O governo federal abriu brechas que facilitam a exploração de minérios em cavernas e a construção de empreendimentos ao redor desses locais, por meio da assinatura do Decreto Federal 10.935/2022, no dia 12 de janeiro. O risco, afirmam especialistas, é que sítios arqueológicos que guardam vestígios dos ancestrais humanos e, que muitas vezes são refúgios para a fauna, sejam totalmente extintos.
As cavernas alimentam ou preservam cursos subterrâneos de água, guardam animais exclusivos e podem apresentar grande relevância paleontológica e arqueológica, com depósitos raros de materiais de interesses dessas áreas de estudo.
Hoje, são mais de 21,5 mil cavernas conhecidas no Brasil. O maior número delas fica em Minas Gerais, como por exemplo o complexo de Lapa Vermelha, considerado o berço dos estudos em cavernas pelo dinamarquês Peter Lund, um complexo de 52 cavernas calcárias, localizado na região do Carste de Lagoa Santa. Foi lá que foi encontrado o crânio de Luzia – o fóssil humano mais antigo encontrado na América do Sul. A região pertence à bacia do Rio São Francisco e possui uma infinidade de cavernas em toda a sua extensão nos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Alagoas.
O representante da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBP), Luciano Emerich Faria, explica que o principal ponto de atenção do decreto é o que dispõe sobre empreendimentos de utilidade pública, como mineração e construção de rodovias. “Um trabalho de mineração que seja definido como de utilidade pública, a partir do que permite o novo decreto, poderá impactar essas cavernas. Outra possibilidade é que rodovias passem a ser construídas sobre ou próximas a cavernas de relevância máxima, o que pode colocar as formações em risco. Antes do decreto, se fosse comprovada por meio de estudos a relevância máxima da caverna, uma rodovia que estivesse projetada na região deveria desviar a rota, o que não será mais preciso”, esclareceu.
Outra área que pode ser afetada é a de São Desidério, na Bahia. O asfaltamento de uma rodovia pode causar danos irreparáveis ao maior lago subterrâneo do país, o Lago do Cruzeiro, com mais de 12 mil metros quadrados de superfície e largura média de 60 metros. “A estrada passa em cima da caverna e aumenta os riscos de desabamento se a pressão sobre a área for aumentada com a aplicação de asfalto e o aumento no fluxo de caminhões. Com o novo decreto e a pavimentação asfáltica da BR-135 (onde está a caverna do Lago do Cruzeiro), no trecho de chão de São Desidério, região que possui algumas cavernas de relevância máxima”, alertou.
Decreto preocupa especialistas, que avaliam a medida como um retrocesso
Além de empresas de mineração e construtoras, algumas empresas de bebida, que exploram reservas de água nessas cavernas e regiões próximas, podem ser beneficiadas pelo novo decreto. “Diante das mudanças, pode haver, além da perturbação da fauna e da flora local, a contaminação ou a seca de cursos de água e, até mesmo o colapso das estruturas”, explicou o representante da SBE.
O coordenador do Centro de Estudos em Biologia Subterrânea da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rodrigo Lopes Ferreira, entende as mudanças do decreto como um retrocesso. “O decreto do presidente pode até se defender dizendo que ele determina compensações ecológicas para cada intervenção de uma caverna intocada. Mas o que eu não consigo entender é: Como compensar a destruição de um bem tão rico e único? Como compensar o conhecimento ao qual nunca teremos acesso porque as informações foram destruídas?’, disse.
Para Rodrigo Ferreira o decreto é inconstitucional. “As cavernas são bens da União protegidos pela Constituição. A legislação posterior à promulgação da Carta Magna determinou três classificações de relevância das cavernas: baixa, média e máxima. O ranqueamento serve para preservar a área onde as cavidades subterrâneas se localizam”, acrescentou.
STF veta parte do decreto
O ministro Ricardo Lewandoski, do Supremo Tribunal Federal (STF), vetou, no dia 24 de janeiro, parte do decreto do presidente Jair Bolsonaro que facilita o licenciamento de obras e atividades potencialmente lesivas às cavernas brasileiras. O ministro vetou a exploração em cavernas com grau de relevância máxima. Ele alegou que tal medida pode provocar danos irreversíveis a estes locais. Portanto, merece ser barrada. A decisão final, contudo, ainda depende do plenário do STF.
No despacho, o magistrado explica que todas as cavernas localizadas em zonas de licenciamento ambiental recebem uma classificação: máxima, alta, média ou baixa. Essa classificação define as formas de exploração das áreas. Com o decreto presidencial, todas poderiam dar lugar a projetos considerados de “utilidade pública”.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Bianca Aun; Ohana Padilha