O Rio São Francisco tem 2.830 quilômetros de comprimento e sua bacia compreende seis estados: Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Além de ser o maior rio que nasce e morre no território brasileiro, é o segundo maior do país, perdendo apenas para o Rio Amazonas. Ao longo desse extenso traçado, abriga usinas hidrelétricas, sistemas de irrigação vitais para o agronegócio brasileiro, canais de transposição para matar a sede do sertão, hidrovias importantes, além da agricultura familiar. Nunca se fez o cálculo. Certamente, porém, as águas do Velho Chico movem boa parte do PIB do Brasil. Não por acaso ganhou o título de rio da integração nacional, banhando 505 municípios. Foi descoberto pelos europeus, em 1501, em um 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, o santo que, no belo “Cântico das Criaturas”, louvou a natureza.
Luz para muitos
São cinco grandes hidrelétricas: Três Marias, Sobradinho, Apolônio Sales, Paulo Afonso, Luiz Gonzaga (antiga Itaparica) e Xingó. Somente o Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, conjunto formado pelas usinas Paulo Afonso I, II, III, IV e Apolônio Sales, produz 4.000 megawatts de energia, gerada a partir do desnível natural de 80 metros da cachoeira de Paulo Afonso. A Usina de Sobradinho, por sua vez, está localizada nos municípios de Sobradinho e Casa Nova, na Bahia. Tem uma potência instalada de 1.050.000 quilowatts (1.050 megawatts) e conta com seis máquinas geradoras de energia.

As comportas e turbinas da Usina Hidrelétrica de Três Marias transformam o movimento das águas em energia, essencial para o desenvolvimento de Minas Gerais e do Brasil
Oásis tropical
No Vale do São Francisco, entre Norte de Minas Gerais e o Oeste da Bahia, tudo o que se planta nasce. Ali, grandes projetos de irrigação transformaram a região em grande produtora de frutas tropicais, como uvas e mangas, e também de vinhos. Trata-se, por sinal, de um dos poucos lugares do mundo que produz duas safras anuais de uvas. Em 2024, movimentou R$ 8,15 bilhões, um aumento de 43% em relação a 2023. São mais de 125 mil hectares cultivados, com uma produção de 4,42 milhões de toneladas de itens agrícolas, especialmente frutas. A região responde por 90% do total de produção de manga e 98% do total de produção de uva que são exportadas pelo Brasil — e ostenta o título de “oásis no Nordeste”.
“A troca e o intercâmbio de informações é muito rica, faz com que a atividade agroindustrial seja dinâmica. Cerca de 40% do que é produzido vai para o mercado interno e 60% é destinado à exportação”, destacou a empresária Lara Secchi: “A fruticultura irrigada tem um papel social importantíssimo. Por se tratar de uma atividade manual, que precisa de mão de obra em todas as escalas, desde plantio e produção até o beneficiamento, passando pela comercialização, tem grande impacto na geração de emprego”.
Referência mundial em fruticultura irrigada, o Vale do São Francisco enfrenta hoje o desafio da reforma agrária, para que seja intensificada a agricultura familiar. Mesmo com desigualdades sociais e desafios estruturais, as famílias e organizações da sociedade civil procuram se estabelecer coletivamente em cooperativas e pleiteiam, junto às gestões municipais, estaduais e à União, mais inclusão em programas estruturantes. Como aconteceu, por exemplo, com os moradores do Assentamento Safra, em Pernambuco, que fundaram em 2015 uma cooperativa, legalizada no ano passado. O objetivo deles, a partir de agora, é reaproveitar parte da produção que é perdida com a instalação de uma agroindústria para o processamento de polpas e outros derivados.

As bananas de Verdelândia (MG) representam a fartura desse chão. Também em Verdelândia (MG), homem e frutos evidenciam a intrínseca relação entre esta terra e a produção sustentável de alimentos
Integrar é preciso
A transposição do Rio São Francisco, levando água de um estado a outro por meio de canais, era um sonho antigo. O imperador Dom Pedro II já pensava nisso. Agora, a gigantesca obra já foi praticamente concluída. No último agosto, deu-se início a uma das últimas etapas, interligando o Rio Grande do Norte e parte do estado da Paraíba. “O Rio Grande do Norte é uma das pontas desta engenharia. Estamos chegando lá com planejamento, responsabilidade e olhar social”, afirmou o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes.
Em setembro, durante evento da Associação Mundial para Infraestrutura de Transporte Aquaviário, realizado nos Estados Unidos, surgiu mais um plano para o Velho Chico: a reativação da hidrovia do São Francisco. O projeto, apresentado por Leandro Gaudenzi, diretor de gestão administrativa e financeira da Autoridade Portuária da Bahia (Codeba), prevê a integração logística da hidrovia com ferrovias e portos, com a expectativa de movimentar até R$ 5 milhões em cargas no primeiro ano de operação, com potencial de crescimento à medida que a integração ferroviária e portuária seja ampliada. O projeto é considerado estratégico para reduzir custos logísticos, aumentar a competitividade e favorecer o desenvolvimento regional no interior do Nordeste.
Trama d’água
De acordo com estudos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o São Francisco recebe água de 90 afluentes pela margem direita e 78 pela margem esquerda, em um total de 168 afluentes. Desse total, 99 deles são rios perenes. Nessa trama d’água, mais de 150 espécies nativas de peixes foram registradas na bacia e novas espécies são identificadas até hoje, além das que foram introduzidas ao longo dos anos. Porém, estudos científicos já constataram que, entre 1985 e 2020, o rio reduziu significativamente a quantidade de peixes do bioma. Com isso, pesquisadores da área estão focados em estudos que visam evitar que espécies invasoras modifiquem a fauna local.
O futuro nos pertence
Não se pode deixar para amanhã: a revitalização do Velho Chico urge. Um estudo do Laboratório Lápis (Análises e Processamento de Imagens), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), usando dados de 1991 a 2020, apontou uma redução da vazão do São Francisco em aproximadamente 60% nos últimos trinta anos. Outro estudo, este do MapBiomas, indicou que a bacia do São Francisco perdeu cerca de 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020. As causas desta tragédia silenciosa são muitas: secas-relâmpago, provocadas por ondas de calor, desmatamento, uso abusivo da irrigação e as mudanças climáticas em geral.

Os peixes do ‘Aquário do Rio São Francisco’ (esq.), no Zoológico de Belo Horizonte (MG), evidenciam toda a resiliência da fauna do Velho Chico. A trama das águas, na Ilha do Rodeadouro, em Juazeiro (BA) (dir.)
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Matéria originalmente publicada na 18ª edição da Revista CHICO
*Texto: Hylda Cavalcanti
*Fotos: Bianca Aun; Emerson Leite e Leo Boi