A Amazônia registrou, no primeiro trimestre deste ano, um crescimento de 51,45% no número de alertas de desmatamento, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Com a pandemia de coronavírus, a fiscalização tem sido menor, o que facilita a ação de madeireiras ilegais e a realização de queimadas.
Ao mesmo tempo em que a situação na Amazônia se deteriora, na Bacia do São Francisco, os primeiros três meses de 2020 chegaram com ótimas notícias. De 2013 a 2019, o Velho Chico e seus afluentes passaram pela maior seca já registrada na região, mas, este ano, as chuvas vieram com força, trazendo diversos benefícios, tanto econômicos quanto socioambientais. Para se ter uma ideia, os reservatórios de Três Marias (MG) e de Sobradinho (BA) atingiram capacidade máxima, o que não ocorria desde antes do início da crise hídrica.
“Depois de atravessar a pior estiagem de que se tem conhecimento, estamos agora em uma situação que possibilita maior segurança hídrica tanto para a indústria como para a agricultura e o abastecimento público. Além disso, a qualidade da água vai ter uma melhora significativa”, explica o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda.
Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF
As chuvas do início do ano também permitiram a recuperação das lagoas marginais do Alto São Francisco, que não tinham, há anos, contato direto com os rios. Cinco das seis lagoas monitoradas pelo projeto “Integridade Ecológica de Lagoas Marginais do rio São Francisco das Minas Gerais Integrada com a Operação Otimizada da Usina Hidrelétrica de Três Marias” receberam águas do São Francisco e se encheram, completando integralmente seus volumes. A última vez que aconteceu uma cheia como esta havia sido em 2012. O projeto é uma parceria entre o CBHSF, a Cemig, a Agência Peixe Vivo e o Grupo Carta Morrinhos.
“Com essas cheias, o rio joga as águas para as lagoas marginais e milhares de peixes têm oportunidade de sair do rio para botar seus ovos nas águas das lagoas, onde a desova e os alevinos resultantes estão mais protegidos de predadores e podem crescer com segurança”, informa o responsável no projeto pelo monitoramento das lagoas marginais, Francisco de Assis Pereira.
No ano passado, o CBHSF, em parceria com o Ibama, prefeituras municipais e outros órgãos, precisou realizar ações de salvamento de peixes presos nas lagoas marginais, que estavam – na ocasião – praticamente secas. No total, foram resgatados e devolvidos ao leito do São Francisco cerca de 80 mil peixes. Apenas na Lagoa de Itaparica, em Xique-Xique (BA), foram mais de 30 mil.
Miranda destaca, que com a nova situação hídrica, será possível realizar um gerenciamento das águas do São Francisco de um patamar mais favorável. “Vamos tratar essa água que chegou com o máximo de cuidado, administrá-la de maneira conjunta com todos os usuários para tirar o melhor proveito possível e evitar conflitos criados pelos usos múltiplos”, ressalta.
Parceria durante a crise
O presidente do CBHSF destaca que, mesmo com as chuvas do início do ano, a situação ambiental da Bacia do São Francisco só é favorável no momento devido a um trabalho conjunto realizado durante toda a crise hídrica pelos diversos usuários das águas do Velho Chico e de seus afluentes.
“Em 2013, o comitê sugeriu à Agência Nacional de Águas (ANA) a criação de um fórum permanente de debates para gerenciamento da crise. A agência aceitou e iniciamos um trabalho que impediu o agravamento de conflitos pelo uso da água do São Francisco e hoje é modelo não só para o Brasil, mas também para outros países”, conta Miranda.
Segundo o gestor, o trabalho consistiu em chamar para o debate o governo federal, estados e municípios, organizações não governamentais, representantes das usinas hidrelétricas, das companhias de abastecimento, de comunidades tradicionais, de populações ribeirinhas, de agricultores familiares, do agronegócio e de pescadores artesanais, entre outros.
“Todos os usuários das águas da bacia trouxeram seus problemas, discutiram e encontraram soluções para evitar que os reservatórios principais da calha do São Francisco entrassem em volume morto”, afirma Miranda. “Foi possível convencer, às vezes com mais dificuldade, às vezes com menos, que a melhor solução para os conflitos gerados pela escassez hídrica era o diálogo, o consenso, a tolerância”, completa.
Durante a crise hídrica, o CBHSF realizou diversas ações em benefício da bacia. Uma delas é a construção do novo sistema de captação de água do município de Pirapora (MG), que vai atender, assim que concluído, a população da parte alta da cidade e as empresas do Distrito Industrial.
