Comunidade Quilombola Lagoa das Piranhas (BA) recebe apoio para revitalização ambiental e acesso à cidadania

27/01/2025 - 16:35

O município de Bom Jesus da Lapa, no médio São Francisco, abriga um verdadeiro tesouro para a compreensão arqueológica da diáspora africana. A comunidade remanescente quilombola Lagoa das Piranhas, localizada às margens da lagoa que dá seu nome, existe há mais de 400 anos e possui amplo potencial arqueológico reconhecido por pesquisadores da área. Certificada pela Fundação Palmares e tombada pela Constituição Federal de 1988, seus moradores enfrentam graves restrições no acesso à cidadania.


Desafios enfrentados

Através da associação comunitária local, os moradores apresentaram ao CBHSF um projeto para recuperação hidroambiental da lagoa, incluindo a adequação da estrada que dá acesso à localidade. De acordo com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação emitido pelo INCRA, a construção identitária e territorial da comunidade está relacionada à fuga de escravizados para a região, com o isolamento sendo parte da estratégia coletiva de sobrevivência.

O relatório aponta que a busca pelos escravizados por lugares de difícil acesso reverberou nas gerações futuras da Lagoa das Piranhas, que permaneceram isoladas por décadas. Atualmente, a única via de acesso à comunidade está em péssimas condições, tornando-se intransitável nos períodos chuvosos, o que gera prejuízos sociais e ambientais alarmantes.

Projeto de Recuperação Hidroambiental

Considerando a resolução da DIREC/CBHSF nº 183/2024, que instituiu o Programa Águas São Franciscanas, o CBHSF está financiando a elaboração de um Projeto Individual da Propriedade (PIP) para a Associação Comunitária Lagoa das Piranhas. A empresa responsável é a Embaúba Ambiental e o contrato prevê a caracterização da microbacia através de levantamentos topográficos, análises de solo, amostragens de água, entrevistas com a comunidade local e diagnóstico das intervenções prioritárias. O PIP irá evidenciar as áreas potenciais para conservação do solo, produção de água e saneamento individual, os planos de intervenção e os custos para execução.

Visita técnica e diálogo com a comunidade

Nos dias 16 e 17 de janeiro, em Bom Jesus da Lapa, profissionais da Embaúba se reuniram com representantes do CBHSF e da Agência Peixe Vivo para discutir o andamento do projeto e realizar visita técnica à comunidade. Na ocasião, o coordenador da CCR Médio São Francisco, Ednaldo Campos, o quilombola e integrante do CBHSF, Cláudio Pereira e o coordenador técnico da Agência Peixe Vivo, Paulo Sérgio da Silva, dialogaram com os técnicos Daomyr Ramos, Igor Madeira e Thalisson Tavares.

“A demanda imediata da comunidade é pela recuperação da estrada de acesso, que, nas condições atuais, impede que moradores cheguem a unidades de saúde, limita o acesso de estudantes às escolas, impossibilita o escoamento da produção e aumenta a vulnerabilidade social”, destacou Cláudio. Ele também alertou que a situação da via de acesso está impactando o ecossistema aquático da região: “pela proximidade da estrada com a Lagoa das Piranhas, o transporte de materiais e a erosão do solo causados pela má conservação da estrada provocam o assoreamento do rio e da lagoa. Óleos, combustíveis e resíduos sólidos são levados para a lagoa durante as chuvas, prejudicando a saúde dos peixes e de outros organismos aquáticos”.


Veja mais fotos da visita:


Ednaldo assinalou que a eficiência das intervenções exige uma visão sistêmica. “A importância da etapa diagnóstica está em chegar na raiz dos problemas, permitindo a proposição de soluções duradouras e eficazes. Não se trata apenas de colocar cascalho e manilha na estrada, é indispensável identificar as razões dos alagamentos e as condições no entorno da lagoa”, ponderou.

Paulo Sérgio enfatizou que os Projetos Individuais da Propriedade representam um refinamento das ações do CBHSF em prol da bacia e seus usuários: “a resolução da DIREC nº 183/2024 estabelece que os projetos devem ter um olhar individual para os proprietários. Com isso, esses projetos poderão ser utilizados pelos beneficiários para captar recursos junto aos estados e municípios que tenham adesão ao Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). A Associação Comunitária Lagoa das Piranhas terá um documento em mãos para embasar futuras reivindicações”.

Durante a visita técnica à comunidade, a equipe constatou um fato notório: a presença de diversos enterramentos dispersos, expostos às intempéries, incluindo crânios e ossadas humanas ainda carentes de caracterização arqueológica. “Os moradores mais velhos relatam que, desde a infância, observam o aparecimento dessas ossadas na superfície”, contou Daomyr. O responsável técnico considerou que esse é mais um elemento que revela a complexidade da situação vivenciada pela comunidade. “O projeto deve estar atento a todos os fatores ambientais e sociais envolvidos. Além da recuperação da estrada, será necessário reflorestar o entorno da lagoa e promover ações de educação ambiental. Todas as medidas precisam observar e preservar as fontes que protegem a história dessa comunidade”, disse.

Conclusão

Com 243 famílias cadastradas e aproximadamente 750 moradores, a comunidade remanescente quilombola Lagoa das Piranhas é um espaço onde história, cultura e luta por direitos se entrelaçam.

“É importante lembrar que a conservação das comunidades quilombolas tradicionais é essencial para a preservação do meio ambiente”, ressaltou Claudio. “A proteção dos seus modos de vida não apenas ajuda a preservar esses habitats e as espécies que neles habitam, mas também está inserida em uma estratégia mais ampla de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, completou Ednaldo.


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Mariana Carvalho
*Fotos: Mariana Carvalho