
Um novo relatório do MapBiomas revela um cenário alarmante para a Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro e vital para a Bacia do São Francisco. Entre 1985 e 2023, o bioma perdeu 14,4% de sua vegetação nativa, o equivalente a 8,6 milhões de hectares. A expansão da agropecuária é apontada como a principal causa dessa degradação, com a agricultura e as pastagens aumentando exponencialmente na última década.
Segundo Washington Rocha, coordenador da equipe Caatinga do MapBiomas, os números indicam uma deterioração preocupante na saúde do bioma. A agricultura expandiu 1.557%, totalizando um aumento de 1,8 milhão de hectares, enquanto as pastagens cresceram 112%, somando 12,1 milhões de hectares. A maior parte do desmatamento (67,4%) ocorreu em áreas de vegetação primária, ou seja, nunca antes suprimidas.
Essa transformação no uso da terra impacta diretamente a resiliência da Caatinga e intensifica o processo de desertificação, um fenômeno de degradação do solo que já afeta cerca de 13% do semiárido brasileiro. “A Caatinga, por suas características climáticas, é naturalmente suscetível à desertificação, e a remoção da vegetação nativa acelera esse processo, tornando o solo infértil e inviável para a recuperação. A desertificação é um processo de difícil reversão e custos elevados, implicando a perda completa da fertilidade do solo”, afirma Rocha.
Impactos na Bacia do São Francisco
A degradação da Caatinga tem consequências diretas para a Bacia do São Francisco, uma das principais fontes de água do Nordeste. “A redução da vegetação nativa afeta a disponibilidade de recursos hídricos, diminuindo nascentes, zonas de recarga de aquíferos e aumentando a erosão do solo. Isso implica a redução do fluxo superficial de água, ameaçando a segurança hídrica de reservatórios usados para geração de energia hidrelétrica e consumo humano”, acrescenta o pesquisador do MapBiomas.
O professor e pesquisador Humberto Barbosa, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), destaca ainda que mesmo com a mesma quantidade de chuva, a atmosfera mais quente e seca “rouba” mais água do solo e dos reservatórios. Esse fenômeno, chamado de evapotranspiração, tem se intensificado na Caatinga, contribuindo com diminuição da oferta hídrica e elevando o risco para as comunidades locais que dependem desses recursos.
Soluções e desafios na proteção do bioma
Mesmo diante dos esforços, onde o governo federal e outras instituições têm lançado iniciativas para reverter o quadro, a proteção da Caatinga enfrenta um desafio considerável. Apenas cerca de 9% do bioma é coberto por unidades de conservação, sendo que desse total apenas 2% trata de proteção integral. Nesse contexto, a aprovação de projetos de lei como o PL 2.159/2021 podem fragilizar o licenciamento ambiental e agravar ainda mais o cenário de degradação.
O MMA e o Banco do Nordeste (BNB) destinaram R$ 15 milhões para projetos de recuperação e uso sustentável da Caatinga. Além disso, o MMA abriu uma chamada pública de R$ 4,8 milhões para projetos que fortaleçam práticas sustentáveis em unidades de conservação.
Nessa linha, uma inovação promissora do Laboratório Lapis, desenvolveu uma cisterna móvel inspirada em plantas xerófilas da Caatinga, como o mandacaru e o coroa de frade. Essa tecnologia, baseada em biomimética e inteligência artificial, visa otimizar a captação de água em áreas rurais, rastreando a chuva em tempo real e permitindo o transporte do reservatório para o local exato da precipitação. Embora seja uma patente ainda em fase de espera, a tecnologia representa uma esperança para enfrentar a escassez hídrica na região.
A necessidade de um esforço coletivo
Para os pesquisadores, a restauração da Caatinga exige uma política pública coordenada e robusta, que envolva os níveis federal, estadual e municipal, além da sociedade civil. O desafio é identificar as áreas mais críticas e prioritárias para o restauro, utilizando tecnologias e técnicas que acelerem o processo de recuperação.
“A urgência de fortalecer a proteção e a fiscalização do bioma nunca foi tão grande”, diz ainda o pesquisador Washington Rocha reforçando por meio dos estudos que a Caatinga, com sua rica biodiversidade e seu papel crucial na regulação hídrica da Bacia do São Francisco, está em risco. O avanço da desertificação e a ameaça à segurança hídrica do semiárido demandam ações imediatas e eficazes para garantir a sobrevivência do bioma e das comunidades que dependem dele.
Como o PL da Devastação pode prejudicar ainda mais o cenário
A situação crítica da Caatinga, revelada pelos dados do MapBiomas, pode ser drasticamente agravada pelo chamado “PL da Devastação”, projeto de lei (PL) 2.159/2021 aprovado por 267 votos a 116, que flexibiliza o licenciamento ambiental e vai na contramão de tudo o que os especialistas e o governo vêm tentando fazer para proteger o bioma.
Enquanto pesquisadores e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima alertam para a urgência de medidas de prevenção, como a elaboração de planos de combate à desertificação e o fortalecimento de unidades de conservação, o PL fragiliza justamente esses mecanismos. A lógica do projeto é vista como um estímulo à devastação, já que facilita a aprovação de empreendimentos que causam grande impacto ambiental, como a expansão descontrolada da agropecuária.
“O PL da Devastação, ao enfraquecer o licenciamento, pode acelerar a conversão de novas áreas, incluindo a supressão de vegetação primária”, diz o pesquisador Washington Rocha. Isso aumenta a pressão sobre os 9% do bioma que estão protegidos por unidades de conservação parcial e integral, tornando-os mais vulneráveis.
Segundo Rocha, a perda acelerada de vegetação nativa também intensificaria a desertificação, um processo que já afeta 13% do semiárido brasileiro. A Bacia do São Francisco, que já sofre com a redução de nascentes e o aumento da erosão, teria seu futuro ainda mais comprometido onde o enfraquecimento do licenciamento ambiental representa um risco direto à segurança hídrica da região, que já enfrenta um cenário de escassez e de alta demanda evaporativa da atmosfera.
“Em vez de fortalecer a fiscalização e a proteção, o PL da Devastação, se aprovado, daria sinal verde para uma destruição ainda maior. Seria como ignorar os diagnósticos mais sérios e eliminar os tratamentos de prevenção, acelerando uma doença que já beira o ponto de não retorno para a Caatinga”, concluiu Rocha.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Foto: Edson Oliveira