Iniciativa pioneira, a Sala de Crise do Rio São Francisco virou modelo para a gestão das águas no país
Corriam tempos difíceis para o Velho Chico, com uma seca brava que se arrastava desde 2012. Por diversas vezes, o reservatório de Sobradinho ameaçara descer ao volume morto. Somando-se os quatro reservatórios que alimentam usinas hidrelétricas na bacia do São Francisco, o sistema estava operando com cerca de 5% de seu volume útil. Foi nesse contexto que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), decidiu, em 2013, atendendo à demanda do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), criar uma Sala de Crise. A iniciativa, pioneira de um novo modelo de gestão de crises hídricas, deu tão certo que evoluiu para Sala de Acompanhamento – e a ideia se espalhou pelo país.
“Com o sucesso, outras Salas de Crise foram instaladas em bacias que atravessavam eventos de cheias e de secas. Atualmente, há seis Salas de Crise em funcionamento: Tocantins, Hidrovia Tietê-Paraná, Cheia do Madeira, Pantanal, Paranapanema e Região Sul”, comentou Joaquim Gondim, superintendente da ANA. “Há também outras quatro Salas de Acompanhamento: São Francisco, Grande, Paranaíba e Paraíba do Sul”, acrescentou.
A Sala de Crise do Velho Chico seguiu em reuniões periódicas até 2019, quando o sistema hídrico do São Francisco, enfim, se recuperou, e foi criada a Sala de Acompanhamento. Ao longo dos anos, muitas catástrofes foram evitadas. Para garantir a continuidade de abastecimento de água de Aracaju (SE), por exemplo, houve intensa articulação para conseguir importar de São Paulo um maquinário de captação flutuante que havia sido utilizado no colapso do sistema Cantareira. Um dos grandes feitos da Sala de Crise, no entanto, foi a criação do Dia do Rio, que suspendia por um dia na semana as captações de água no São Francisco, exceto para abastecimento humano e animal.
Vale destacar que a existência da Sala de Acompanhamento, teve, dentre tantos outros méritos, o de evitar uma enxurrada de ações judiciais que naturalmente surgiriam no contexto de conflitos esboçados pela crise hídrica principalmente entre os usuários que estavam à montante e à jusante dos reservatórios, na medida em que a construção dos consensos evitou o difícil cenário dos confrontos.
“Antecipar-se a eles mediante o diálogo e a construção de acordos baseados no princípio de que, nos contextos de crise, todos devem correr riscos iguais e fazer sacrifícios salvaguardando tão somente o uso das águas para abastecimento humano e dessedentação animal como prioridades absolutas.”
Anivaldo Miranda, coordenador do CCR Baixo, ressaltando que a maneira mais eficiente de se evitar a eclosão dos conflitos pelo direito de uso das águas é o diálogo.
Foi graças a esse aprendizado democrático e compartilhado que a Sala de Crise construiu os fundamentos da Resolução Ana n° 2.081, de 2017, que estabeleceu regras mais previsíveis para a operação dos reservatórios de água do Velho Chico e que o CBHSF considera como um dos passos mais concretos até agora dados para o início do Pacto das Águas proposto para consolidar para consolidar na bacia as bases de uma segurança hídrica e um desenvolvimento sustentável com caráter satisfatório e duradouro para todo o transcorrer do século 21.
Hoje, o objetivo da Sala de Acompanhamento, como o próprio nome indica, é acompanhar a resposta do sistema hídrico do São Francisco às condições de operação. Caso seja necessário, a instância atua para identificar, planejar e viabilizar medidas de adaptação e mitigação de eventuais impactos. Nos tempos difíceis da seca, as reuniões chegavam a ser semanais. Agora acontecem mensalmente, na primeira terça-feira de cada mês. Para Gondim, os encontros periódicos por videoconferência são inclusivos, pois permitem a participação de pessoas de diferentes regiões do país. “As reuniões estão disponíveis e são transmitidas pelo canal da ANA no YouTube”, contou.
As discussões das Salas de Crise são baseadas no compartilhamento da melhor informação disponível de dois aspectos centrais: condições climatológicas e hidrológicas observadas e previstas, além da operação dos reservatórios, observada e prevista em diferentes cenários de vazões defluentes (liberadas pelos reservatórios). A partir disso, os atores locais manifestam impactos verificados ou potenciais, assim como são avaliadas medidas adicionais necessárias e passos para sua implantação. Nessa discussão, os órgãos gestores dos estados, as autoridades locais e os Comitês de bacias têm papel fundamental.
De acordo com o Anivaldo Miranda a articulação permanente para discutir a questão hídrica de forma democrática e participativa, como manda a Lei n° 9.433, de 8 de janeiro de 1997, mais conhecida como Lei das Águas, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). “A ANA, tendo o mérito de acatar, na hora certa, essa demanda do Comitê, consolidou o funcionamento de um fórum de gerenciamento de crises que está até hoje integrando todos os principais atores que se envolvem com a questão hídrica, incluindo o poder público em seus três níveis, União, estados e municípios, bem como os segmentos dos usuários das águas, da sociedade civil e as universidades”, finalizou.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Deyse Nascimento
Ilustração: Andre Fidusi