“Não temos rios vivos e cheios em terras devastadas”

30/08/2024 - 14:15

Comitê do Rio São Francisco alerta para os impactos das queimadas


O país vive um momento alarmante. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até o fechamento desta matéria, somente neste ano, foram registrados mais de 115.944 focos de incêndio em todo o território brasileiro. O estado de Minas Gerais igualou o maior número de focos dos últimos cinco anos, são mais de 4.950 novos incêndios. Esse cenário crítico coloca a bacia do Rio São Francisco e seus principais afluentes em estado de alerta.

Controlado após dias de mobilização e atenção, o incêndio florestal que atingiu o Parque Nacional da Serra do Cipó, na bacia do Rio das Velhas (SF5), foi finalmente controlado e extinto. Contudo, em outras partes da própria bacia do Rio das Velhas, incêndios ainda continuam consumindo grandes áreas, como é o caso do Parque Estadual do Itacolomi, em Ouro Preto, área que está localizada próximo à nascente, e áreas verdes urbanas na região metropolitana de Belo Horizonte. Com 761 Km, o Rio das Velhas é o maior afluente em extensão da bacia do Rio São Francisco.

Marcus Polignano, presidente interino do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), expressa grande preocupação com os impactos ambientais das queimadas sobre os recursos hídricos. “Um campo devastado, uma terra arrasada diminui a possibilidade de armazenamento de água, o que significa que, quando houver o período de chuva, a possibilidade de recarga do subsolo diminui. Daí para frente, você terá um ciclo vicioso ruim.” Polignano destaca que as queimadas impactam significativamente a capacidade de armazenamento do solo e além de destruírem os biomas, o que intensifica a diminuição da possibilidade de termos rios volumosos. “Não temos rios vivos e cheios em terras devastadas. Isso é uma situação crítica”.

A recorrência de incêndios em áreas próximas a nascentes, veredas e margens de rios reduz a capacidade de infiltração da água no solo. Esse processo compromete o abastecimento do lençol freático e diminui a capacidade do solo de reter água, tornando-o menos eficiente na absorção de água e aumentando o risco de problemas hídricos no futuro.


Marcus Vinícius Polignano externou preocupação em relação às queimadas em todo o país


O presidente interino relembra que, para além dos fatores naturais e meteorológicos, o homem é o grande responsável por este cenário. “As queimadas têm um fator humano importante. Normalmente, a mão do homem é que inicia esse processo que, muitas das vezes, acaba saindo do controle”. Polignano entende que a implementação de políticas públicas robustas, incluindo campanhas educacionais e midiáticas para promover a conscientização sobre as queimadas, podem diminuir a incidência de tantos incêndios em áreas verdes.

Polignano reforça que o CBHSF realiza cobranças constantes para garantir a implementação efetiva das medidas necessárias durante este período crítico. “É crucial promover uma mudança de mentalidade em relação à preservação dos biomas e das áreas de recarga na bacia. Sem a proteção adequada desses ecossistemas vitais, o rio São Francisco se tornará progressivamente mais fraco e debilitado, o que trará consequências graves para as comunidades ribeirinhas ao longo de seu percurso”, afirmou o presidente.


Veja mais fotos dos incêndios na Serra do Cipó, em Minas Gerais:


Incêndios Florestais

A complexidade dos incêndios florestais vai além de fatores isolados como a chuva, a temperatura ou a umidade relativa do ar. Segundo o gerente de Prevenção e Combate a Incêndios do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Rodrigo Belo, a chuva é apenas um dos fatores a serem considerados em situação de seca. “Não é só o problema da chuva, não é só o problema da temperatura, não é só o problema da umidade relativa do ar, nem da vegetação e nem do relevo. Esses incêndios são influenciados por uma combinação de múltiplos fatores, o que torna seu combate extremamente desafiador. Embora existam protocolos e padrões estabelecidos, eles não se aplicam como uma receita de bolo”, explicou Belo.

A dificuldade é agravada pela dimensão das operações, já que muitas vezes, para alcançar um foco de incêndio, os brigadistas precisam caminhar horas ou utilizar helicópteros, tornando a tarefa de extinção ainda mais complexa e demorada. “O maior desafio na gestão de incêndios florestais é localizar exatamente os pontos críticos. Embora saibamos que algumas áreas são especialmente vulneráveis, é praticamente impossível monitorar toda a extensão de forma eficaz para impedir a entrada não autorizada de pessoas. Essa logística é um desafio”, afirmou o gerente de Prevenção e Combate a Incêndios do IEF.


Rodrigo Belo falou sobre a complexidade do combate à incêndios como os que estão sendo registrados no Brasil


De acordo com Rodrigo Belo, o rio São Francisco é um grande aliado no combate às queimadas em todo o estado, já que, por meio da bacia, as ações de combate são contempladas por recursos de compensação minerária que auxiliam e ajudam na contratação de brigadistas, e na aquisição de transporte e maquinários.

Desafios

O Doutor em Sustentabilidade e brigadista voluntário, Humberto Gomes Macedo, que está atuando no combate a incêndios na região metropolitana de Belo Horizonte, aponta os principais desafios para os brigadistas. “O nosso principal desafio é a falta de apoio aos brigadistas, tanto voluntários quanto contratados. Enfrentamos uma carência crítica de materiais, apoio financeiro e logístico, além de um reconhecimento inadequado e ausência de suporte legislativo”. Humberto destaca que a falta de atenção à legislação voltada para os brigadistas desincentiva a realização deste trabalho. “Seria benéfico se os brigadistas voluntários pudessem receber folgas remuneradas, semelhante ao tratamento dado aos mesários eleitorais, e ter acesso a benefícios previdenciários e seguros de saúde pelos dias de combate”. Além disso, a falta de veículos e infraestrutura adequada para as brigadas voluntárias agrava a situação, tornando o trabalho mais difícil e menos eficaz.


Humberto Macedo conhece bem a dinâmica das brigadas que atuam no combate à focos em Minas Gerais


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: João Alves
*Fotos: Bianca Aun; Boca dos Olhos; Fernando Piancastelli