Após duas semanas de programação oficial, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) encerrou, na última sexta-feira (21), sua participação na 30ª Conferência do Clima (COP30), realizada em Belém (PA). Ao longo de 11 dias, conselheiros, técnicos, especialistas, ativistas, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e visitantes se reuniram para discutir os desafios e as perspectivas do recurso hídrico na bacia do Velho Chico.
A primeira semana foi marcada pelo encontro do presidente do CBHSF com a ministra Marina Silva, pela participação na Cúpula Global do Clima e por debates sobre monitoramento hídrico, além do lançamento da ação “Mutirão pelo São Francisco” e das discussões sobre financiamento climático. Já na segunda semana, ganharam destaque as agendas voltadas ao fortalecimento do saneamento básico e ao avanço da gestão integrada entre os comitês de bacia.
Avaliação da COP30
Para Cláudio Ademar, presidente do CBHSF, a COP30 representou um avanço significativo nas negociações sobre emergências climáticas, sobretudo pelo protagonismo da sociedade civil. Ele avalia o evento de forma “extremamente positiva”, destacando a ampla participação de grupos historicamente excluídos dos espaços de decisão. “Esta foi uma COP que não foi apenas de cúpula. Havia espaço para as comunidades, para os povos originários, para mulheres, negros, pesquisadores, movimentos e organizações. Todos puderam estar presentes e contribuir”, afirmou.
Cláudio reconhece que parte da sociedade ainda se frustra com a lentidão dos resultados, mas reforça que as conferências têm desempenhado um papel essencial na desaceleração do aquecimento global. “Se não fossem as COPs, a perspectiva de aumento de temperatura seria muito maior. Elas não pararam o aquecimento, mas reduziram sua velocidade e isso já é uma vitória dessas 30 edições”.
Ele também destaca a complexidade das negociações internacionais, marcadas por interesses distintos entre países engajados e outros mais resistentes. Ainda assim, considera que a COP30 gerou compromissos relevantes e abriu debates que seguirão em 2026. “A COP31 dará sequência ao que foi iniciado aqui. Temas como a exploração de petróleo continuarão na mesa, porque é inevitável que o mundo enfrente essas questões em busca de soluções”, concluiu.
O chamado Pacote Belém, composto por 29 decisões aprovadas por consenso entre 195 países, reforça os compromissos do Acordo de Paris, mesmo sem a aprovação integral da proposta brasileira “Mapas do Caminho”, que previa metas mais ambiciosas para zerar o desmatamento e reduzir a dependência global de combustíveis fósseis. Entre as medidas consolidadas, destacam-se a triplicação do financiamento internacional para apoiar populações mais vulneráveis à crise climática; o avanço na agenda da transição justa, que busca assegurar que a redução do uso de combustíveis fósseis não aprofunde desigualdades; e o Plano de Ação sobre Gênero e Clima, destinado a ampliar o protagonismo das mulheres nas políticas e iniciativas de enfrentamento às mudanças do clima.

Presidente do CBHSF avaliou participação do Comitê no evento
Participação do CBHSF na COP30
Ao avaliar a presença do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco na COP30, o presidente Cláudio Ademar destacou que a participação cumpriu plenamente o papel institucional da entidade. Segundo ele, o objetivo central foi apresentar o trabalho do CBHSF não apenas ao Brasil, mas a representantes de diversos países, ampliando o reconhecimento internacional sobre a gestão da bacia. “Se olharmos para as duas semanas de evento e para tudo que foi construído no estande do comitê, tivemos uma verdadeira virada de mesa. Conseguimos levar e apresentar nossas propostas, abrir diálogos e promover debates qualificados”, afirmou.
Cláudio ressaltou que o espaço mantido pelo Comitê na conferência se tornou um ponto de articulação estratégica, onde membros, sejam eles da sociedade civil, do poder público ou usuários da água, e parceiros puderam contribuir para a elaboração de políticas públicas. Entre os avanços, ele destaca a participação inédita do CBHSF na reunião de alto nível da COP30. “Pude acompanhar de perto o posicionamento de vários países. Não tive direito à fala, mas tive direito a ouvir, e essa leitura é fantástica”, relatou.
Para ele, a COP30 abriu novas frentes de diálogo e consolidou agendas que agora precisam ser transformadas em ações concretas. “Criamos canais importantes de comunicação com diferentes atores. A perspectiva é das melhores, e o desafio agora é transformar essa perspectiva em resultados”, concluiu.
Carta à COP31
A diretoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco deve aprovar, nas próximas semanas, o envio de um documento ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago. O texto reconhecerá a relevância da conferência realizada em Belém, mas também apresentará recomendações consideradas estratégicas pelo Comitê. Entre elas, a defesa de que a água seja colocada no centro das discussões climáticas das próximas edições do evento.
A proposta parte do entendimento de que não é possível debater o futuro do planeta e das próximas gerações sem tratar diretamente dos recursos hídricos, elemento intimamente ligado às mudanças climáticas e a todas as dimensões do meio ambiente. Para o CBHSF, a gestão da água precisa deixar de ocupar posições secundárias e assumir protagonismo nas negociações internacionais. O documento não terá caráter impositivo, mas será uma recomendação para que as próximas COPs não se afastem desse tema essencial.
Confira mais fotos de todos os dias de participação do CBHSF, na COP30:
Principais demandas da segunda semana
O estande do Comitê na Conferência do Clima tornou-se um espaço de escuta ativa, onde visitantes e participantes puderam apresentar demandas e relatos sobre a realidade da bacia do Rio São Francisco. Entre eles, os caciques Wedson Atikum, de Santíssima Trindade (PE); Jakson Atikum, de Nova Esperança (PE); Adriano Tuxá-Pajeú, de Itacuruba (PE); e Nonato Atikum, de Rodelas (BA), que estiveram no local e dialogaram com o vice-presidente do CBHSF, Altino Rodrigues.
Durante a conversa, Adriano Tuxá-Pajeú reforçou a urgência de atenção às comunidades indígenas que vivem às margens do Velho Chico. “Estamos aqui para reivindicar nossos direitos: ter uma água limpa e de qualidade para beber e para irrigar, para garantir o consumo humano. Estamos morrendo de sede, mesmo vivendo às margens do Rio São Francisco”, afirmou.

