Flexibilização das vazões: impactos são muitos e com danos incalculáveis. Entrevista com Emerson Soares

21/06/2021 - 18:51

Com a preocupação crescente em relação aos impactos provocados pelas flexibilizações nas vazões das hidrelétricas instaladas na bacia do São Francisco, o professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Emerson Soares, apontou os principais problemas que podem ser gerados em todas as regiões do Rio São Francisco. Com um extenso currículo acadêmico, Emerson atua hoje nas linhas de pesquisa de qualidade de água, piscicultura marinha e de água doce e impactos ambientais de projetos aquícolas. Também é coordenador da Expedição Científica no Baixo São Francisco. Confira a entrevista e ouça o podcast:

 

De 2010, quando a bacia do São Francisco iniciou um longo período de seca, para os dias atuais, novamente os reservatórios do país estão em uma situação preocupante em relação à geração de energia. Seria possível prever situações como a atual e buscar soluções que atendam não só à geração de energia, mas também aos múltiplos usos?

 Há condições de prever ou ter uma ideia do que pode ocorrer baseado nas modelagens matemáticas e climatológicas. Mas, por outro lado, existem variáveis, como a incidência de chuvas, além dos fenômenos el niño e la niña. Há também o desmatamento que influencia no ciclo da água para promover mais chuvas nas regiões Sul e Sudeste. A geração de energia através de hidrelétricas, embora seja considerada energia limpa, é altamente agressiva para o ecossistema e para os organismos, além do que é um modelo que vai se tornar insustentável ao longo do tempo.

Na região Nordeste, o São Francisco é a fonte mais importante para geração de alimentos, abastecimento humano, irrigação de culturas e turismo. É preciso priorizar a população que usa a água para matar a sede, matar a sede animal, para abastecer sua residência, plantar, além dos outros usos como a pesca, irrigação, lazer etc. O uso das águas não pode ser algo hegemônico do setor elétrico.

 

A ANA adotou medidas para minimizar os impactos da escassez hídrica com a Resolução 2.081. Essa resolução trouxe algum benefício?

Formaram-se grupos e fóruns de trabalho para avaliar a situação no São Francisco, entretanto, apesar de intensas discussões e alguns avanços sobre definição de vazão ecológica, debates sobre climatologia e gestão e usuários da água, não tivemos avanços significativos quanto à qualidade ambiental do São Francisco e a uma revitalização tão prometida quando da transposição de suas águas. A verdade é que estamos involuindo quanto aos cuidados ambientais, conservação e preservação do rio. Contudo, existe uma maior conscientização ambiental das comunidades e povos ribeirinhos e maior interesse da mídia e de algumas poucas instituições em promover um programa de revitalização que de fato seja realizado.

 

 

Os reservatórios com os menores níveis estão hoje concentrados nas regiões Sul e Sudeste. Quais os impactos disso e como se dá essa relação?

O sistema energético é todo interligado: o baixo São Francisco depende do que acontece a montante das hidrelétricas de Sobradinho e Xingó, portanto do regime de chuvas no Sudeste. Quando ocorre um déficit de chuvas, como agora nas regiões Sul e Sudeste, boa parte do que é gerado no Submédio e Baixo São Francisco é direcionado ao abastecimento dessas regiões. O problema é que isso sacrifica cada vez mais os ecossistemas da região do Baixo São Francisco, que já se encontram na UTI.

Adicionalmente, temos um fator complicador que é a transposição, que retira mais água do sistema. Portanto, a adoção de sistemas inteligentes e econômicos de irrigação e abastecimento de água com reuso e tratamento, uma gestão mais participativa dos usuários da água nos fóruns de discussão, melhorar a fiscalização quanto à captação e ao tratamento da água, bem como cumprir o que recomendam as legislações, investimento em pesquisas, diminuição do desmatamento da vegetação ciliar, apostar na energia solar e eólica, melhorar o acesso da população às políticas públicas que priorizem energias mais sustentáveis com barateamento dos custos, são ações que irão mitigar os problemas pelos quais estamos passando.

 

Quais os principais impactos na redução das vazões para a bacia e para as populações que também fazem parte do seu ecossistema?

São muitos, com danos incalculáveis. Temos aumento de poluentes em todo o Baixo São Francisco, aumento da carga orgânica e metais pesados, aumento de contaminantes no pescado e de parasitoses nos ambientes ribeirinhos e para a população ribeirinha, problemas de saúde como hipertensão gerados nas comunidades pelo aumento de salinidade, alterações no ecossistema, principalmente na área de manguezal, e forte estresse para organismos aquáticos, diminuição dos nutrientes e a carga de sedimentos orgânicos que era depositada na foz do São Francisco e beneficiava a estação de camarão, um dos principais fatores para contribuição na redução da atividade pesqueira, além de mudança no sistema econômico quanto à questão de culturas que estão sendo abandonadas pelo aumento da salinidade. Também temos a mudança no sistema de reprodução das espécies de peixes e crustáceos que dependem do volume de água e maior carga de sedimentos; diminuição da água nas lagoas marginais, berçário de espécies de água doce; interferência no ciclo reprodutivo das espécies; aumento de contaminantes e macrófitas aquáticas, plantas que se aproveitam de nutrientes e de um sistema de água parada. O próprio volume de água maior é um defeso natural para as espécies e, com a sua diminuição, elas ficam mais vulneráveis aos apetrechos de pesca predação; diminuição de espécies nativas; interferência também no sistema de abastecimento das cidades com aumento de macrófitas; queima de bomba e piora na qualidade de água. São todas essas questões geradas e que sobrecarregam um sistema já com problemas.

 

Quais as projeções para os reservatórios da BSF neste final de ano e o que as populações podem esperar deste período em termos de segurança hídrica?

As projeções deste ano não são animadoras. Podemos ter uma pequena melhora no final do ano, em meados de novembro e dezembro, mas a projeção é que teremos meses difíceis quanto à questão do ciclo de chuvas e iremos passar uma fase difícil com um pouco de alívio em novembro, infelizmente.

 

Ouça a entrevista na íntegra:


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Juciana Cavalcante
Foto: Edson Oliveira