Chuva castiga a região do Baixo São Francisco

01/04/2020 - 10:23

Rio Ipanema, em Santana do Ipanema, Sertão de AL, invadiu casas. Foto: Márcio Ferreira/Arquivo Pessoal.


Se por um lado ela destrói, causando enchentes e prejuízos, por outro a natureza agradece.

Localizada na região do Baixo São Francisco, a cidade de Santana do Ipanema, em Alagoas, vem sofrendo com as cheias dos rios Camoxinga e Ipanema. As inundações começaram há cerca de uma semana, obrigando a prefeitura a declarar, na última sexta-feira (27/3), situação de emergência pelo período de 90 dias.

No domingo (29/3), a situação tornou-se ainda mais complicada. Em apenas 24 horas, choveu na região mais do que o previsto para todo o mês de março. O rio Ipanema, que tem o leito seco em boa parte do ano, alcançou 8,9 metros, segundo a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Alagoas (Semarh-AL). Para transbordar, são necessários 4,45 metros. A enchente causou diversos prejuízos na cidade, como alagamentos e derrubadas de casas e postes de luz. Ilhados, moradores tiveram de ser resgatados pelo Corpo de Bombeiros.

Uma combinação de fatores causou as enchentes na região. Apenas no último domingo, Santana do Ipanema recebeu 70mm de chuva, ante uma expectativa mensal de 65mm. Em todo mês de março foram cerca de 500mm, quase oito vezes o esperado.

O nível do rio Ipanema já estava elevado, devido à abertura das comportas da barragem de Ingazeira, em Pernambuco, causada por fortes chuvas também na cabeceira do rio, no Alto São Francisco. A tudo isso, ainda se juntam características específicas da região, como tipo de solo e vegetação, entre outras.

“Esta área do Vale do São Francisco é uma região de caatinga, de vegetação baixa, como uma capacidade muito pequena de reter água. E o solo também é muito pouco permeável, de pequena profundidade, depois de um palmo de terra já vem a rocha sã, ou seja, também não consegue reter água”, explica o engenheiro e professor Valmir Pedrosa, da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

“Além disso, a parte da bacia onde está Santana do Ipanema é bastante estreita. Com todos esses fatores, as chuvas intensas acabam causando esse impacto gigante na região. Mas do mesmo jeito que vem, a água vai. Em três, quatro dias, o nível do rio já deverá ter voltado ao normal”, afirma.

Pedrosa lamenta o estrago que as chuvas fizeram no município alagoano. “Esta é uma região com nível socioeconômico baixo, com muitas pessoas vulneráveis, que constroem às margens do rio, em situação inadequada, muitas vezes porque não têm outra opção. E, nessas condições, muitas casas e pequenos comércios foram duramente afetados e, lamentavelmente, essas pessoas têm baixíssima capacidade de recuperação financeira, já vivem em situação difícil”, observa o professor.

Segundo o professor, as pessoas que constroem próximo ao leito do rio, em geral, sabem que o nível da água pode subir de tempos em tempos. “Mas a questão é que fica três, quatro, cinco anos praticamente sem chover e a pessoa ganha coragem, né? Ela pensa: ‘nunca mais o rio subiu, então vou fazer um pequeno puxadinho, mais um quarto, um barzinho no fundo… Mas aí vem a enchente e causa esse estrago todo”, afirma Pedrosa.


Nível do rio Camuxinga continua subindo em Santana do Ipanema e derruba postes. Foto: José Eraldo da Silva/Arquivo Pessoal

O aumento das águas neste fim de março, informa o professor, não deve causar problemas em cidades localizadas à beira do Rio São Francisco. Segundo Pedrosa, nessa segunda (30/3), a vazão do Velho Chico no município de Pão de Açúcar, ou seja, antes da chegada das águas do Rio Ipanema, era de 1124 m3 por segundo. Já em Traipu, depois de receber as águas do afluente, era de 1591 m3/s.

“Isso mostra que o Ipanema estava com uma vazão de 467 m3. Para a calha do Ipanema, é um volume muito grande. Mas isso tudo se dispersa ao chegar ao São Francisco, que pode transportar até 8 mil m3 no trecho baixo sem causar enchentes”, explica Pedrosa.

O professor não descarta a possibilidade de que a região de Santana do Ipanema sofra novas enchentes ainda este ano. Ele recomenda que os moradores fiquem atentos às recomendações da Defesa Civil, que está em contato constante com os órgãos de gestão de água de Alagoas e Pernambuco. “É importante que essas determinações sejam cumpridas. E também é interessante ficar de olho na previsão do tempo para os dias seguintes”, orienta Pedrosa.

Fauna e flora

Se, por um lado, o impacto socioeconômico das enchentes é grande, por outro, pode trazer benefícios à fauna e à flora da região.

“Este ano, o Baixo São Francisco como um todo está recebendo um grande volume de chuvas. Com isso, espera-se uma renovação das águas, o que é propício para a reprodução de plantas e das espécies de piracema, os chamados peixes reofílicos, que precisam de água nova para se multiplicar e constituem a maior parte da fauna aquática da região”, explica Emerson Soares, pós-doutor em Ciências Aquáticas e também professor da UFAL.

“Além de benéfico para o ambiente, também tem um componente social, já que possibilita um aumento na quantidade de peixes para a pesca, para o sustento das comunidades da região”, completa.

Soares também destaca que o aumento do volume das águas contribui para a redução de dejetos de esgotos, metais pesados e de agrotóxicos e pesticidas presentes nas margens e no leito do rio. “Essa renovação das águas causa uma espécie de lavagem. Espera-se, com isso, que a contaminação se dilua mais e cause menos problemas”, observa.
Outra consequência do aumento das águas, é a redução no número de plantas macrófitas aquáticas, que em condições inadequadas (excesso de fósforo e nitrogênio na água) se multiplicam em grande quantidade, prejudicando o abastecimento das cidades.

“Se a água tem pouca renovação, conta com muita matéria orgânica, esgoto, essas plantas se proliferam muito. Mas com a renovação das águas, esses contaminantes se diluem e quantidade dessas diminui por falta de nutrientes”, explica.

As cheias também trazem benefícios às lagoas marginais localizadas a pouca distância do São Francisco e de outros rios da região. “Essas lagoas são grandes habitats de peixes. Quando há água nova, elas se conectam com a calha do rio e os peixes podem sair, o que facilita a reprodução”, afirma. “Além disso, essas lagoas, muitas vezes, estão repletas de agrotóxicos, pesticidas e dejetos e a conexão com o rio permite a diluição desses contaminantes”, acrescenta o professor.

Segundo Soares, o maior volume de águas também tem impactos negativos no meio ambiente. “Geralmente, a vazão muito grande derruba barrancos e causa assoreamento, porque traz muito sedimento para a calha do rio principal, que acaba se depositando em algum lugar. Quando a água diminui, surgem vários bancos de areia”, afirma.

Outro ponto negativo são os impactos causados aos tanques-rede da região. “As cheias, em geral, trazem problemas aos piscicultores. O cultivo acaba comprometido porque, além dos tanques serem danificados, muitos peixes morrem por estresse ou embolia gasosa, causada por excesso de oxigênio na água”, informa Soares. “Nas cheias de 2008 e de 2009, tivemos muito esse problema”, conta.

 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Alessandro Mendes
*Foto: Márcio Ferreira e José Eraldo da Silva/Arquivo Pessoal