A construção de uma nova hidrelétrica no rio São Francisco, 25 anos após a inauguração da UHE Xingó, última usina a entrar em operação no rio em 1994, ganhou força com a inclusão da UHE Formoso no Plano de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. O presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que enquadra a UHE Formoso no PPI, segundo publicação no Diário Oficial da União de 25 de maio de 2020. Apesar de o projeto estar tramitando desde 2016, o decreto pegou todos de surpresa, haja vista a falta de transparência em sua tramitação, o que causou uma grande inquietação entre os ribeirinhos e os municípios afetados.
O membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Renato Júnio Constâncio, que representa a Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig) no colegiado, esclarece que o projeto é do governo federal e que a Cemig não tem envolvimento. “Ficamos surpresos com a proposta da UHE Formoso, visto que é um projeto antigo e estava fora da pauta. No entanto, é possível observar que o projeto teve andamento e com o decreto do governo está avançando”.
Obras desta magnitude destoam da tendência mundial de buscar energias limpas, baratas e com baixo impacto ambiental, como por exemplo a energia eólica e a solar ou até mesmo a fotovoltaica, visto que a região do Norte de Minas tem alto potencial para tal e que investimentos em hidrelétricas são sempre muito altos e com impactos ambientais consideráveis.
Empreendimentos qualificados ao PPI são tratados como prioridade nacional, o que agiliza diversos processos e atos de órgãos públicos necessários para que eles avancem, segundo o governo. No caso da hidrelétrica de Formoso, a qualificação no programa federal foi aprovada “para fins de apoio ao licenciamento ambiental e de outras medidas necessárias à sua viabilização”, de acordo com o decreto.
A UHE Formoso terá investimento previsto de R$ 1,8 bilhão e 306 MW de potência instalada. O projeto de instalação da hidrelétrica está sendo desenvolvido pela Quebec Engenharia. A construção deve durar 36 meses após a autorização para início das obras. Entretanto, ainda é necessário obter a licença ambiental e definir o concessionário.
Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) iniciaram estudos que servirão de base para analisar os impactos da construção da UHE Formoso na bacia do São Francisco, visto que a região possui uma biota extremamente rica. Os impactos ambientais provocados pela construção de uma usina hidrelétrica são irreversíveis. Apesar das usinas utilizarem um recurso natural renovável e de custo zero que é a água, “não poluem” o ambiente, porém, a sua construção altera a paisagem,provoca grandes desmatamentos com prejuízos à fauna e à flora, inunda áreas verdes, além do que muitas famílias são deslocadas de suas residências para darem lugar à instalação dessa fonte de energia.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a Hidrelétrica Formoso “poderá contribuir com o atendimento à demanda de energia do país, de acordo com os critérios de expansão da oferta, continuidade do suprimento frente à entrada de fontes intermitentes de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN), reservação de água e regulação do Rio São Francisco”. O MME esclareceu também que o empreendimento está em fase de licenciamento, sob responsabilidade da Quebec Engenharia. Neste momento, a empresa aguarda a liberação do Ibama para emissão da Autorização para Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico (ABIO). A expectativa da Quebec Engenharia é de que o Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) seja entregue à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda em 2020.
“O licenciamento é a principal dificuldade do empreendimento visto que o processo ainda demanda a emissão da ABIO para início das campanhas de campo de meio biótico. Com isso, diversas outras demandas devem ser realizadas para apresentação do EIA [Estudo de Impacto Ambiental] e sequência do processo de licenciamento”, disse o gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia. Vieira disse que várias etapas do processo de engenharia já foram concluídas, incluindo a topografia, locação dos eixos e implantação de marcos, estando em andamento as etapas de medições de vazão e descargas sólidas.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD) informa que o licenciamento da UHE Formoso acontece por meio de um acordo de cooperação técnica entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a SEMAD e que o processo se dará de forma transparente, focado na preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável.
De acordo com a prefeitura de Pirapora, o município ainda não foi notificado sobre a possibilidade de instalação da UHE e o que se sabe até o momento está vinculado ao interesse do governo federal, publicado no decreto.
Já o prefeito de Buritizeiro, Jorge Humberto Rodrigues, diz que o empreendimento se trata de mais uma alternativa de energia renovável. “A instalação desta usina hidrelétrica planejada no Córrego do Formoso, em Buritizeiro, vinha sendo estudada e avaliada, com muitos avanços e recuos , há várias décadas. Além do custo energético reduzido, a futura barragem produzirá energia limpa, abrirá novos postos de trabalho, fontes de renda e tributos para o nosso município”, acrescentou.
Ambientalistas são contra a UHE Formoso
O anúncio de que o governo federal vai buscar empresas privadas interessadas em parceria para construir a UHE Formoso, no rio São Francisco, em Pirapora, fez ambientalistas questionarem a necessidade e a viabilidade do projeto e temerem o impacto do empreendimento na natureza.
“Acredito que a construção de qualquer barramento no São Francisco vai contra tudo o que estamos construindo. Finalizamos um estudo sobre o pacto das águas e esse empreendimento vai contra o que queremos para a bacia do São Francisco. O Comitê é a entidade que representa o Velho Chico e seguimos firmes, sem omissões e buscando os melhores embasamentos em nossas justificativas. Além disso, condenamos a falta de transparência e exigimos que todas as instâncias devem ser consultadas, principalmente o CBHSF, antes da implantação de um projeto dessa magnitude, pois devemos assegurar os usos múltiplos”, afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda.
Sabe-se que as hidroelétricas trazem vários prejuízos ambientais, não só pela inundação de áreas naturais e desvio de leitos de rios, como também pelo dióxido de carbono emitido pela decomposição da matéria orgânica que se forma nas áreas alagadas.
A voz do rio, cantora barranqueira de Pirapora, Priscilla Magela é contra a construção da UHE Formoso. “Questionamos a viabilidade e a necessidade desse projeto que trará morte ao Rio São Francisco e as suas comunidades. O Brasil tem potencial para produção de energia limpa como a eólica, e a solar, por exemplo”.
Priscilla Magela comenta que foi criada uma rede social contra a construção da hidrelétrica no Instagram, @velhochicovive. “O objetivo é divulgar a campanha contra a construção da hidrelétrica Formoso em Pirapora e ampliar o debate para a população. O que queremos é o Rio São Francisco vivo”.
O presidente do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH) e presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano disse que foi pego de surpresa pela publicação do decreto. “Fomos surpreendidos pelo Governo Federal com a publicação desse decreto. Precisamos discutir sobre a construção da hidrelétrica em Pirapora no âmbito dos Comitês de Bacia do Alto São Francisco. O FMCBH está aberto a discussão e está disposto a ajudar o CBHSF no debate”, afirmou Polignano.
Em reunião recente da Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco, o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, afirmou que o Comitê vai contratar um estudo sobre a construção da UHE Formoso na calha do São Francisco. O estudo vai mostrar não apenas os impactos do ponto de vista ambiental como também da geopolítica, visto que a bacia tem milhares de usuários e além da geração de energia atende à irrigação, indústria, mineração, agricultura familiar, aquicultura, navegação, pesca artesanal, turismo e a prioridade deve sempre ser o abastecimento humano e a preservação da vida aquática.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Foto: Léo Boi