A XLII Plenária Ordinária e XXVI Plenária Extraordinária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco reuniu membros do Comitê nesta quinta-feira (9), em Salvador, Bahia. Na programação, destaque para os informes sobre o Projeto de Lei do novo Marco Hídrico, que prevê, entre outros pontos, a retirada de poderes dos comitês de bacias; para a mesa-redonda sobre Política de Vazões – que promoveu um debate importante entre academia, comitê e representantes do setor elétrico – e a apresentação Percursos de luta no Alto São Francisco sobre a possível construção da Usina Hidrelétrica de Formoso, em Minas Gerais.
Passaram pelo evento nomes como o superintendente adjunto do IBAMA, Alberto Santana; a representante da Secretaria do Meio Ambiente do Estado da Bahia (SEMA-BA), Larissa Caires e a promotora de Justiça Luciana Khoury, que também é coordenadora do Núcleo de Defesa do Rio São Francisco do Ministério Público da Bahia.
Sobre a importância do evento, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, José Maciel Nunes de Oliveira, destacou a relevância dos temas debatidos para a gestão do Velho Chico. Ele também falou sobre a natureza diversa do comitê, que acaba por enriquecer os debates e contribuir para posicionamentos que reflitam essa pluralidade, sempre em prol da sustentabilidade da bacia e de seus povos.
PL sobre novo marco hídrico preocupa
O Projeto de Lei sobre o novo marco hídrico divulgado pelo Governo Federal foi pauta do encontro desta quinta-feira. O presidente do CBHSF externou sua preocupação, uma vez que esse PL pode trazer retrocessos ao prever, por exemplo, retirada de poderes de deliberação dos comitês de bacias. “Isso é um absurdo, pois quem mais conhece as bacias são seus representantes, os diferentes atores que estão nos comitês”, destacou.
Maciel disse ainda que alterações na Lei 9433, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, podem ser muito temerosas neste momento político e econômico do país.
Por fim, falou sobre a ideia de criar um Grupo de Trabalho para o maior entendimento sobre o PL, lamentando a falta de diálogo no processo. “Vamos ter que ir à Câmara dos Deputados, onde é difícil dialogar, debater e conseguirmos nos posicionar. Mas, vamos lá, reunir comitês federais e diversos entes. Precisamos nos unir para defender a bandeira dos recursos hídricos”, reiterou.
Maciel Oliveira manifestou sua preocupação a respeito do Projeto de Lei sobre o novo marco hídrico
A promotora Luciana Khoury concordou: “os níveis de participação não estão sendo respeitados. Não podemos, enquanto sociedade, autorizar e permitir esse retrocesso. O PL prevê prejuízos para a forma de participação, excluindo poderes dos comitês sem diálogo e escuta”, destaca.
Larissa Caires, da SEMA, também chamou atenção para um ponto bem sensível trazido pelo documento: a sessão onerosa do uso, que abre a possibilidade de um usuário comercializar o excedente de água para outros usuários da mesma bacia. Isso, como apontou, imprime um caráter essencialmente mercadológico à água.
“Esse projeto tem uma base muito mais de mercado. É uma proposta de retrocesso, que tira da água seu papel maior, de ser um bem, um recurso natural. Eles colocam em voga a água enquanto produto. A gente precisa se mobilizar, pelo menos adiar a discussão para que possamos contribuir”, frisou a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Yvonilde Medeiros.
Representante da sociedade civil, Cláudio Pereira, do Território Quilombola Lagoa das Piranhas, na Bahia, comentou que a sociedade de forma geral não sabe a proporção que uma decisão como essa pode ter, o que contribui para que o projeto avance de forma rápida. “Se passar, a água será vista somente como um instrumento comercial”, lamentou.
Política de Vazões e impactos na Bacia
Sobre esse contexto, o hidrólogo e consultor do CBHSF, Leonardo Mitre, destacou que as demandas outorgadas continuam crescendo, a despeito da crise hídrica, e que isso precisa ser avaliado. “Não adianta fazer chover mais, se estamos aumentando as demandas da bacia. Assim, não deixamos a crise ir embora”, disse.
