O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) está sob nova direção. A história do novo presidente, Cláudio Ademar da Silva, confunde-se com a história do Velho Chico. Nascido em Paulo Afonso e criado na vizinha Glória, filho de um agricultor e uma professora, ele testemunhou, ainda na infância, a inundação das terras da família e a construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica. A partir desta experiência, construiu o forte compromisso pessoal com a defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos afetados.
Graduado em Direito, Cláudio Ademar já tem estrada dentro do CBHSF. Atuou na Câmara Técnica Institucional Legal como relator da comissão processante de mediação do conflito por recursos hídricos no Oeste da Bahia, e foi também coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, de 2021 a 2025. Atualmente, é coordenador da Câmara Temática de Bacias Hidrográficas do Fórum Nacional de Mudanças Climáticas.
Dentre as ideias de Cláudio Ademar para o São Francisco, está torná-lo um “sujeito de direito”. Embora não esteja previsto na legislação, conforme explicou o presidente do CBHSF, outros países da América Latina, como o Equador, já reconhecem rios como sujeito com personalidade jurídica e direitos constituídos. “Se a plenária do Comitê aprovar, buscaremos esse reconhecimento, garantindo ao São Francisco o direito de se defender na justiça”, apontou.
Como a luta da sua família o preparou para assumir um cargo de tamanha responsabilidade, a presidência do Comitê que rege o Velho Chico?
Minha preparação vem desta longa luta histórica pela garantia de direitos à terra. Nasci numa região propícia à energia hídrica, onde várias usinas foram construídas, como a de Itaparica, que atingiu as terras da minha família. Essa experiência me ensinou que não se consegue nada de braços cruzados. É preciso ir à mesa de negociação, discutir e lutar pelos próprios direitos. A caminhada histórica, que começou nas comunidades eclesiásticas de base, me levou à luta sindical e, depois, à luta territorial. Minha abordagem é inspirada no pensamento de Milton Santos, que defendia que as políticas públicas devem ser construídas da base para o gabinete – e não o contrário. Essa filosofia de pensar de baixo para cima foi fundamental para minha formação. Entrei no Comitê do Rio São Francisco por acaso, quando vi um anúncio do processo eleitoral. Eu me identifiquei imediatamente como um ribeirinho, um barranqueiro.
Qual a sua visão para a bacia do São Francisco nos próximos anos?
Minha candidatura foi motivada pela percepção de que o Comitê do Rio São Francisco tem um peso político que precisa ser utilizado. A visão principal é elevar o Comitê a um patamar com maior poder de negociação. Para isso, é crucial envolver os governos estaduais nas discussões do Comitê de bacia. Precisamos de uma política de revitalização efetiva e, para isso, é necessário dialogar com organismos internacionais e buscar novas fontes de financiamento. Já comecei a explorar essa possibilidade. Como presidente, pretendo transformar o São Francisco em uma ponte para captação de recursos internacionais. Outra prioridade é envolver a sociedade no debate, e pretendo desenvolver o plano de educação ambiental associado a uma estratégia de marketing para trazer a população e todos os usuários para essa discussão.
Quais, na sua opinião, são os maiores desafios e as maiores oportunidades que o Comitê e a bacia enfrentam?
O maior desafio é, sem dúvida, o envolvimento da sociedade. Precisamos que todos se unam para que possamos cobrar, com segurança, ações mais concretas do poder executivo na revitalização do rio. O Fundo da Eletrobras é um começo, mas ainda é insuficiente para as necessidades. Por isso, a diretoria colegiada e eu lutaremos para ter uma cadeira no Conselho de Administração do Fundo, por uma questão de justiça e legalidade. A maior oportunidade, e que considero o legado mais importante que posso deixar, é tornar o rio um sujeito de direito. Embora não previsto em nossa legislação, outros países da América Latina, como o Equador, já reconhecem rios dessa forma. Se a plenária do Comitê aprovar, buscaremos esse reconhecimento, garantindo ao São Francisco o direito de defesa.
O Comitê é formado por representantes de diversos setores. O senhor, quando assumiu a coordenação da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, há quatro anos, prometeu uma gestão participativa e democrática. Como planeja fortalecer a colaboração entre esses diferentes atores para garantir uma gestão participativa e eficaz?
Vamos acabar com o discurso de que um segmento é mais importante que o outro. Todos são cruciais para a Bacia do Rio São Francisco: quilombolas, pescadores, agricultores, indígenas, grandes centros urbanos, mineração, indústria. Todos precisam de água. O que precisamos é entender que somos um só corpo e só conseguiremos resultados de qualidade com a ação e força política de todos. Para isso, o caminho é fortalecer o diálogo. É fundamental recuperar as nascentes e as matas ciliares e estabelecer uma política clara para os afluentes, que são as veias do rio. Precisamos fortalecer a comunicação e fazer com que todos se vejam como aliados, não como opositores. Meu objetivo é que a sociedade civil, os usuários e os governos estaduais e federal trabalhem juntos. Não é um caminho fácil, mas temos que começar pelo diálogo. A longo prazo, nosso plano de educação ambiental será fundamental para essa transformação. Pretendo levar essa proposta aos estados, discutir com secretários de educação e governadores, e buscar a inclusão do tema no currículo escolar.
Quais serão as três principais prioridades de ação e o que a população e os usuários da bacia podem esperar de imediato?
Minha principal prioridade é promover uma visão de bacia integrada. O Alto, o Baixo, o Médio e o Submédio, e todos os usuários, devem defender o São Francisco, e não apenas seus segmentos. Sei que é um desafio para estes quatro anos, mas precisamos começar a plantar a semente para garantir água suficiente para todos. A segunda prioridade, como já mencionei, é tornar o rio um sujeito de direito. Isso daria ao rio direitos de defesa em nosso ordenamento jurídico. Pretendo criar, em diálogo com a OAB, uma Comissão Nacional de Defesa do São Francisco para estudar e viabilizar essa proposta. Em terceiro lugar, vamos recuperar o espaço político do Comitê. Sendo o maior Comitê federal de bacia do país, precisamos fortalecer nossa política de recursos hídricos em nível nacional. Queremos ter uma participação ativa no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e cumprir nosso papel de interlocutor entre toda a bacia e os demais órgãos. Além disso, focaremos em uma gestão mais ágil e eficiente, com processos mais rápidos para dar respostas imediatas à sociedade.
Qual a mensagem você gostaria de deixar para a população ribeirinha: agricultores, ambientalistas, usuários e todos que de alguma forma dependem do Rio São Francisco?
A minha mensagem é clara: a gestão será participativa e democrática. Todos serão prioritários, desde que estejam em defesa do Velho Chico. Precisamos acabar com a ideia de que um segmento é mais importante que outro. Meu olhar está focado na Política Nacional de Recursos Hídricos e estou pronto para ouvir e receber a todos. Vamos construir um Velho Chico forte, incluindo os 20 milhões de habitantes que vivem na bacia e nos municípios que recebem a transposição. A união resultará na recuperação e na defesa do nosso rio.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Por Juciana Cavalcanti
Foto: Fernando Piancastelli