Queimadas na Amazônia podem impactar ciclo hidrológico de toda região Centro-Sul do país e agravar cenário de estiagem na bacia do São Francisco.
Em meados do mês de agosto, após São Paulo sentir os impactos das queimadas que assolaram a Amazônia, com uma névoa espessa que atravessou estados inteiros e fez o dia virar noite na principal cidade do país, o Brasil e o mundo voltaram as atenções para essa região que é considerada de fundamental importância na produção de água, absorção de gases de efeito estufa e regulação do clima de grande parte do planeta.
De fato, os dados são devastadores. Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o número de pontos de queimada é o maior dos últimos sete anos. Só em 2019, aumentou 83% em comparação com 2018, somando 72,8 mil ocorrências. Mais de 38 mil focos de incêndio – 52% do total – se concentraram na Amazônia. Dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) mostram também que, em julho de 2019, o desmatamento na Amazônia Legal aumentou 66% em relação ao mesmo mês do ano anterior, com mais 1.287 km² suprimidos.
Toda essa devastação é prejudicial não somente para a última grande reserva florestal do planeta, mas para boa parte do Brasil também, incluindo a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. É o que aponta o coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (LAPIS) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Humberto Barbosa. Segundo ele, num cenário de mudanças climáticas, como a que vivenciamos, a precipitação de modo geral diminui e as temperaturas se elevam. “O aumento de queimadas e desmatamento têm como característica fazer com que essas emissões [gases de efeito estufa] aumentem e isso cria eventos climáticos cada vez mais intensos: secas em algumas regiões, por exemplo como aconteceu em São Paulo em 2015, e redução de chuvas na região Norte. De um modo geral, todo o ciclo hidrológico é afetado”, comenta.
Um dos principais impactos à Bacia do Velho Chico poderia ser a falta d’água. “Nesse contexto [das queimadas e desmatamento na Amazônia], os impactos são: redução de chuvas no Centro-Sul, em função dessas emissões de CO2 estarem aumentando, e com isso o sistema hidrológico, principalmente na região Sudeste, é afetado pelas condições climáticas em condições de redução de chuvas. Isso também afetaria [a bacia hidrográfica] o São Francisco por que, principalmente por ele passar pela região de Belo Horizonte, essas chuvas diminuiriam e fariam com que o rio tivesse uma menor vazão”.
O pesquisador da UFAL também chama a atenção para o fato de que o Brasil é um dos signatários do Acordo de Paris 2015, que rege medidas de redução de emissão de gases estufa a fim de conter o aquecimento global, e que o não cumprimento dessas metas pode ser extremamente nocivo para estas mesmas áreas do país. “Se a gente não mantiver essa temperatura do planeta abaixo de 2 °C, isso significa que as condições futuras poderão ser impactadas principalmente pela redução das chuvas no Brasil, sobretudo na região Central e na costa leste do Nordeste”, conclui Barbosa.
Veja as fotos das queimadas:
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda classificou como uma “insanidade” a queima da floresta e do que considera “talvez o maior banco genético do planeta”, em troca de uma produção agropecuária rudimentar e improdutiva. Ele também teme e espera reflexos das queimadas em outras partes do país, como na bacia do Rio São Francisco. “A cobertura vegetal no Brasil está conectada em toda a sua extensão. O que acontece em um bioma tem influência em outro. É sabido que a Amazônia presta serviços ambientais especialmente para o regime de chuvas da bacia do Rio São Francisco, através dos seus rios voadores. Portanto, cada diminuição de floresta na Amazônia impacta esse regime de chuvas”.
Mesmo reconhecendo a importância sistêmica da Amazônia para outras partes do mundo, Anivaldo reforça que outros biomas do Brasil são igualmente vulneráveis e impactados. “Embora a Amazônia atraia o interesse da comunidade internacional, é bom lembrar que a devastação no Brasil não se resume a esta região. O desmatamento na Caatinga e no Cerrado é tão ou mais agressivo e impactante em termos proporcionais do que na Amazônia, e acaba ficando invisível”.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiz Guilherme Ribeiro
*Fotos: Victor Moriyama e Fernanda Ligabue / Greenpeace