O presidente da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados, João Daniel (PT-SE), quer ouvir os integrantes dos comitês de bacias hidrográficas e órgãos gestores de recursos hídricos e trazer à tona mais detalhes e percepções sobre um projeto de lei bastante polêmico: o de nº 4.546/2021, que institui o que o governo federal chama de “novo Marco Hídrico”.
“Esse projeto, na verdade, destrói tudo que foi construído nos últimos anos e ainda institui um comércio de águas”, disse Maciel Oliveira, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (CBHSF), em visita nesta quarta-feira (4/5) ao parlamentar sergipano. “É o caos. Todo o direito que a sociedade (comunidades, empresas, municípios e estados) tinha para decidir sobre o uso da água é jogado lixo”, reforçou Oliveira.
O PL, segundo ele, abre tantas brechas que um empresário rural, por exemplo, pode pedir uma outorga (direito de uso) de 80m³ de águas de determinado rio para uso próprio e ‘revender’ como bem quiser o excedente.
O deputado João Daniel, que tem atuação em municípios sergipanos situados às margens do São Francisco ou seus afluentes, quer o tema em debate para evitar que a ‘orientação política’ do governo para o meio ambiente – “que tira a proteção das populações indígenas, posseiros e comunidades tradicionais” – não prevaleça nesta questão específica.
Esse marco hídrico proposto neste PL vai além da cessão onerosa que permite a ‘realocação negociada’ da água. Ele propõe também, por exemplo, que instituições privadas possam fiscalizar (por meio de concessão) o uso de recursos hídricos. E ainda quer que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos passe a aprovar os planos hídricos de bacias de rios de domínio da União.
Especializado em Gestão de Bacias Hidrográficas e Saneamento Básico e secretário do CBHSF, Almacks Luiz Silva, também reforçou o perigo que o PL representa para a sociedade. “O Ministério do Desenvolvimento Regional, de onde nasceu esse absurdo, sequer admite ouvir os cidadãos direta ou indiretamente envolvidos com as questões hídricas”, diz ele.
Os gestores do MDR alegam aos comitês que a iniciativa é ‘discricionária’ do Executivo. Quer dizer: a lei confere liberdade ao administrador para que ele aja segundo seus critérios de conveniência e oportunidade. Obviamente, o gestor não pode ignorar o interesse público.
“Mas esse PL é antidemocrático. Não passou por discussão nem nos comitês de bacias hidrográficas federais e nem nos estaduais”, diz Maciel Oliveira.
Os mais de 200 comitês que ajudam a proteger e gerir as bacias hidrográficas brasileiras defendem a manutenção da Lei 9.433/1997 – que estabeleceu uma política nacional para os recursos hídricos. É ela que regulamenta o uso da água e deixa bem claro: é um bem público.
E possivelmente será aberta outra janela para expor as contradições desse ‘marco hídrico’: João Daniel também tem um requerimento para uma audiência pública com o Consórcio Nordeste – fórum de nove governadores da região. E deve incluir na pauta a discussão deste tema específico.
Os integrantes da diretoria executiva do CBHSF também foram recebidos pelos deputados federais Josias Gomes (PT-BA), ex-secretário de estado e atual integrante da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, Paulo Fernando dos Santos (PT-AL), o Paulão, Daniel Gomes de Almeida (PCdoB-BA) e Rodrigo Agostinho (PSB – SP), membro da Frente Parlamentar Ambientalista.
Diretoria do CBHSF se reuniu com deputados federais, em Brasília
Foto 1: Deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP); Foto 2: Deputado Paulão (PT-AL)
Agrônomo de formação, o deputado Josias Gomes se mostrou indignado com o PL proposto pelo governo federal. “Ele tira direitos e inverte o processo de direito ao uso e gestão das bacias hidrográficas. Vai prejudicar principalmente o Nordeste, que tem no Rio São Francisco um dos grandes mananciais de desenvolvimento para a agricultura e a pecuária”, afirmou.
Deputado Josias Gomes (PT-BA) se posicionou de forma contrária ao PL
Foco no saneamento básico
Dos compromissos e objetivos da viagem de seus dirigentes a Brasília, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) marcou outras posições. Por exemplo: expôs à Agência Nacional de Águas (ANA), a parlamentares e outras autoridades seu plano de investimento na área de saneamento. Serão R$ 278 milhões no total, sendo R$ 101 milhões para este fim específico.
A Agência Nacional de Águas (ANA) mapeou 700 cidades brasileiras que jogam seus esgotos diretamente nos rios. No rio São Francisco, a instituição decidiu focar em seis municípios, dos 30 que, de uma forma ou de outra, o agridem – ou mesmo seus afluentes. “São aqueles que mais poluem trechos de rios já poluídos”, afirmou o superintendente de Fiscalização da ANA, Alan Vaz Lopes. Haverá ações em lugares como Santana do Ipanema e Penedo (AL), Sobradinho (BA), Petrolândia (PE) e Januária (MG).
Saneamento rural
A intenção do CBHSF é atender no mínimo 10 comunidades rurais, com soluções individuais para tratamento de esgoto sanitário, com recursos de R$ 8 milhões. Paralelamente, continuar investindo na recuperação e na conservação ambiental (R$ 57 milhões) e no acesso das populações ribeirinhas à água – como foi o recente dos indígenas da etnia Pankará, em Itacuruba (PE).
Eles viram chegar investimentos de R$ 3,8 milhões para implantar o sistema de abastecimento de água e, pela primeira vez, a cacique Lucélia Pankará e os 750 moradores do lugar a tiveram – e deram adeus aos carros-pipa sem tristeza. Isso melhorou tanto a vida deles que até ‘sobrou’ água para irrigar plantações de hortaliças e, claro, ajudar na conta da energia elétrica.
No final do ano passado, a ANA anunciou uma cooperação técnica com o BID, no valor US$ 600 mil, para elaborar normas de saneamento básico que ajudem na transformação sustentável do setor, impulsionando investimentos públicos e privados. O trabalho tem duração prevista de dois anos.
Marco legal/saneamento – Desde a aprovação da Lei nº 14.026/2020, que atualiza o marco legal do saneamento básico, a ANA passou a editar normas e definir regras gerais, como estabelecer padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico e regular tarifas.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Renato Ferraz
*Fotos: Renato Ferraz