Coronavírus atinge índios de Pernambuco e representa ameaça aos povos tradicionais

23/04/2020 - 19:15

Não são apenas as populações dos centros urbanos que estão preocupadas com o coronavírus. No Brasil, assim como em todo o mundo, o COVID-19 afeta dramaticamente a vida das pessoas e tem causado preocupação especial aos povos tradicionais, como indígenas, quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, dentre outros, uma vez que eles sofrem os efeitos de uma história de mais de 500 anos de violências atrozes e de negação dos seus direitos fundamentais à terra e à diferença.

O coronavírus já chegou aos povos indígenas de Pernambuco. Os primeiros dois casos foram confirmados nesta terça-feira (21 de abril) em boletim da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Até então só havia um registro no Nordeste, no estado do Ceará. Os testes positivos são de dois homens, um da etnia Pankararu, da região do Submédio São Francisco, e outro da etnia Atikum, na Serra do Umã, no município de Carnaubeira da Penha, em Pernambuco.

De acordo com a nota da Apoinme, a confirmação da doença em um indígena Pankararu veio pela Secretaria da Saúde do Estado de Pernambuco. No caso do indígena Atikum, o resultado foi divulgado pela Secretaria de Saúde de Carnaubeira da Penha, município a 501 quilômetros da capital.

A situação dos cerca de 800 mil índios do país é alarmante, principalmente daqueles que vivem na região amazônica, onde o coronavírus tem avançado rapidamente, em contraposição à chegada de suprimentos de saúde, alimentação, higiene e infraestrutura médica.

Os caciques Wilton Tuxá, da aldeia de Rodelas (BA), e Lucélia Cabral,da aldeia Pankará, em Itacuruba (PE), dizem que apesar da gravidade do cenário, os índios de suas aldeais estão bem e em isolamento social. “Nossa aldeia está fechada para evitar a disseminação do novo coronavírus. A medida restringe a entrada de visitantes. Colocamos cartazes na entrada da aldeia comunicando sobre a proibição”, diz a cacique dos Pankará. Ambos são membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF).

“Estamos cumprindo o isolamento social e, graças a Deus, na região de Rodelas ainda não tivemos casos de coronavírus. Nossa aldeia tem 1.500 indígenas. Temos que nos proteger, pois caso contrário seria uma catástrofe. Agora contamos com a ajuda do Governo para o abastecimento da aldeia”, diz Wilton Tuxá, que também é coordenador da Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais (CTCT) do CBHSF.

Já a representante dos quilombolas no CBHSF, Sandra Maria da Silva Andrade, do Quilombo Carrapato da Tabatinga, localizado em Bom Despacho (MG), na região do Alto São Francisco, fala sobre a apreensão em relação ao coronavírus. “Nosso quilombo está fechado e estamos todos cumprindo o isolamento social, conforme determinou o governo. Estamos apreensivos com a situação, visto que já foi confirmada uma morte no município de Bom Despacho. Minha filha apresentou febre alta e dores no corpo por sete dias seguidos. Foi uma apreensão danada, mas fizemos o teste do coronavírus que deu negativo”.


Sandra Maria da Silva Andrade, do Quilombo Carrapato da Tabatinga, em Bom Despacho (MG)


Confira a tabela com o número de casos de coronavírus nos estados da bacia do Rio São Francisco do dia 22 de abril:


Governo destinará R$ 4,7 bi aos povos tradicionais no combate ao coronavírus

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse em coletiva de imprensa realizada no dia 13 de abril, que o governo vai destinar R$ 4,7 bilhões em diversas ações de proteção aos povos tradicionais.

Desses R$ 4,7 bilhões, R$ 3,2 bilhões estão relacionados à transferência de renda de R$ 600 para famílias de povos tradicionais que estão inscritas no programa Bolsa Família. Há previsão de R$ 1,5 bilhão em compras de cestas básicas, kits de higiene e reforço alimentar.

No entanto, não foi detalhado como os suprimentos de alimentação e higiene serão distribuídos aos estados, nem em qual prazo isso será executado.

O que são comunidades tradicionais?

São considerados povos tradicionais grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

Entre os povos e comunidades tradicionais da bacia do rio São Francisco estão os quilombolas, comunidades de fundo de pasto, pescadores artesanais, ribeirinhos, sertanejos, vazanteiros, caatingueiros, geraizeiros, entre outros.

Por seus processos históricos e condições específicas de pobreza e desigualdade, as comunidades tradicionais acabaram vivendo em isolamento geográfico e/ou cultural, tendo pouco acesso às políticas públicas de cunho universal, o que lhes colocou em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, além de serem alvos de discriminação racial, étnica e religiosa.

Doenças respiratórias já são a principal causa de morte entre as populações nativas brasileiras, o que torna a pandemia atual especialmente perigosa para esses grupos.


Veja fotos das comunidades tradicionais do Velho Chico: 


 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Azael Goes, Edson de Oliveira e Miguel Aun