Transpondo problemas

06/02/2020 - 8:59

Relatório do CBHSF aponta desperdícios e erros nas obras de transposição do Velho Chico. Após 12 anos e 12 milhões de reais, o faraônico projeto segue inacabado.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) elaborou um relatório detalhado sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF). Conforme o estudo aponta, há falhas evidentes nas obras de transposição do Velho Chico. O documento apresenta possíveis dificuldades na distribuição de água e erros na execução do projeto, que, mesmo após 12 anos de seu início, segue inconcluso. No Eixo Norte, por exemplo, na zona rural de Salgueiro, no sertão pernambucano, o canal não foi construído e a água ainda passa por uma caminho de terra. Ali por perto, aliás, na mesma Salgueiro, em 2018, rompeu o paredão do reservatório de Negreiros, em decorrência de um vazamento. Mais de 30 famílias tiveram que deixar suas casas.

Para realizar o relatório, o CBHSF contratou o engenheiro hídrico Pedro Antônio Molinas, que trabalhou com o acompanhamento de integrantes do Comitê analisando a evolução histórica e as operações propostas pela transposição da Bacia do Rio São Francisco. Segundo o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, ao contratar Molinas, a ideia é prover o próprio Comitê e todo o espectro de instituições no seu entorno de informações para que se possa enfrentar os desafios advindos da transposição. Afinal, já foram 12 bilhões em recursos públicos consumidos pela obra. “A partir do estudo do Dr. Pedro Molinas, poderemos contribuir para que finalmente os ambiciosos objetivos propostos possam ser atingidos”, comentou Anivaldo.

Pedro Molinas esclarece que, de forma sucinta, pode-se dizer que o relatório chega a três principais conclusões: “A primeira conclusão a que chegamos refere-se às dimensões do projeto. O PISF foi concebido para poder aduzir vazões muito superiores às que escoarão normalmente por seus canais. A segunda diz respeito à capacidade dos estados receptores de usufruírem do projeto, pois o PISF foi concebido para ser operado e gerido seguindo uma rígida lógica de Gestão dos Recursos Hídricos, onde a prática de tarifas pelo uso dos mesmos deve refletir os custos reais da disponibilidade hídrica”.

De acordo com o relatório, o projeto foi superdimensionado, feito para receber volumes de água muito superiores aos que devem escoar nos canais. O documento mostra que seria necessária a conjunção de uma cheia excepcional na bacia do São Francisco e de fortes estiagens nas bacias receptoras para que a estrutura fosse usada em sua totalidade.

E a terceira conclusão que o relatório aponta diz respeito ao relacionamento entre o poder público federal e os estados receptores. “O PISF é hoje uma obra inacabada tanto da perspectiva física como da perspectiva institucional. Infelizmente, o poder público age como se esta estivesse concluída, insistindo em implantar, ‘a toque de caixa’, o que denomina de ‘Operação Comercial’, condição que mal se sustenta para um único estado: Paraíba, que vem recebendo águas, ainda que com restrições, desde 2017, sendo atualmente inviável replicar essa situação nos outros estados receptores por diferentes razões”, afirmou Molinas.

Dos quatro estados que devem ser beneficiados pela transposição, apenas o Ceará estaria preparado para receber e gerenciar a distribuição de água. “No entanto, mesmo bem preparado para receber as águas do PISF, o Ceará amarga atrasos reiterados na conclusão do Eixo Norte que mal conseguiria abastecer o estado, ainda que isso ocorra com restrições”.

Por sua vez, Anivaldo Miranda esclarece que embora concordando, em princípio, com a necessidade de uso das águas franciscanas para atendimento ao abastecimento humano das populações do Semiárido, o Comitê foi um crítico da forma autoritária e nada cuidadosa ou participativa pela qual a transposição das águas do Rio São Francisco foi aprovada. “O processo atropelou o CBHSF bem como o ritual recomendável para o devido planejamento e a maturação técnica necessária para obras de tamanha escala e complexidade. Todavia, a partir do momento em que, a transposição começou a caminhar, o CBHSF, mesmo mantendo a coerência de suas convicções iniciais, decidiu não olhar pelo retrovisor da história. Ao ter sido incluído no Conselho Gestor do Projeto da transposição, o Comitê passou a contribuir propositivamente, ainda que de maneira totalmente transparente e crítica, com vistas ao melhor aproveitamento possível dos recursos que já foram e que precisarão ser investidos para que a transposição não se torne um ‘elefante branco’”.

Nesse sentido, o presidente do CBHS finalizou dizendo que “o histórico, os diagnósticos, as análises, as projeções, as alternativas para os desafios existentes e as recomendações apresentadas por Molinas ajudarão no debate e amadurecimento que o CBHSF precisa fazer sobre o seu papel, como gestor das águas do Velho Chico, na interação saudável com as populações das bacias receptoras dessas águas”.

“Aliás, disse Miranda, essa interação do CBHSF com os usuários dos canais do PISF (transposição) já começou há algum tempo, sobretudo quando integramos os Comitês das bacias receptoras da Paraíba, do Rio Grande do Norte e Ceará aos nossos encontros anuais com a comunidade dos Comitês de rios afluentes ao Rio São Francisco. Nesses encontros já adiantamos a ideia de que será preciso incluir de forma participativa os usuários das águas e populações adjacentes dos canais da transposição ao processo de gestão desses canais e governança de sua águas. Para tanto o CBHSF está disposto a apoiar fortemente essa ideia porque, isoladamente, o poder público dificilmente será capaz de mobilizar as forças e a enorme energia necessária para corrigir os gargalos do projeto e enfrentar seus desafios futuros.”

O que é o PISF?

O PISF é um empreendimento do governo federal, sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional (MI), que visa garantir a segurança hídrica e a promoção do desenvolvimento do agreste e do sertão dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A expectativa é levar água para mais de 12 milhões de pessoas.

 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Foto: Divulgação PAC