Água sob risco: monitoramento de agrotóxicos é insuficiente em pelo menos 60 cidades da Bahia

08/07/2019 - 11:14

A água que o baiano usa é segura? Não. Pelo menos não é assim em todas as 417 cidades do estado. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) divulgou nesta quinta-feira (4) uma nota técnica, no Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FBCA), realizado no auditório do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), em que aponta que o monitoramento de defensivos agrícolas na água é insuficiente em pelo menos 60 cidades – ou seja, em 15% da Bahia.

Realizado a partir das ações do Programa de Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) de 2017 a 2019, coordenado pelo MP-BA em conjunto com órgãos federais e estaduais, além do Comitê de Bacia do São Francisco, o estudo analisou tecnicamente a contaminação da água potável por pesticidas em cidades abastecidas pelas bacias hidrográficas do São Francisco e do Rio Paraguaçu.

Os agrotóxicos utilizados nas duas bacias foram mapeados pelo MP-BA, através dos núcleos de Defesa da Bacia do São Francisco e da Bacia do Paraguaçu, e comparados com as substâncias que são analisadas obrigatoriamente pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), ligada ao governo do estado, e pelos Serviços Autônomos de Água e Esgoto, que seguem determinação do governo federal.


Promotora Luciana Khoury apresentou dados da nota técnica durante Fórum (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

De acordo com o estudo, somente 20% dos agrotóxicos usados na região estão sendo analisados pelos órgãos competentes. Os 80% restantes são pesticidas que não têm monitoramento obrigatório pela regra do Ministério da Saúde (MS). A pesquisa ainda identificou que dois princípios ativos cujo monitoramento obrigatório é pelo MS não são verificados pela Embasa: o Mancozebe e a Permetrina.

A Portaria de Consolidação nº 5/2017 do MS determina o monitoramento obrigatório de 27 princípios ativos de agrotóxicos para determinar se a água é segura para o consumo humano. Após a nota técnica, o MP-BA concluiu que as empresas deveriam incluir novos princípios ativos na lista de substâncias a serem analisadas. Só este ano, o Ministério da Agricultura autorizou o uso de 239 novos agrotóxicos para “aumentar a concorrência” do agronegócio.

Remoção pouco comum

O MP-BA ainda destacou que as técnicas necessárias para a efetiva remoção dos contaminantes na água são “pouco comuns” às estações de tratamento de água convencionais. O processo efetivo a ser realizado seria osmose reversa e nanofiltração.

Para fazer a pesquisa, foram solicitados da empresa prestadora de serviço de abastecimento de água de cada município os relatórios dos últimos três anos. Também foi pedida a tabulação de agrotóxicos usados nos municípios para a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).

“A gente coleta informações da região e vai verificar os agrotóxicos mais utilizados pela região e, com base nisso, vimos que a maioria dos agrotóxicos utilizados não é prevista na portaria (que obriga o monitoramento). Então, estão monitorando produtos que não são utilizados. Por isso que a gente entende que há uma falha no processo de monitoramento”, explicou a promotora de Meio Ambiente Luciana Khoury, que também é coordenadora do FBCA.

O CORREIO divulgou, em abril, que 271 cidades da Bahia têm água contaminada por agrotóxicos. Testes feitos pelas empresas de abastecimento de municípios brasileiros mostram que quatro cidades do estado consomem um perigoso coquetel com 27 agrotóxicos encontrados na água usada pela população.

Obtidos em uma investigação conjunta pela ONG Repórter Brasil, Agência Pública e a organização suíça Public Eye, os dados dizem respeito ao período entre 2014 e 2017.

A Embasa e outras estações de tratamento do país argumentam que os dados utilizados na pesquisa são inverdades porque houve um erro na análise dos dados. Foi a reportagem, porém, que motivou a nota técnica do MP-BA.

Ranking

Das seis regiões monitoradas, a pior foi a dos municípios de Botuporã, Paramirim, Rio de Contas, Tanque Novo, Caturama, Ibipitanga, Macaúbas e Rio do Pires. Nestas localidades, nenhum dos dez agrotóxicos mais consumidos é monitorado pela Embasa.

A segunda pior região foi a de Jacobina, Morro do Chapéu, Umburanas, Várzea Nova, Mirangaba, Ourolândia, Miguel Calmon, Jaguarari, Andorinha e Campo Formoso, em que apenas um dos dez agrotóxicos mais usados é monitorado pela Embasa.

Apenas duas substâncias são fiscalizadas em Itaberaba, Iaçu, Ipirá, Itatim, Castro Alves, Milagres, Rafael Jambeiro, Ruy Barbosa, Santa Teresinha, Tabocas do Brejo Velho, Canápolis, Santana, Serra Dourado e Brejolândia.

A situação menos grave é em Matina, Iuiú, Malhada e Palmas do Monte Alto, Macaúbas, Ibotirama, Ipupiara, Morpará e Muquém do São Francisco. Lá, são monitorados quatro dos dez agrotóxicos mais utilizados.

