Debate sobre os conflitos pelo uso da água mobiliza Comitês de Bacias no XXIV Encob

24/08/2022 - 13:25

Na última segunda-feira (22) os membros dos Comitês de Bacias participantes da 24ª edição do Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (Encob) se reuniram para discutir o tema “Gestão e mediação de conflitos”. A debatedora da oficina foi a Larissa Cayres, servidora da Secretaria do Meio Ambiente do Estado da Bahia e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que procurou compartilhar suas experiências nos conflitos pela água do rio São Francisco e incentivar a troca de conhecimento entre os comitês. O XXIV Encob acontece em Foz do Iguaçu, entre os dias 22 e 26 de agosto.


Entre sociedade civil, poder público e iniciativa privada, existe naturalmente um conflito de interesses no que diz respeito ao usufruto da água. Enquanto uns veem na água um meio de subsistência material e espiritual, outros a enxergam como insumo para a produção de bens e serviços, e outros, ainda, como um bem comum cujo uso deve ser tutelado e regulado. É importante notar que os três entes citados compõem os comitês de bacias hidrográficas e estão em constante diálogo – às vezes convergente, às vezes divergente – sobre a melhor gestão das águas do território brasileiro.

Dentro das Jornadas de Capacitação do Encob, o tema da gestão e mediação de conflitos recebeu atenção especial e contou com a colaboração de Larissa Cayres. Ela conta que a primeira vez que tomou conhecimento de um conflito foi no início da década de 1980, na bacia do rio Salitre, afluente do Velho Chico, que terminou em morte. De lá pra cá, passou por muitos outros, incluindo o processo da transposição do rio São Francisco, então já como membro do comitê. Para ela, os conflitos têm ficado cada vez mais complexos e frequentes. “A minha percepção é de que os conflitos têm sido mais complexos porque envolvem fatores que não estão relacionados direta ou exclusivamente ao uso da água, como, por exemplo, as disputas pelo acesso à terra. Isso exige, tanto dos comitês de bacias quanto dos órgãos gestores uma atuação muito mais precisa e atenciosa”, conta.

Durante as discussões dos comitês divididos em grupos na oficina da qual foi debatedora, Larissa constatou uma tendência comum de que haja um tratamento mais técnico e formal para os conflitos. “Deu pra perceber uma intenção de tratar os conflitos pelo uso da água cada vez mais formal, de acordo com preceitos pré-estabelecidos, contando com pessoas capacitadas para mediar conflitos… como uma espécie de ‘profissionalização’ da gestão de conflitos.”



Larissa compartilhou experiências em conflitos pela água, e ressaltou a crescente complexidade dos embates


Nos momentos finais da discussão, o indígena Júlio Guarani levantou a reflexão de que água é sinônimo de vida. “Eu não tenho estudo, mas sinto que eu também sou professor, porque eu tenho conhecimento de como cuidar e proteger as nascentes dos rios, as matas, os ventos, a chuva… na nossa cultura, não se pode tocar uma árvore nem desviar um curso d’água sem necessidade. Esse conhecimento precisa ser repassado às nossas crianças”, ressaltou Júlio.

Larissa também entende que a negligência da dimensão espiritual da relação entre ser humano e água pode influenciar na intensidade dos conflitos. “A gente percebe que muitos conflitos são gerados pela falta de uma relação mais profunda com a água. Alguns dos conflitos que presenciei giravam ao redor da falta de respeito de determinados tipos de usos que ignoravam as formas de vida que se relacionam com a água para muito além de seu uso como insumo produtivo, numa relação muito mais espiritual, religiosa, cultural. Numa relação mesmo de interdependência entre o ser humano e esse bem que é a água.”

Essa constatação leva à conclusão de que, embora muitos comitês tenham em seus territórios conflitos semelhantes, a mediação deve respeitar as singularidades de cada fenômeno que gera disputa. “Todos os conflitos devem ser tratados da mesma maneira? Essa foi uma das perguntas mais frequentes entre os grupos. Acredito que não. Assim como cada bacia possui suas características físicas e sociais particulares, cada conflito deve ser tratado de maneira a respeitar as especificidades de cada bacia e de cada comitê. Não há uma ‘receita de bolo’ que valha para todos os conflitos”, finalizou Larissa.

Sobre o Encob

O XXIV Encob tem como tema principal “Gestão da água: Responsabilidade de todos”. Entre 22 e 26 de agosto de 2022, os CBHs se encontram em Foz do Iguaçu (PR) para discutir os próximos passos dos comitês de bacias de todo o território nacional e compartilhar os sucessos e reveses na implantação de políticas públicas que dizem respeito à gestão das águas e do desenvolvimento sustentável.

O Encob reúne anualmente membros dos Comitês de Bacias Hidrográficas brasileiros com o objetivo de integrar os organismos e segmentos que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos de forma participativa e descentralizada, visando cenários presentes e futuros de otimização das ações de preservação da qualidade e quantidade de nossas águas.


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Leonardo Ramos