Pandemia da Covid-19 piora perspectivas de acesso universal à água potável e saneamento básico

10/08/2020 - 22:56

Relatório Luz 2020 avalia a implementação da Agenda 2030 no Brasil e revela dados preocupantes

Universalização de água potável e esgotamento sanitário não são prioridades do Estado brasileiro. É o que revela a quarta edição do Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030, lançada em um momento extremamente desafiador na história recente global. Nacionalmente, às múltiplas crises – política, social, econômica e ambiental – já tratadas em edições anteriores do documento soma-se agora a pandemia da Covid-19, que expõe de forma cruel os desafios de um país marcado por imensas desigualdades.

O Relatório Luz 2020 foi elaborado por especialistas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o GT Agenda 2030, coletivo que reúne 51 organizações e redes da sociedade civil. A análise dos dados oficiais aponta que os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão ameaçados no Brasil e que, mesmo antes da Covid-19, o país já avançava para um colapso sem precedentes.

Essa é a quarta edição do Relatório Luz. A exemplo do que ocorreu em 2017, 2018 e 2019, a publicação analisa a implementação dos 17 ODS no Brasil a partir de dados oficiais. Neste assombroso ano de 2020, o estudo de caso é sobre o impacto do novo coronavírus no Brasil, em diálogo com cada um dos 17 ODS.

“O esforço colaborativo das organizações que participaram desta edição é um exemplo do compromisso da sociedade civil brasileira com a informação baseada em evidências e com a transparência, requisitos fundamentais para orientar as políticas públicas e alimentar a cultura democrática e de participação cidadã que tanto prezamos”, ressalta a apresentação do relatório.

ODS 6 – Água Potável e Saneamento

No caso do ODS 6 – Água Potável e Saneamento, a avaliação do histórico dos principais índices e medidas nas políticas públicas indica que a universalização do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário não é uma prioridade do Estado brasileiro, em seus diferentes níveis de governo, mesmo considerando uma análise histórica mais longa. Este é um problema estruturante no país, considerando que o ODS 6 trata de dois direitos humanos fundamentais, com correlações diretas com outros ODS, por exemplo, saúde, combate às desigualdades, erradicação da pobreza e promoção de cidades sustentáveis.

Apesar da lei nacional de diretrizes para o saneamento (Lei 11.445/2007), o país ainda não possui uma política e um sistema nacional de saneamento, a exemplo do que ocorre com Recursos Hídricos e Meio Ambiente. Nacionalmente, nota-se baixa integração entre os órgãos governamentais e as políticas setoriais (em especial recursos hídricos, saneamento básico e meio ambiente). E os municípios, titulares dos serviços de saneamento básico, no geral, ainda não assumiram seu necessário protagonismo dessa política pública.

Os próprios dados do governo federal mostram que a evolução histórica dos principais índices é insatisfatória, e indicam uma posição estagnada. Portanto, o retrato da realidade aponta uma falha do Estado brasileiro na garantia da melhoria progressiva do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário para toda a população brasileira, observando a condição desses serviços como direitos humanos fundamentais, conforme deliberado pela própria Assembleia Geral da ONU nos anos de 2010 e 2015.

Entre 2010 e 2018, o atendimento de água passou de 81,1% para 83,6%, um avanço muito aquém do necessário. Ao observar os índices de coleta e tratamento de esgoto nota-se igualmente que o avanço das condições, ao longo de oito anos, acontece em um ritmo muito lento frente à importância deste setor para a qualidade de vida da população. Em 2018, mais de 86 milhões de pessoas não tinham acesso adequado à água no Brasil. Para as populações rurais a situação piora: só 40,5% têm atendimento adequado a abastecimento de água; para 33,5% o atendimento é precário e 26% (5,6 milhões) não têm atendimento de água.

O atendimento precário inclui falta de canalização, água fora dos padrões de potabilidade ou em quantidade insuficiente para a proteção à saúde, gerando dependência de carro pipa, e sistema de esgoto rudimentar ou sem tratamento. A região Norte é a mais deficitária, onde apenas 57,05% da população tem água tratada, índice que chega a 74,21% no Nordeste, 88,98% no Centro-Oeste, 90,19% no Sul e 91,03% no Sudeste, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). Esse quadro regional indica ainda uma desigualdade estrutural que precisa ser endereçada pelas políticas públicas no Brasil.

Essa avaliação entre oferta e demanda, bem como eficiência e qualidade da água, observa o princípio basilar da Política Nacional de Recursos Hídricos, são os chamados usos múltiplos. Do ponto de vista da eficiência, o índice de perdas na distribuição traça um retrato crítico: somente em 2018, a cada 100 litros de água captada e tratada, mais de 38 litros são perdidos nos canos ao longo do processo de distribuição. Em termos de demanda e acesso, a Comissão Pastoral da Terra contabilizou 489 conflitos pela água no Brasil, envolvendo mais de 69 mil famílias, um aumento de 77% em comparação com o respectivo dado em 2018.

Nesse sentido, é urgente avançar na concepção de uma estratégia nacional de segurança hídrica com um olhar sistêmico para as águas do Brasil, o que implica em incorporar elementos como proteção de mananciais, estratégias de reuso da água, redução das perdas na distribuição, o impacto do uso de agrotóxicos e a gestão de risco de extinção e impactos de desastres ambientais ou contaminação pelos resíduos de produção.

Planos Municipais de Saneamento Básico no Velho Chico

O saneamento básico é assunto prioritário para o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), que destina recursos da cobrança pelo uso da água para elaborar Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) em municípios da bacia hidrográfica do Velho Chico. O Comitê já financiou a execução de 63 Planos de Saneamento Básico em municípios da Bacia, e outros 48 planos já foram licitados para atender as quatro regiões fisiográficas, além de quatro em andamento no Submédio São Francisco. Os PMSBs são financiados integralmente pelo CBHSF por meio dos recursos oriundos da cobrança pelo uso da água, reforçando o compromisso do Comitê em fortalecer as ações de preservação e manutenção dos afluentes inseridos na bacia, minimizando as cargas de poluição lançadas nos cursos d’água.

“O São Francisco é a única alternativa para o semiárido nordestino e é essencial que nós busquemos eliminar o lançamento de esgotos na calha principal e nos afluentes”, avalia Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF.

Agenda 2030

A Agenda 2030 é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade da qual o Brasil e outros 192 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU) são signatários. Essas nações se comprometeram a tomar medidas ousadas e transformadoras, urgentes e necessárias, para direcionar o mundo para um caminho sustentável e resiliente. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as 169 metas da Agenda 2030 buscam fortalecer a paz universal com mais liberdade e reconhecem que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Para concretizar os direitos humanos de todos e todas, a escala e a ambição desta nova agenda universal mostram que as metas são integradas e indivisíveis, e equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.

Confira aqui o Relatório Luz 2020 na íntegra. 

 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Iara Vidal
*Fotos: Bianca Aun e Ohana Padilha