Sobre 2021, foi enfático ao dizer que o ano hidrológico foi bem crítico. Para concluir, questionou: o que fazer para evitar novas crises? Como caminhos, apontou: incremento nas ofertas; otimização de demandas, incentivando o usuário a otimizar o uso da água; harmonização de ações de gestão; definição de ações de gestão em situação de crise, com um plano de contingência apontando o que fazer em momentos sensíveis; estabelecimento de vazões mínimas remanescentes e, por fim, ações de alocação e definição de entrega.
A professora Yvonilde Medeiros falou sobre as reduções de vazão, mencionando ainda a redução da qualidade da água. Ela citou, por exemplo, a relação entre as vazões defluentes da barragem Xingó e a salinidade na superfície e no fundo em Piaçabuçu. “Qualquer redução na quantidade da água tem efeito na qualidade. E a gente depende desse equilíbrio”, explicou.
Sobre a política de flexibilização da vazão, ela falou sobre a importância de se atentar para o fato de que a demanda está crescendo, mas a disponibilidade dos recursos está diminuindo. Essa realidade preocupa e, como lembra, gera dificuldade para atender aos múltiplos usos da água da bacia.
“Nós temos a responsabilidade em defender, em primeiro lugar, o ambiente no qual vivemos. Claro que os usos são importantes e essenciais, mas é preciso repensar esse modelo. Os interesses econômicos são muito fortes e nos leva a ser irracionais com relação à nossa própria existência”, ponderou.
Os limites ecossistêmicos precisam ser considerados: “é preciso discutir a vazão ambiental. Por que entre os usos múltiplos não está o meio ambiente?”. A pesquisadora ainda ressaltou que é necessário pensar sobre o desenvolvimento de outras matrizes energéticas e rever a flexibilização de vazão, que tantos danos têm trazido aos ecossistemas e à população.
Confira mais algumas fotos do primeiro dia da plenária:
Deliberações
Na relação de deliberações do dia, pautas como: doações de bens adquiridos com os recursos advindos da cobrança pelo uso de recursos hídricos da Bacia do Rio São Francisco – uma para a Serviço Social Autônomo SERVAS e outra para o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, ainda em 2021, em virtude da proximidade do processo eleitoral de 2022.
Outra deliberação foi a de encerramento do Procedimento de Conflito sobre o Uso dos Recursos Hídricos nº 03/2015, a respeito da intrusão salina no município de Piaçabuçu, em Alagoas. Essa realidade, inclusive, é conhecida por impactar fortemente a saúde e a qualidade de vida da população.
Por fim, a Agência Peixe Vivo colocou em votação a aprovação do calendário e do planejamento anual de atividades do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco para o ano de 2022.
Todas as deliberações acima foram aprovadas por votação.
Outras pautas
UHE Formoso – O debate sobre a possível construção da Usina Hidrelétrica de Formoso, em Minas Gerais, rendeu diversas manifestações. A explanação ficou por conta de representantes do Coletivo Velho Chico Vive, formado por ribeirinhos e artistas locais, contrários ao empreendimento.
Para além dos danos ambientais, a exemplo dos impactos no ecossistema da região, conhecida por ser um berçário de peixes, representantes do Coletivo chamaram a atenção para os efeitos na saúde física e mental da população.
Frente a esse contexto, o coordenador da CCR Alto São Francisco, Altino Rodrigues Neto, destacou a falta de transparência no processo da UHE e reforçou que matar 90 km de rio é um crime: “queremos trazer informações da melhor qualidade e buscar alternativas, qualificar o debate”, disse.
Também foi abordado no primeiro dia de plenária a importância do monitoramento da qualidade e da quantidade da água para a sustentabilidade do Velho Chico e para a saúde da população.
As expedições científicas do Rio São Francisco foram destacadas. Emerson Soares, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordenador geral da iniciativa, falou sobre as vivências e a importância do apoio do CBHSF nessa empreitada comprometida com a ciência, a educação ambiental e a produção e disseminação conhecimento.
A Plenária segue nesta sexta-feira (10).
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Andréia Vitório
*Fotos: Manuela Cavadas