Enquanto o desmatamento vem caindo na Amazônia com a força tarefa montada desde o início do ano, no Cerrado os números aumentaram no acumulado de janeiro a abril de 2023, na comparação com o mesmo período do ano passado. As informações são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) com dados coletados a partir do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter).
Na Amazônia a área perdida foi de 1.132,45 km² este ano, o que corresponde a 41% a menos do que foi medido entre janeiro e abril de 2022 quando se registrou 1.967,69 km². Já no Cerrado, entre janeiro e abril de 2023, o desmatamento foi o maior dos últimos cinco anos, alcançando 2.133 km², segundo o Deter. O valor é 14,5% maior do que o registrado no mesmo período de 2022 (1.886 km²). Considerando apenas o mês de abril, os alertas de desmatamento são 31% maiores.
Diante dos elevados números, o avanço do desmatamento tem se consolidado há anos, é o que lembra a diretora-geral do Museu do Cerrado, Rosângela Corrêa. “Não é possível ver apenas o que aconteceu nos últimos meses. Veja bem, a agricultura ocupava 62 milhões de hectares em 2021, três vezes mais em comparação com os 19 milhões de hectares mapeados em 1985, um aumento de 226,3%; a silvicultura passou de 1,5 milhão de hectares para quase 9 milhões de hectares, aumento de 598%, durante o mesmo período. Entre 1996 e 2008, cerca de 5 milhões de hectares de pastagem foram convertidos para agricultura temporária (aquelas que têm um cultivo mais curto, cerca de um ano até um pouco mais de um ano, como é o caso da cana) no Cerrado. Estamos diante de um processo de desmatamento contínuo, com raízes estruturais e históricas em escolhas que foram feitas por empresas e governantes no passado e que inegavelmente aumentou significativamente durante o governo Jair Bolsonaro. Somente entre 2020 e 2021 houve incremento de 20% a mais de área desmatada, conforme dados do MapBiomas, especialmente na região conhecida como Matopiba. Infelizmente o Brasil tem uma política econômica fortemente dependente da produção de commodities, com o sacrifício da savana mais biodiversa do planeta”.
Sendo o bioma responsável pela segurança hídrica do país, por abrigar importantes bacias hidrográficas e os maiores reservatórios de abastecimento de água das grandes cidades, o Cerrado, que já perdeu mais de 50% de sua cobertura vegetal original, teve em torno de 80% dos alertas de desmatamento registrados nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, região do Matopiba, principal fronteira de expansão agrícola no Brasil.
Mesmo com uma importância evidente para a segurança hídrica do país, os números revelam a despreocupação com esse bioma. “O Cerrado passou a ser cobiçado para cultivos. Entre os anos de 1985 e 2020, a agricultura passou de 4 para 23 milhões de hectares, enquanto a pecuária foi de 38 para 47 milhões de hectares no mesmo período. Juntas, ocupam atualmente 44,2% do território e são responsáveis por 98,8% do desmatamento do bioma. O Cerrado é visto como um celeiro, que precisa produzir alimento para o Brasil e o mundo, mesmo que isso signifique sua destruição total. Como o meio ambiente é visto pelo agronegócio como empecilho para a economia do país, a morte do Cerrado pode acontecer em nome do ‘Des-envolvimento’. Além disso, o Cerrado tem sido negligenciado na legislação, uma vez que o código florestal brasileiro não contribuiu para minimizar os impactos nocivos do desmatamento na região pois autoriza até 80% de desmatamento no Cerrado e 65% no cerrado amazônico, consequentemente, o bioma está sendo destruído com a autorização pública e legal dos estados, o que é absolutamente impossível salvá-lo com uma legislação permissiva”, completou a diretora-geral do Museu do Cerrado.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) informou que determinou rigorosa apuração dos alertas identificados pelo Deter, a fim de verificar se foram desmatamentos autorizados pelos Estados, visto que compete a eles emitir autorizações de supressão de vegetação nativa. O MMA determinou, ainda, a verificação das bases legais das autorizações emitidas e a ação imediata do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no sentido de autuar e embargar as áreas desmatadas sem autorização.
Ainda segundo o governo federal, no próximo mês de julho, o MMA deve iniciar a atualização do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), que permitirá a ampliação e intensificação dos esforços do governo, em parceria com os governos estaduais e a sociedade, para combater o desmatamento no bioma.
Importância para a segurança hídrica
Presente em 14 estados e no Distrito Federal, o Cerrado tem quase 132 mil nascentes, segundo dados do Museu do Cerrado, o que o torna uma das mais importantes fontes de água do país. Das 12 bacias hidrográficas do Brasil, oito nascem na região do Cerrado.
