De acordo com o Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), nove localidades nas regiões Nordeste e Sudeste do país estão sendo estudadas para abrigar usinas. Uma delas ficaria localizada na cidade de Itacuruba, em Pernambuco. Segundo a Eletronuclear, estudos indicam, desde 2011, que a área de Itacuruba apresenta condições ideais para a construção do empreendimento que custaria em torno de R$ 30 bilhões.
No entanto, a população de Pernambuco e, principalmente da região de Itacuruba, onde residem comunidades inteiras de quilombolas e indígenas resistem à ideia. Diversos encontros vêm sendo realizados por inciativa de várias organizações. E nessa terça e quarta-feira (05 e 06 de novembro) a Diocese da cidade de Floresta, em conjunto com a Comissão Regional Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizaram o evento “O Rio São Francisco e suas energias: impactos e desafios”.
O encontro contou com a presença de representantes do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), tribos indígenas, instituições de ensino superior, CHESF, bispos católicos de várias regiões, CNBB, além de lideranças políticas incluindo o prefeito de Itacuruba, vereadores, e representantes de partidos em Pernambuco, entre outros.
De acordo com o Padre Luciano Aguiar, integrante da equipe de organização do evento, o objetivo central foi ouvir a população e especialistas sobre a possibilidade da instalação de uma usina na região, levando em conta os benefícios e malefícios dessa obra. “Já vem acontecendo diversas ações através do grupo Comissão Antinuclear do Sertão e a própria diocese de Floresta fez outra iniciativa em Recife. Vimos esse momento com muita alegria pois, como igreja estamos em sintonia com o papa Francisco, por isso a igreja se posiciona em sinal de escuta para compreender o que pode vir”, explicou.
A legislação do estado de Pernambuco proíbe a instalação de usinas atômicas em seu território. De acordo com o Artigo 216 da Constituição Estadual, é proibido a instalação de usinas nucleares no estado “enquanto não se esgotarem toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e de outras fontes”. No entanto, está em tramitação uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 09/2019) que modifica a Constituição pernambucana para permitir a instalação de usinas nucleares.
Até o momento o Governo do Estado não se posicionou em relação ao tema. Se limitou a apenas emitir nota apontando a legislação que veda a instalação da estrutura. “NOTA OFICIAL – Com relação ao questionamento levantado a respeito de a cidade de Itacuruba, no Sertão do Estado, ser um possível local de instalação de uma usina nuclear, o Governo de Pernambuco ressalta que a Constituição Estadual, através do Artigo 216, veda a instalação de usinas nucleares em todo o território pernambucano”.
A partir do encontro em Floresta foi elaborado uma carta chamada “Carta de Floresta” que expõe a preocupação com as comunidades e o meio ambiente. O documento será entregue a diversas instituições, inclusive ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, além da Câmara Federal e Senado, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB nacional), entre outros.
Veja as fotos da audiência:
O que dizem?
A cacique Cícera Leal, da tribo Pankará, localizada no município de Itacuruba, lembrou que a população já foi afetada por barragens quando a cidade precisou ser deslocada para uma nova localização. “O projeto das hidrelétricas deixou vestígios e estamos pagando por eles até hoje. A possibilidade da construção de uma usina nuclear se assemelha à história que vivemos há alguns anos quando se falava em um projeto para iludir as pessoas em nome do desenvolvimento. E infelizmente sabemos que no final das contas quem paga é comunidade, são os povos que vivem no território”.
Para a coordenadora da Associação Provida, e membro da comissão antinuclear do sertão, Cláudia Leal, trata-se de um tema polêmico e que, por esse motivo, precisa de esclarecimentos. “É importante a participação política e do povo. Não estamos discutindo só o futuro da cidade de Itacuruba, é o nosso também. Todos vamos usufruir das consequências dessa usina, seja positiva ou negativa. Foi muito boa a participação dos bispos que escutaram todos os expositores e todas as colocações e a partir daí foi feita uma carta que vai ser entregue em todo Brasil, mostrando que a igreja está em alerta, e que a preocupação da mesma é com a vida”, afirmou.
Já o Secretário da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, Almacks Luiz, que esteve na reunião representando o CBHSF, aponta para uma abordagem cuidadosa do tema levando em consideração aspectos humanos e ambientais. “Entendo que essa construção seria um desastre. A gente se questiona que por a região ser produtora de frutas, a população continuaria a consumir água que passou pelo processo de resfriamento dos reatores. As cidades atendidas com a transposição beberiam essa água? A gente sabe que todas usinas oferecem risco de afetar a água. Além disso, hoje o Nordeste é autossuficiente em energia por ter à sua disponibilidade a geração de energia solar e eólica; então tentamos entender a necessidade de uma usina nuclear que viria só para prejudicar o Rio São Francisco?”, questionou o secretário informando que deverá recomendar ao CBHSF, ao receber a Carta de Floresta, a contratação de consultoria pra avaliar o impacto da instalação de uma usina nuclear na região do Submédio São Francisco.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Almacks Luiz