Detectado pela primeira vez no Velho Chico em 2015, o mexilhão-dourado, um pequeno molusco de cerca de dois centímetros, vem se espalhando rapidamente e se tornando uma praga que impacta os ecossistemas nativos do Rio São Francisco.
O mexilhão-dourado, alcunha popular do Limnoperna fortunei, está invadindo o Velho Chico. Além de impactar os ecossistemas aquáticos nativos, a espécie afeta sistemas de captação de água, produção de energia e a pesca. Uma praga que, se não for combatida, ainda poderá trazer muitos problemas para a bacia do Rio São Francisco. “O mexilhão-dourado é um pequeno molusco de cerca de dois centímetros de comprimento. Esse invasor é responsável por significativos impactos ambientais, como a morte de peixes nativos e a alteração da cadeia alimentar e da qualidade da água”, esclareceu o professor Newton Pimentel de Ulhôa Barbosa, do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras da Universidade Federal de Minas Gerais (CBEIH/UFMG), que vem estudando os efeitos dessa invasão.
O molusco foi detectado no Velho Chico pela primeira vez em 2015, no reservatório de Sobradinho (PE). O avanço da ocupação do mexilhão-dourado desde seu primeiro registro tem sido extremamente rápido: em 2017 a cidade de Piaçabuçu teve problemas em seu sistema de abastecimento de água, da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), que foi suspenso pela obstrução generalizada deste pelos mexilhões dourados. De lá para cá, a espécie se espalhou pelo Baixo Rio São Francisco.
Os impactos ambientais e econômicos ocorrem principalmente devido às suas altas taxas de reprodução e competição por recursos. “Além disso, ele não encontra, em águas brasileiras, predadores, parasitas ou mesmo variações ambientais capazes de reduzir seu crescimento populacional”, afirmou o professor. Dessa forma, esse organismo se configura atualmente como uma das mais graves ameaças ao ecossistema aquático do Velho Chico.
As superpopulações de mexilhão-dourado (que podem chegar a 200 mil por metro quadrado), aliadas à grande capacidade desses organismos de aderir a superfícies rígidas de qualquer natureza, causam problemas de obstrução de tubulações e aumento da corrosão dos materiais. O entupimento de tubulações de equipamentos responsáveis pelo resfriamento de turbinas em uma usina hidrelétrica, por exemplo, implica até o desligamento temporário do sistema. Essas paralisações provocam enormes prejuízos econômicos, principalmente devido à perda de energia que a usina deixa de gerar e ao custo do trabalhador usado para retirar e descartar esses organismos.
Na bacia do Rio São Francisco existem cinco usinas hidrelétricas (UHEs): Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó. “Estudos mostram que o desligamento de uma única turbina de 40 MW para controle da bioincrustação pode custar US$ 6,2 milhões por ano na geração de energia perdida!”, acrescentou Newton Pimentel.
O mexilhão-dourado e a pesca
A presença do mexilhão-dourado é especialmente preocupante para o produtor de peixes em sistema de tanques-rede, em que espécies de interesse comercial são criadas confinadas dentro de estruturas de redes ou telas que permitem a troca de água com o ambiente. Os mexilhões-dourados conseguem aderir às redes e formar colônias nas telas, o que prejudica a oxigenação e a eliminação dos resíduos dos peixes e restos de ração. Em casos extremos, pode haver o afundamento dos tanques-rede, causado pelo peso das colônias.
A grande densidade populacional desses mexilhões também modifica rapidamente a presença e abundância de diversas espécies de organismos nativos. Com a menor disponibilidade de presas, alguns peixes se alimentam dos mexilhões, mas muitos deles são incapazes de digerir as conchas e morrem. Além disso, o mexilhão-dourado tem a taxa de filtração (que representa a demanda por alimento) mais alta. Considerando os contingentes populacionais, a invasão pelo mexilhão-dourado demanda um grande volume de plâncton para sua alimentação, o que impacta toda a cadeia alimentar, podendo reduzir significativamente populações de peixes e outros organismos do ecossistema que dependam majoritariamente dele como fonte de alimento.
O manejo preventivo e a educação ambiental são o caminho no combate ao mexilhão-dourado. “A crescente ameaça econômica causada por espécies como essa oferece um forte incentivo econômico para se investir em manejos preventivos, tais como biossegurança e a erradicação de resposta rápida. Outra questão é estar atento às questões da degradação da bacia do São Francisco e trabalhar a educação ambiental”, concluiu o professor da UFMG.
De carona nos navios
O mexilhão-dourado é um molusco bivalve (que tem concha com duas peças fechadas) de água doce. Originalmente, sua distribuição geográfica estava limitada ao Sudeste Asiático, principalmente ao Rio Yang Tsé, na China. Na década de 1960, foi encontrado pela primeira vez como espécie invasora em Hong Kong e, em 1991, foi achado na América do Sul.
Provavelmente, essa introdução se deu por meio da água armazenada no fundo dos navios para lhes conferir estabilidade (chamada água de lastro). Essa prática introduz espécies não nativas em todo o mundo, pois apenas um navio cargueiro é capaz de transportar milhões de litros de água, que cruzam estados, países e continentes. Essas águas podem conter organismos capazes de sobreviver a viagens de longa distância e duração, e, assim, acabam invadindo novos ambientes à medida que a água é liberada.
Pesquisadores acreditam que o processo de levar peixes de um rio para o outro – “peixamento” – contribuiu para deslocar o molusco para o São Francisco – as larvas, invisíveis a olho nu, podem estar na mesma água.
Webinário
Preocupado com a invasão do mexilhão-dourado, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) realizou um webinário sobre o tema. O objetivo foi mostrar o que é uma espécie invasora, as questões do mexilhão-dourado e como conviver com mais esse desafio na bacia. O webinário foi apresentado pelo professor Newton Ulhôa, da UFMG, e moderado pelo conselheiro do CBHSF, o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Carlos Garcia.
Assista ao Seminário:
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Luiza Baggio
Infografico: Clermont Cintra