Orçada em R$ 2,6 milhões, a obra está sendo subsidiada pelo CBHSF com recursos provenientes da cobrança pelo uso da água na bacia do Rio São Francisco. O projeto executivo é de responsabilidade da Agência Peixe Vivo, que administra os recursos do Comitê.
Amazônia sem gestão
Os números do Inpe mostram que em janeiro, fevereiro e março deste ano, foram emitidos alertas de desmatamento para 796,08 km² da Amazônia, contra 525,63 km² no primeiro trimestre de 2019. “O desmatamento na Amazônia vem numa escalada desde antes do início da pandemia no Brasil. Em 2019, foi de quase 10 mil km², maior índice desde 2008 e 30% maior do que no ano anterior”, destaca Luiza Lima, da campanha de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil.
Luiza ressalta que, de agosto de 2019 a março deste ano, foram emitidos alertas de desmatamento para mais de 5 mil km², mais que o dobro do mesmo período do ano anterior. “E, com a pandemia, isso preocupa muito, porque grileiros, madeireiros e garimpeiros não estão em regime de home office, eles estão operando”, afirma. “Além disso, nós vamos entrar agora no período de seca na Amazônia, quando historicamente as atividades de desmatamento e de queimadas se intensificam”, aponta.
Para Anivaldo Miranda, o aumento do desmatamento na Amazônia é reflexo da ausência de uma gestão qualificada e participativa dos recursos da floresta. “Em vez de um modelo de desenvolvimento, o que tem lá é um processo de devastação criminosa, uma economia criminosa, do roubo, da pilhagem, do saque, de genocídio de povos indígenas”, afirma.
“O que a Floresta Amazônica precisa é de gestão ambiental, de recursos hídricos e, ao mesmo tempo, de desenvolvimento sustentável. E desenvolvimento sustentável na Amazônia é sobretudo aproveitar a enorme riqueza embutida na floresta em pé, porque aquela biodiversidade pode oferecer soluções para a indústria farmacológica, de cosméticos e para vários outros setores da economia”, observa Miranda. “Bastaria um grande esforço nacional de pesquisa, um grande programa estratégico de 10, 20 anos, para o Brasil se tornar o maior celeiro da indústria farmacêutica do mundo, apenas utilizando insumos e princípios ativos da flora amazônica”, completa.
Para o presidente do CBHSF, o modelo de gestão utilizado na Bacia do São Francisco poderia perfeitamente ser replicado na Amazônia. “Se conseguimos implantar uma gestão coletiva e participativa bem-sucedida em uma bacia que está no semiárido, que enfrenta problemas terríveis de estiagem, na Amazônia seria ainda mais fácil. Lá tem água em abundância, chuva em abundância, tem de tudo, então não seria um grande esforço. Com uma gestão adequada, participativa, é possível ter atividades econômicas responsáveis e, ao mesmo tempo, preservar a floresta em pé. Mas infelizmente essas políticas não estão sendo incentivadas”, lamenta.
Veja as fotos do desmatamento da Amazônia de 2019:
MP da grilagem de terra
Miranda observa que, se aprovada no Congresso Nacional, a chamada Medida Provisória da grilagem de terra deve contribuir para o aumento do desmatamento na Amazônia. A regularização de que trata o texto da MP inclui assentamentos com área de até 15 módulos fiscais. O módulo fiscal é uma unidade fixada para cada município pelo Incra, variando de cinco a 110 hectares.
Pela nova regra, o processo de regularização pode ser feito por autodeclaração, sem a necessidade de vistoria. Antes, o ocupante precisava comprovar que estava na terra antes de 22 de julho de 2008. Com a MP 910, foi fixada a data de 5 de maio de 2014 como novo marco temporal.
“Esse projeto de lei legaliza o roubo de terras públicas, em vez de tornar mais rigorosa a política de apropriação de terras no Brasil. O que se está fazendo é uma nova corrida para o oeste, o primeiro que chegar e declarar que é dono da terra ganha pela força, usando jagunços, usando todos os tipos de expedientes, inclusive falsificando papéis”, critica Miranda. “Estamos esperando que o Estado brasileiro, o governo federal, o parlamento, cumpram seu papel em relação a isso”, observa.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Alessandro Mendes
*Fotos: Greenpeace e Bianca Aun