Durante encontro ocorrido na sexta-feira (8.3) na aldeia do povo indígena Tingui Botó, no município alagoano de Feira Grande, no Baixo São Francisco, lideranças indígenas e da Câmara Consultiva Regional – CCR formataram uma proposta diferenciada para o projeto de recuperação hidroambiental da bacia do rio Boacica, no trecho que atravessa a aldeia.
O projeto, que tem caráter permanente e de longo prazo, será apresentado ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, a fim de ser incorporado ao Plano de Aplicação Plurianual – PAP 2013-2015 do colegiado, que dispõe sobre a utilização dos recursos originários da cobrança pelo uso da água. Além dos 450 habitantes da aldeia, a iniciativa deverá beneficiar toda a população a jusante do lugar, até a foz do São Francisco.
Embora centrada na recuperação hidroambiental, a proposta atribui peso decisivo aos componentes educacional e participativo, de modo a envolver, além dos especialistas, os professores, crianças, jovens e mestres indígenas, atribuindo assim à comunidade o papel de protagonista das ações e aliando o conhecimento técnico ao saber tradicional para tornar perenes a visão, os conhecimentos, valores e posturas gerados e consolidados ao longo do processo.
Conduzido pelo coordenador da CCR do Baixo, Carlos Eduardo Ribeiro Junior, e pelo líder indígena Marcos Sabaru, o encontro concebeu o projeto como uma experiência efetiva de gestão participativa dos recursos hídricos da bacia do rio Boacica, que corre inteiramente em território alagoano: nasce no município de Girau do Ponciano, passa por Arapiraca e atravessa o território dos Tingui Botó, em Feira Grande, seguindo por São Sebastião, para desaguar no rio São Francisco, já no município de Igreja Nova.
A ideia é revegetar as margens do rio e dos nove pequenos riachos, mediante ações ambientalmente sustentáveis: a produção local de mudas de espécies nativas; a preparação de adubo a partir do lixo orgânico da comunidade; o plantio das mudas e a conservação das espécies. Em relação às nascentes, a proteção se dará por meio de cercamentos vivos, utilizando mudas de avelós, em consórcio com espécies nativas, como macambira e mandacaru. Também serão construídos ou ampliados reservatórios de água (barreiros), para fins de irrigação da produção agrícola.
As ações incluirão o uso de ferramentas de geoprocessamento, a identificação e o inventário da flora nativa, além do monitoramento permanente da qualidade ambiental e da água. Na aldeia será implantado um Ponto de Convivência com a Natureza, para abrigar o banco de sementes e as ações educativas e de capacitação.
O projeto prevê a oferta de uma série de pequenos cursos e capacitações durante dois anos, envolvendo técnicos e especialistas ligados a instituições de ensino e pesquisa de Alagoas, devido ao conhecimento que têm da realidade estadual, além dos professores indígenas da escola que funciona na aldeia dos Tingui Botó e também dos mestres indígenas que detêm o conhecimento ancestral sobre os seres vivos que habitam o Baixo São Francisco.
Ao longo do território dos Tingui Botó, o rio Boacica e os riachos afluentes encontram-se em razoável estado de conservação e preservação, uma vez que o acesso à área é controlado e as práticas locais não são predatórias. A recuperação de cobertura vegetal objetiva ampliar o tempo do fluxo anual dos riachos intermitentes. A comunidade já produz mudas de espécies nativas, que seria ampliada, e conta somente com um reservatório de água, para atividades agrícolas e consumo animal.
Ação ambiental e cultural
As crianças e os jovens serão os principais atores desse processo, como explica o coordenador da CCR do Baixo: “A idéia é que a garotada se envolva e perceba a importância de preservar as margens, para ter um rio mais limpo e um território mais saudável. É um projeto aparentemente pequeno, porém preocupado com a perenidade das ações e com o empoderamento da população local, que vai se envolver do início ao fim”.
O líder Marcos Sabaru também destaca as singularidades da proposta: “É uma coisa pequena, barata, a ser construída com poucos recursos, basicamente sementes e garrafas Pet, mas é um projeto para a comunidade, com a comunidade e que tem a cara da comunidade. Não está centrado numa pessoa só, então se alguém for embora daqui isso se sustenta. É algo que nasceu da nossa vontade e é para continuar acontecendo no nosso território daqui a 30, 40 anos ou mais. É um projeto para produzir água, oxigênio, mudas, mas principalmente o bom viver”.
Além da ação ambiental, Sabaru destaca a importância conferida à ação cultural: “Estaremos trabalhando também a cabeça das pessoas, para que os jovens envolvidos sejam os futuros multiplicadores do projeto, as futuras lideranças indígenas, as futuras lideranças do Comitê do São Francisco. E as oficinas envolverão também o lenhador, que nos passará o seu conhecimento sobre as árvores; o pescador, que nos falará sobre os peixes, ou o caçador, que contará sobre os bichos daqui. Eles vão ensinar e aprender, juntamente com os jovens. Será uma experiência para mexer com a cabeça das pessoas agora, e também para as futuras gerações. Esse é um projeto para o futuro”, concluiu.