A demanda apresentada pelos caciques foi levada ao painel “Água, Saneamento e Saúde”, que reuniu Alexandre Motta, presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa); Maurício Scalon, coordenador do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas; Rafael Guimarães, representante do Comitê Ribeira de Iguapé (SP); Hélder Cortez, do Sistema Integrado de Saneamento Rural (SISAR/Cagece); e Jéssica Ayra, cientista socioambiental da Coordenação de Saúde Ambiental da Secretaria de Saúde Indígena (Cosa/Sesai/MS). Ao longo da discussão, a situação das comunidades indígenas da bacia foi abordada com destaque, e os participantes avançaram na construção de propostas que poderão, futuramente, ser desenvolvidas em parceria com instituições como a própria Funasa para enfrentar e corrigir essa realidade.
Alexandre Motta, presidente da Funasa, destacou a importância de sua participação no painel “Água, Saúde e Saneamento”. Para ele, o encontro representou uma oportunidade de fortalecer a conexão entre o saneamento e a gestão dos recursos hídricos. “Foi uma oportunidade de estreitar laços entre o saneamento e as bacias hidrográficas, que são organismos fundamentais para garantir uma gestão adequada da água e grandes defensores do saneamento, porque sabem perfeitamente o impacto disso na melhoria da qualidade do rio — e, portanto, das nossas vidas”, afirmou. “Para mim, foi um momento muito especial da COP, daqueles que lembram por que nosso trabalho vale a pena.”
FPI
Programa Fiscalização Preventiva e Integrada (FPI) esteve em destaque nos painéis promovidos pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e no espaço do Ministério Público Federal durante a COP30. Reconhecida nacionalmente, a FPI reúne instituições, Ministério Público, órgãos ambientais e representantes da sociedade civil em uma força-tarefa que combate práticas ilegais, fortalece comunidades tradicionais e protege os ecossistemas do Velho Chico. A iniciativa se consolidou como um modelo de atuação conjunta que integra fiscalização, educação ambiental e construção de políticas públicas.
Presente no evento, a promotora de Justiça e coordenadora-geral da FPI na Bahia, Luciana Khoury, apresentou resultados obtidos na bacia e reforçou a importância do diálogo contínuo entre os órgãos responsáveis pela gestão ambiental. Ela destacou a necessidade de aproximar ainda mais o Ministério Público, o Estado, o Comitê da Bacia e as equipes da FPI, criando espaços permanentes de troca para compartilhar avanços, desafios e aprendizados. Segundo Khoury, ampliar essa articulação é essencial para potencializar as ações já realizadas e planejar, de forma integrada, caminhos mais eficazes para a proteção das águas do São Francisco.

Luciana Khoury e Alysson Sá celebraram a parceria junto ao CBHSF
Alysson Sá, representante da Animallia Ambiental e integrante da equipe da FPI, destacou que o painel realizado durante a COP30 amplia o olhar sobre a bacia e sobre todas as populações que dela dependem, direta ou indiretamente. Segundo ele, apresentar o programa em um espaço internacional permite que outros territórios, estados e até nações conheçam a força dessa iniciativa, que reúne mais de 100 entidades governamentais e da sociedade civil. “O painel da FPI dentro da COP traz uma importante visão, ampliando o entendimento sobre a própria bacia e sobre aqueles que dependem dela. Isso permite que outros territórios e até outras nações enxerguem como um programa como esse pode, de fato, transformar o Rio São Francisco, o Brasil e todos os seus povos.” Alysson afirmou ainda que a FPI se consolida como um modelo replicável, capaz de inspirar ações preventivas, fiscalizações mais humanizadas e políticas de educação socioambiental. “É uma forma de levar um olhar mais humanitário, mais tranquilo e que fortaleça o sentimento de pertencimento, para que outras regiões também abracem suas bacias e biomas.”.
Encerramento
Foram duas semanas intensas de participação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) na COP30, com atuação constante na Green Zone — espaço de livre acesso ao público — e em diversos ambientes de diálogo. A presença dos conselheiros representou uma oportunidade única de levar a pauta das águas do Velho Chico ao centro das discussões globais, fortalecendo parcerias, compartilhando experiências e ampliando a visibilidade das ações que defendem o rio e seus povos.
Ao todo, foram 11 dias de programação com 13 painéis, incluindo o lançamento do livro Amazônia: diversidade, arte e cultura, pelo Instituto Arte Cultura Brasil. A Revista Chico, publicação oficial do Comitê, e o portfólio da Agência Peixe Vivo também foram distribuídos ao público. Além disso, por meio de um quebra-cabeça interativo, os visitantes puderam aprender mais sobre a história do São Francisco e conhecer a carranca, símbolo de resistência e proteção do Rio São Francisco.

Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: João Alves
*Fotos: João Alves e Juciana Cavalcante