Construção de nova PCH no Rio Grande causa preocupação em moradores e comunidades tradicionais

06/10/2021 - 14:24

O Rio Grande nasce na serra Geral de Goiás, no município de São Desidério (BA), percorrendo 580 km até sua foz no rio São Francisco, em Barra (BA). Sua área total é de cerca de 75 mil km², abrangendo 18 municípios. A ameaça de construção de mais uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) tem tirado o sono da população que vive no entorno.

A empresa ARA Empreendimento, responsável pela obra da PCH Santa Luzia, prevê a construção de um lago de 10 hectares, um barramento de seis metros de altura e um canal medindo 7km. Segundo a engenheira sanitarista e ambiental, técnica da Agência 10 envolvimento, Amanda Silva, a obra desviará cerca de 80% da água do rio, provocando a seca de um trecho de 8km. “Isso vai deixar a comunidade Beira Rio e parte da Manoel de Souza sem água (com apenas 3m³/s), praticamente só com as pedras. Para se ter uma ideia, o trecho seco do Rio Grande será sete vezes maior que o trecho seco pela PCH Sítio Grande (1km). Além de ameaçar o acesso das comunidades à água, a obra ameaça alterar o regime da água do rio Grande, provocando cheias e rebaixamentos inesperados, como acontece no rio das Fêmeas, prejudicando todas as comunidades ribeirinhas que estão a jusante da PCH”, afirmou Amanda. A PCH Sítio Grande, construída também na bacia do Grande, teve as obras concluídas em 2010.

Ainda de acordo com a técnica, os impactos são consideráveis também para a região até a calha do São Francisco. “O alto rio Grande é um dos principais contribuintes com a vazão de toda a bacia e o seu rebaixamento, que já está em curso, prejudica a perenidade do rio, afetando a pesca artesanal, não apenas na questão da reprodução dos peixes, mas na navegação para própria pesca e para o turismo regional”.


Assista ao vídeo do manifesto contra a construção da PCH:


O empreendimento tem Licença de Implantação emitida pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), através da Portaria 17.563,de 20 de dezembro/2018. Em dezembro de 2020, as comunidades acionaram a Procuradoria Regional Ambiental do Ministério Público Estadual (MPE) denunciando a empresa e o Inema. Segundo o documento, a comunidade apontou, segundo eles, uma série de irregularidades no processo de licenciamento e os impactos socioambientais que a PCH poderia provocar.

O promotor da Promotoria de Justiça Especializada em Meio Ambiente de Barreiras, Eduardo Bittencourt, afirmou que foi instaurado Inquérito Civil Público (ICP) para apurar eventuais danos ambientais provocados pela instalação da PCH Santa Luzia. “O empreendimento possui as licenças ambientais expedidas pelo INEMA (LP e LI) e autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), mas existe o questionamento da população sobre os impactos negativos gerados, principalmente sobre as comunidades tradicionais ribeirinhas e sobre a atividade de pesca no rio. Já requisitamos documentos ao órgão ambiental, ao empreendedor e realizamos audiência com os envolvidos, além de acionarmos formalmente o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande, diante de possível conflito pelo uso da água. No momento, o ICP aguarda a juntada de novos documentos, para possibilitar a exata compreensão dos impactos negativos a serem gerados, possíveis medidas para mitigá-los, além de outros encaminhamentos possíveis”.

Enquanto isso, a comunidade se mobiliza para que as ações da empresa não afetem a vida e sobrevivência dos ribeirinhos. Para a presidente da Associação dos Pescadores Artesanais da Bacia do Rio Grande (APARIOGRANDE), Fernanda Henn, que também é membro titular do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande (CBGH), a comunidade de São Desidério só tomou conhecimento das ações para a construção da barragem quando a empresa já estava buscando locais para alojar seus funcionários.

“A gente sabe que o impacto dessas pequenas centrais hidrelétricas atinge a bacia toda até chegar no São Francisco. Então a gente, que é do segmento da pesca artesanal, com certeza, seremos os primeiros impactados porque muitas lagoas, com essa vazão reduzida, vão secar rapidamente, o que pode causar alta mortandade dos peixes. Foi isso que aconteceu em 2010, quando começou a operar a PCH Sítio Grande. Sentimos como se os nossos direitos não fossem respeitados, como se a gente não tivesse nenhuma valia. A pesca artesanal é uma das profissões mais antigas de Barreiras (BA) e nosso temor é de que toda a bacia seja afetada”, lembra Fernanda, alegando ainda que muitas famílias precisaram mudar de profissão ou buscar outras atividades pela falta do pescado. “As pessoas precisaram buscar fazer ‘bico’ ou outro serviço, como ajudante de pedreiro, por exemplo. E não é uma profissão com a qual eles estão habituados, eles são pescadores”, concluiu.

Entramos em contato com a empresa responsável pela obra, mas até a conclusão desta reportagem, não obtivemos retorno.


Veja as fotos da região: 


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Kel Dourado