de água. A cacique Lucélia Leal detalha. “Assim como o rio nos deu vida, queremos retribuir. Estamos reflorestando quintais e áreas degradadas, plantando de forma sustentável para proteger o solo e garantir água para as futuras gerações”.

Cícera complementa: “No futuro, vejo toda a comunidade comercializando sua produção, reflorestando a terra e tendo seu território demarcado. O índio sem terra não é nada: precisamos dela para manter nossa cultura viva”.

Para o povo Pankará, a água não é apenas um recurso, é a semente de um renascimento.

Acompanhamento do CBHSF

O Coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, Cláudio Ademar reforça o compromisso do CBHSF com as comunidades tradicionais. “A gente percebe que uma área que estava totalmente degradada, volta a ter vida. A natureza se recuperou e as comunidades indígenas são prova viva de que onde existe o indígena, existe proteção ambiental. A comunidade não desperdiça nada, aproveitam cada gota de água e assim as famílias voltaram, porque hoje podem viver no seu próprio território”.


Assessoria de Comunicação do CBHSF: 
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Emerson Leite