Como ficam deliberações da ANA depois da transferência para o Ministério do Meio Ambiente

08/03/2023 - 12:50

Gestão do saneamento, que passou a ser de vários órgãos, é alvo de reuniões entre Executivo Federal, técnicos do setor e representantes do mercado. Intenção é buscar ponto de consenso


Nos corredores da Agência Nacional de Águas (ANA) o clima tem sido de preocupação e prevenção. Isto porque várias dúvidas sobre o destino dos trabalhos do órgão começaram a surgir desde o início deste ano, quando o Governo Federal decretou a transferência da competência do órgão do Ministério da Integração Nacional para o de Meio Ambiente. A preocupação se dá, principalmente, em função de como ficará a gestão de algumas regras de regulamentação e disciplina para água e esgoto – tema que está sendo decidido por meio de reuniões entre representantes do Executivo Federal e o setor de Saneamento Básico, em busca de um consenso.

A intenção é que as alterações resultem num decreto, sem data para ser publicado, mas cujo teor ainda não foi acertado, que resolva este problema, com o tratamento de temas pelas secretarias destas pastas e a avaliação e decisão sobre pontos diversos por meio de grupos técnicos e portarias conjuntas. Mas há vários pontos de divergência entre estatais e operadores privados.

Na reformulação da administração federal, a ANA, que era então chamada de Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) foi transferida para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e deixou de ter saneamento no nome. Ao mesmo tempo, o papel de regulação foi atribuído para uma secretaria vinculada a um terceiro ministério: o de Cidades.

Não recomendável, mas não impossível

Alguns juristas acham que apesar da mudança do nome e do fato do tema vir a ser discutido entre vários órgãos poder levar a riscos à segurança jurídica do setor, a ANA, juridicamente, continua competente para instituir normas de referência para regulação dos serviços públicos de saneamento básico, conforme foi definido pela Lei Federal nº 14.026/20 – a do Novo Marco Legal do Saneamento Básico.

“A questão de superposição de competência, especialmente em relação a programas, ações, políticas setoriais, políticas de financiamentos, planejamento, regulação, normas de referência e controle, embora complexa, por gerar prováveis confusões e possíveis decisões divergentes entre órgãos, tem uma alternativa jurídica que não é incomum na Administração Pública”, afirmaram, em um dos artigos mais analíticos sobre o tema – publicado recentemente no Portal Migalhas –, o especialista em Gestão Pública Marcelo Lesniczki Campos, e o cientista político e pós graduado em Direito da Administração Pública Marcus Vinicius Pessanha.

De acordo com ambos, embora a centralização imposta nas Medidas Provisórias e Decretos Federais pelo Governo Federal, através da transferência das competências da ANA e da extinta Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) – órgãos da Administração Pública Indireta), para atribuição conjunta das Secretaria-Executiva e Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (que por sua vez são órgãos da Administração Pública Direta), não seja recomendável, isto não é impossível.

“Pode não ser a melhor técnica e escolha para realização das atividades de regulação, controle e fiscalização, mas isso não impede que, excepcionalmente, a regulação, normatização, controle e fiscalização sejam feitas de forma centralizada, utilizando-se do instituto da concentração administrativa, para atuação conjunta de órgãos da Administração Direta e Indireta”, destacaram os dois pesquisadores. Lesniczki Campos e Pessanha ainda destacaram que embora não se apresente como a técnica ideal, a medida também não consiste em ilegalidade.

Eles sugerem que, para evitar decisões divergentes “a fim de apaziguar os pontos mais conturbados, e para que não haja, ainda, a volatilidade das ações das empresas de saneamento no mercado”, seja criado um grupo de trabalho interministerial. O grupo, acrescentaram, poderia ter “articulação e interoperalidade entre os órgãos envolvidos, para que as decisões sejam convergentes e desaguar na edição de atos conjuntos, assim como ocorre em diversos casos em que são baixadas portarias ministeriais conjuntas”.

“O mais adequado e técnico, seria o retorno ao status quo ante, com os reparos eventuais cabíveis, mas caso isso aconteça, esta interoperalidade de competências seja feita com a composição de pessoal altamente técnico, visando a manutenção da busca pela eficiência regulatória, normativa, de controle e fiscalização”, destacaram.

Gestão das águas

Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), José Maciel Nunes de Oliveira, o retorno da ANA para o Ministério do Meio Ambiente foi uma medida importantíssima. De acordo com ele, “se em relação ao marco legal de saneamento houver necessidade de se discutir interministerialmente a questão, que isso seja feito ressalvando as atribuições de cada órgão e suas formas de entendimento, uma vez que a equipe da ANA é extremamente competente e estruturada”, afirmou.

Na opinião do membro da diretoria colegiada do CBHSF e representante dos comitês interestaduais das bacias hidrográficas no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Anivaldo Miranda, a política de gestão das águas jamais deveria ter saído do Ministério do Meio Ambiente, motivo pelo qual enalteceu a medida do atual governo. Mas, segundo ele, “talvez a ansiedade da nova administração no sentido de retomar com o curso natural das políticas públicas pode levar a decisões precipitadas”

“Esse caminho de uma comissão a ser formada por três ministérios gera muitas dúvidas. Ministério do Meio Ambiente, Ministério das Cidades e Ministério do Desenvolvimento Regional precisarão ter uma conceituação muito clara para atuar conjuntamente em relação ao tema”, frisou.


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Hylda Cavalcanti
*Foto: Leonardo Ramos