O desmatamento registrado ao longo dos anos e o mais recente aumento nesse índice já acarreta em questões climáticas que podem piorar e muito a qualidade de vida da população, a exemplo da última estiagem histórica em 2021 e 2022 que levou os reservatórios da região Sudeste ao colapso. “Como consequência de todo este desmatamento, já sentimos os efeitos das mudanças climáticas que provocam mais calor e seca causados pela perda de cobertura vegetal nativa, aumentando períodos de estiagem e de altas temperaturas, gerando um impacto muito direto sobre a provisão dos recursos hídricos no Brasil. Além disso, temos a emissão de gases de efeito estufa, porque há muito mais carbono nessa região do que se percebe, tendo em vista que a maior parte é biomassa subterrânea, em torno de 70%, concentrada dentro da terra. Além de gás carbônico, também há grandes emissões de metano do gado e óxido nitroso a partir dos fertilizantes utilizados. Portanto, sem o Cerrado, o agronegócio terá um prejuízo inegável, mas também para toda a população que poderá ficar sem água”, destacou Corrêa.
Abastecendo cerca de 40% da população brasileira e parte da população da Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, o Cerrado é também o território onde vivem e dependem diretamente dele, comunidades tradicionais que se responsabilizam pela sua preservação. “Historicamente vivem no Cerrado, dependem dele e lutam para salvaguardá-lo os povos indígenas e as comunidades tradicionais como quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, vazanteiros, geraizeiros, e muitos outros – que possuem modos de vida de preservação e conservação. Garantir o Cerrado em pé é a garantia de vida desses guardiões e guardiãs que devem ter o seu direito ao acesso à terra e água efetivados. Esses povos, que são diariamente expulsos pelos grandes projetos do agronegócio, são os verdadeiros guardiões do Cerrado”.
Nesse contexto catastrófico, o agronegócio é apontado como o setor mais prejudicial, levando ao desaparecimento do Cerrado. “Existem pesquisas robustas mostrando o impacto das mudanças climáticas no Cerrado para a agropecuária. É urgente que sejam tomadas medidas rápidas e decididas para reverter a tendência de desproteção ambiental e assegurar a conservação dos remanescentes do Cerrado, bem como garantir o desenvolvimento das atividades agropecuárias em bases sustentáveis de baixa emissão de carbono como linha mestra. Sem Cerrado, o Brasil vai morrer de sede! Muitos pensam que seria um preço justo trocar a preservação da Amazônia pelo desmatamento do Cerrado, mas sem ele, não há o armazenamento da água debaixo da terra. O agronegócio obtém bilhões de litros de água para suas plantações, justamento dos lençóis freáticos no subsolo para realizar a irrigação de suas lavouras por meio de pivôs centrais – a maior concentração de pivôs centrais do Brasil está no Cerrado com um total de 78% – o que afetará diretamente o abastecimento de água para os commodities brasileiros. Estamos diante do ecocídio do Cerrado e do genocídio de seus povos”, concluiu.
Caatinga
O MapBiomas Alerta divulgou no final de abril dados do desmatamento na Caatinga e mostrou que mais de 100 mil hectares foram desmatados em 2021 contra 68 mil hectares em 2020, um aumento de 70% em um ano. Desse total, 80,7% foram desmatados em quatro dos nove estados do bioma: Bahia (46.811 hectares), Ceará (20.584 hectares), Pernambuco (14.149 hectares) e Piauí (12.023 hectares). Os municípios que concentram as maiores áreas desmatadas são Jeremoabo (BA), com 3.708 hectares; Parnaguá (PI), com 3.147 hectares; Wanderley (BA), com 2.586 hectares; Santa Rita de Cássia (BA), com 2.394 hectares; e Santana (BA), com 2.068 hectares.
O levantamento foi feito a partir do Sistema de Alertas de Desmatamento – SAD Caatinga, parte integrante do MapBiomas Alerta.
“Além da concentração do desmatamento em quatro dos nove estados do bioma, é possível constatar que, em todos eles, a maior parte do desmatamento se dá em poucos municípios. No caso de Sergipe, Minas Gerais e Piauí, por exemplo, cinco municípios responderam por 65,7%, 43,3% e 37,1% da área desmatada nesses estados, respectivamente”, afirmou Washington Rocha, coordenador do mapeamento da Caatinga do MapBiomas.
Nos dois biomas a agricultura aparece como o principal vetor do desmatamento. Na Caatinga, especificamente, os dados apontam tanto na análise dos números de alertas (73%, ou 7.716 dos alertas identificados em 2021), quanto na área desmatada (74%, ou 85.762 hectares do total desmatado em 2021).
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Foto: Bianca Aun; Edson Oliveira