A promotora Luciana Khoury explicou que ainda não há um sistema vigente com o monitoramento dos agrotóxicos utilizados em todos as regiões da Bahia, mas a Adab implantará um em breve.

Embasa pede análise da concentração de agrotóxicos na água

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) irá solicitar que a Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa) e os Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAE) ampliem a lista dos agrotóxicos que são monitorados para incluir as substâncias identificadas na nota técnica lançada nesta quarta (4) no Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FBCA).

Além disso, a promotora de Meio Ambiente Luciana Khoury divulgou que irá se reunir com os promotores do consumidor das regiões para debater o assunto. Depois, o encontro será com a Embasa, para ver quais medidas podem ser tomadas.

Presente ao evento realizado nesta quarta pelo FBCA, o gerente de controle de água dos afluentes da Embasa, Fabrício Tourinho, afirmou que o MP deveria fazer um estudo com as amostras colhidas para verificar a quantidade de agrotóxico presente nessas regiões e se eles apresentam riscos à saúde.

“O simples fato de estar usando (o agrotóxico) não significa que há um risco para a população. O Ministério da Saúde fez um estudo com mais de 800 agrotóxicos e determinou que apenas 27 apresentavam algum tipo de risco se passassem de determinada concentração. Isso deve ser levado em consideração”, destacou.

Fabrício Tourinho reitorou que as milhares de amostras colhidas pela Embasa nos últimos anos atestam que não há a presença de agrotóxico na água.

A promotora Luciana Khoury acatou a sugestão e determinou a criação de um grupo para fazer a análise nas amostras coletadas para verificar a concentração dos agrotóxicos na água.


Para Embasa, uso de defensivos agrícolas não significa contaminação; orgão quer análise de concentração (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Em 14 cidades não há monitoramento

A nota técnica lançada pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) e divulgada no Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FBCA) nesta quarta (4) pontuou que das 60 cidades das bacias hidrográficas do Rio São Francisco e do Rio Paraguaçu analisadas, 23,4% (14) sequer faziam o monitoramento obrigatório de agrotóxicos na água.

As amostragens utilizadas foram coletadas entre 2017 e 2019 e todos os 14 municípios que estão irregulares com o monitoramento fazem o tratamento da água com Serviço Autônomo de Água e Esgoto.

São os municípios de Érico Cardoso, Boquira, Oliveira dos Brejinhos, Paratinga, Barra, Sítio do Mato, Jaborandi, Coribe, Cocos, Bom Jesus da Lapa, Carinhanha, Feira da Mata, Riacho de Santana e Igaporã.

“Nós estamos falando dos municípios que não monitoram adequadamente a água, mas existem aqueles que nem mesmo fazem o trabalho exigido pela lei, com as 27 substâncias. Isso é muito grave. Nós já trabalhamos neste ano com dois municípios que sequer tratam a água para a população. Nós sabemos que isso é um problema, mas também temos que ver a nossa realidade”, disse a promotora de Meio Ambiente Luciana Khoury.

“O que a gente conclui é que com o grande uso que a gente tem nas regiões da Bahia, nós temos necessariamente uma grande quantidade de agrotóxico dispersa na água, no solo, no ar, nos alimentos, na água, então é algo que só pode ser melhorado com a redução do uso do agrotóxico. E a população precisa saber que existe sim a presença de agrotóxicos na água, nos alimentos, que não temos monitoramento de agrotóxico nos alimentos devidamente”, acrescentou.

Confira a lista das 60 cidades analisadas pelo MP-BA (em negrito, as 14 onde não há monitoramento):

1. Bom Jesus da Lapa*
2. Serra do Ramalho
3. Riacho de Santana*
4. Matina
5. Carinhanha*
6. Malhada
7. Iuiú
8. Feira da Mata*
9. Igaporã*
10. Palmas de Monte Alto
11. Itaberaba
12. Iaçu
13. Ipirá
14. Itatim
15. Castro Alves
16. Milagres
17. Rafael Jambeiro
18. Ruy Barbosa
19. Santa Teresinha
20. Buritirama
21. Barra*
22. Brotas de Macaúbas
23. Ibotirama
24. Ipupiara
25. Morpará
26. Muquém de São Francisco
27. Oliveira dos Brejinhos*
28. Paratinga*
29. Sítio do Mato*
30. Boquira*
31. Botuporã
32. Paramirim
33. Rio de Contas
34. Tanque Novo
35. Caturama
36. Ibipitanga
37. Érico Cardoso*
38. Macaúbas
39. Rio do Pires
40. Santa Maria da Vitória
41. Brojolândia
42. Canápolis
43. Cocos*
44. Coribe*
45. Correntina
46. Jaborandi*
47. Santana
48. São Félix do Coriba
49. Serra Dourada
50. Tabocas do Brejo Velho
51. Jacobina
52. Morro do Chapéu
53. Umburanas
54. Várzea Nova
55. Mirangaba
56. Ourolândia
57. Miguel Calmon
58. Jaguarari
59. Andorinha
60. Campo Formoso

 

*Fonte: Correio 24h