Comunidade no sertão baiano lidera recuperação de nascentes no Semiárido

15/07/2025 - 10:36

A comunidade de Brejo da Brásida, em Sento Sé (BA), está à frente da recuperação de nascentes no Semiárido brasileiro. Com o projeto “Recuperação das Nascentes de Brejo da Brásida”, liderado pela Associação de Moradores, pelo biólogo Erick Douglas Souza Almeida e pela ativista Mariluze Oliveira Amaral, a iniciativa visa revitalizar seis áreas e plantar 50 mil mudas nativas para restaurar nascentes que abastecem a bacia do Rio Vereda Jacaré afluente do Velho Chico. O rio Vereda Jacaré é um curso d’água intermitente localizado na região centro-norte da Bahia, que faz parte da bacia hidrográfica dos rios Verde e Jacaré. Ele se estende por cerca de 250 km, com nascentes entre os municípios de Barra do Mendes e Seabra, e deságua no Rio São Francisco.


A região sofre com a degradação ambiental, incluindo a Nascente Brejo da Brásida, afetada por intervenção humana em suas margens, mesmo sendo uma Área de Preservação Permanente (APP). O projeto envolve pessoas de todas as idades em educação ambiental e mutirões, aplicando a técnica de “quintais catingueiros (QUICAT)” para o plantio de mudas nativas e coleta de sementes.

A força da comunidade aliada à Ciência

O biólogo Erick Douglas destaca o papel protagonista da comunidade: “Eles já realizavam a limpeza dos brejos, essencial para evitar a estagnação da água e manter os canais fluindo. Essa iniciativa espontânea foi potencializada pela aplicação de conceitos de ecologia humana – que insere o ser humano no processo ecológico, reconhecendo sua capacidade tanto de destruir quanto de acelerar a recuperação ambiental. As intervenções da comunidade, ao melhorar o ambiente, resultaram no aumento da diversidade de peixes e outras espécies, beneficiando diretamente aqueles que dependem desses recursos”.

Douglas também aponta a inovação na identificação de espécies vegetais: “Em vez de pesquisas que levariam anos, a etnobotânica – o estudo da relação entre plantas e pessoas – tornou-se a chave para reconstruir essas áreas. Essa abordagem colaborativa transformou o projeto em um exemplo de recuperação de áreas degradadas, tendo a nascente como o principal foco de intervenção”.

Florestas: Uma Nova Abordagem

Erick Douglas destaca que métodos tradicionais que focam em “jardins” e prazos longos, não são eficientes. Ele enfatiza: “Jardins não recuperam nascentes; florestas sim. A distinção é crucial: florestas, por meio da dispersão de sementes e da interação entre espécies, criam um ambiente dinâmico e resiliente. O projeto incentiva o cultivo de plantas nativas da Caatinga em quintais produtivos, que servem como espaços de união entre o ambiente agrário e o urbano. Essas plantas ornamentais ou frutíferas nativas contribuem para a ‘chuva de sementes’, um processo fundamental para a restauração”.

O biólogo ressalta que o projeto vai além da recuperação ambiental, gerando oportunidades econômicas: “Alinhado aos princípios do Trabalho Estratégico de Sistemas Sustentáveis (TASS), ele gerou diversas oportunidades econômicas para a comunidade e a produção de sementes e mudas em seus próprios quintais não apenas abastece as ações de restauração, mas também cria um novo nicho produtivo”. Douglas cita a introdução de uma fábrica de rações e um local de processamento de alimentos, que contribuem para o desenvolvimento local e reduzem a pressão ambiental.

O sucesso do projeto, já premiado, resultou na aprovação de mais cinco iniciativas em outras nascentes da mesma microbacia, incluindo o monitoramento contínuo das áreas já recuperadas. “O objetivo é assegurar a manutenção dos resultados e disseminar as lições aprendidas para outras comunidades, utilizando uma linguagem acessível que permita a todos compreenderem a importância e o impacto do trabalho realizado”, afirma Douglas.



Desafios e Visão de Futuro

Mariluze Oliveira Amaral, representante da sociedade civil no Comitê de Bacia do Entorno do Lago de Sobradinho, destaca que a comunidade de Brejo da Brásida possui um projeto avançado de reconhecimento territorial, fundamentado na educação patrimonial e na participação social. A iniciativa já foi laureada com os prêmios Selo da Aliança das Águas do MDA e o Selo Sustentabilidade da SEMA/BA. “Recebemos conjuntamente a ENGIE que foi parceira, e os prêmios Selo da Aliança das Águas do MDA e o da Sustentabilidade da SEMA/BA”.

Apesar do reconhecimento, a comunidade enfrenta desafios financeiros. “A gente não pode parar com isso, embora não tenhamos nenhum apoio, nenhum recurso, porque as nascentes são como veias do nosso corpo e são interligadas. Se a gente cuida das nossas, mas não cuida das vizinhas, não vai dar em nada”, alerta Mariluze. A Associação de Moradores tem mantido o projeto com recursos próprios e apoios pontuais.

A preocupação central é a proteção da água, base da subsistência local. Além da recuperação de nascentes, o projeto visa proteger lagoas, berçários e a ictiofauna do bioma Caatinga, que está sendo destruído antes mesmo de ser conhecido.

Mariluze ressalta a importância histórica da região, conhecida como “brejo das minas d’água”, e alerta sobre ameaças de empreendimentos eólicos que consomem grandes volumes de água sem reposição ambiental adequada. “Água também é finita e de onde tira e nada bota, nada fica”, adverte, criticando a falta de transparência nos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) e Relatórios de Impacto Ambiental (RIMAs).

Atualmente, seis nascentes estão em processo de recuperação, com três já revitalizadas e outras em andamento. A associação busca apoio para continuar o mapeamento e a proteção.

Apesar das dificuldades, a comunidade de Brejo da Brásida segue firme em seu compromisso com a preservação da água, garantindo a subsistência local e contribuindo para o futuro do Rio São Francisco.


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Foto: Acervo do projeto