O mundo será outro por Anivaldo de Miranda

24/04/2020 - 10:01

Quando a presente edição do “Travessia” alcançar a luz do dia, todos e todas estaremos empenhados na continuidade da dura batalha individual e coletiva para preservar as nossas e as vidas dos demais diante do contágio rápido e avassalador do Coronavírus 19.

Travar essa batalha seguindo à risca as recomendações da Organização Mundial da Saúde e das autoridades médicas e sanitárias é a primeira e mais efetiva das muitas medidas que teremos de incorporar ao nosso cotidiano daqui para diante.

Mas não serão apenas novos hábitos de higiene que iremos transformar em cultura e novos padrões de comportamento. Diferentemente de outros fenômenos e eventos globais e regionais que em tempos recentes já vinham chamando nossa atenção pelo seu grau de maior ou menor ameaça à saúde e bem-estar da humanidade – sem no entanto nos assustar e provocar grandes reflexões coletivas – a Pandemia do Coronavírus está remetendo essa questão dos perigos que rondam a humanidade para um outro patamar.

Esses perigos foram sendo caracterizados por cientistas, ambientalistas, técnicos, agentes governamentais e lideranças da mais diversa natureza, como expressões de uma crise ambiental planetária e cumulativa causada pela forma não sustentável através da qual os seres humanos estão produzindo e reproduzindo suas condições de existência em crescente colisão com os fundamentos da biosfera e do ecossistema terrestre.

As observações e advertências dos estudiosos relativas aos impactos destrutivos que a exploração predatória e abusiva dos recursos naturais vem causando, estão encontrando claramente materialidade factual no fenômeno do aquecimento global, no advento da nova era de extremos climáticos, na perigosa poluição dos mares, oceanos, rios e aquíferos, na decrescente qualidade do ar, na acelerada diminuição e degradação das terras férteis e, sobretudo, na alucinante perda da biodiversidade planetária, algo que seguramente deve estar, em última instância, na raiz dos desequilíbrios que estão colocando a humanidade cada vez mais em estreito contato com vírus e outros microrganismos capazes de comprometer de maneira impensada a integridade da sociedade atual.

Aliada à temática da crise ambiental planetária e da crítica ao modo crescentemente irracional através do qual estamos produzindo e consumindo, a chaga da desigualdade social crescente que condena bilhões de seres humanos a uma vida insalubre, sem saneamento básico e segurança alimentar, irá também expor as fragilidades da sociedade mundial frente a megadesafios como é o caso da presente Pandemia do Coronavírus. Algo que nos lembrará a todos os que estão no topo da pirâmide social que o planeta é um só e que precisamos corrigir essas assimetrias visto que, em última instância, quando se trata da biosfera estamos todos no mesmo barco e que, portanto, “pau que dá em Chico, dá em Francisco.”

Como a esperança se alimenta muito das situações dramáticas, talvez seja um consolo imaginar que, ao término desse puxão de orelha que a Natureza nos está dando, possamos entrar em um novo mundo onde as políticas de meio ambiente, bem estar social, gestão democrática e participativa, produção e consumo sustentáveis e desenvolvimento científico e tecnológico pacífico e inclusivo entrem finalmente em uma nova dimensão de absoluta prioridade. E isso para o nosso próprio bem se quisermos ter futuro enquanto espécie viva.

 

Anivaldo de Miranda Pinto
Presidente do CBHSF