CCR Alto debate soluções naturais para o clima e mercado de carbono

24/10/2023 - 15:05

O tema “As soluções baseadas na natureza e o mercado de carbono no Brasil” foi tratado na reunião da Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco (CCR Alto), realizada em 5 e 6 de outubro, por solicitação de seu coordenador, Altino Rodrigues Neto.


Em 20/09, a palestra online de Gilberto Tïepolo, diretor da ONG Conservação Internacional (CI), ao Instituto Estadual de Florestas (IEF) foi disponibilizada aos conselheiros da CCR, mas apenas o coordenador pôde participar. O assunto, no entanto, foi mantido na pauta pelo potencial “de se tornar uma ferramenta complementar na revitalização da bacia do São Francisco”, apontou Altino.

Soluções naturais

Segundo Tiepolo, as soluções tradicionais de mitigação dos efeitos climáticos do aquecimento global, como o aumento da eficiência industrial, a gestão de resíduos, o planejamento urbano, o uso de energias renováveis e a adoção de sistema de transporte de baixa emissão de CO2, “já não são suficientes para evitar uma crise climática”.

Para o diretor da CI, “a ciência mostra que a natureza pode fornecer, de maneira econômica, mais de um terço (37%) da mitigação climática necessária até 2030”, meta fixada pelo Acordo de Paris, de 2015, na 21ª Conferência das Partes – COP 21, para a redução da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs).

A avaliação de Tiepolo encontra respaldo na análise de outro importante especialista, o professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio e diretor do Instituto Internacional para a Sustentabilidade, Bernardo Strassburg.

De acordo com ele, “nenhum país tem tanto potencial quanto o Brasil para se beneficiar com a restauração de florestas”, além de afirmar que “a restauração é um ótimo negócio”. Cada dólar investido em restauração de ecossistemas “gera US$ 30 em benefícios econômicos”.

Mercado de Carbono

O Mercado Voluntário de Carbono saltou, em âmbito mundial, de US$ 2,6 bilhões em 2017 para US$ 7,5 bilhões cinco anos depois. Os projetos baseados na natureza recebem a maior parte do financiamento desse mercado (US$ 8,7 bi no triênio 2020/2022).

A previsão é de que entre 2021 e 2025 sejam movimentados de 18 a 21 bilhões de dólares, cifra que deve saltar para até US$ 100 bilhões em 2050.

“A gente sabe que o mercado de créditos de carbono, embora ainda não regulamentado no Brasil, tem sido crescente no mundo”, diz Altino, para quem “um dos objetivos centrais é a revitalização da bacia”, por meio de “parceirias no âmbito de carbono que podem potencializar a restauração e a conservação” nas regiões fisiográficas do Velho Chico.

A advogada do escritório SAES, Gleyse Gulin, explica: “O mercado de carbono nada mais é do que a compra e venda de créditos de carbono, que correspondem à não emissão de dióxido de carbono (CO2) ou dióxido de carbono equivalente (CO2 eq, conversão de gases de efeito estufa como metano, óxido nitroso e ozônio, por exemplo, em dióxido de carbono) na atmosfera”.

Uma tonelada não emitida ou recuperada corresponde a um crédito gerado, ao preço médio internacional de 30 dólares.

A regulamentação no Brasil está sendo discutida via Projeto de Lei (PL) nº 412, de 2022, que “institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)”, de autoria do senador Chiquinho Feitosa (DEM/CE). Em 17 de outubro, o PL foi aprovado no plenário do Senado Federal e remetido à Câmara dos Deputados no dia seguinte.

Florestas e o sequestro de carbono

Ricardo Galeno, engenheiro florestal e coordenador de Restauração da Mata Atlântica da Conservação Internacional, esclarece: “Como não há regulação legal, o mercado no Brasil ainda é só voluntário. Uma empresa que tem um passivo ambiental, investe um pouco da receita, do lucro para neutralizar suas emissões, para minimizar o impacto que a atividade dela vem causando”.

“O que a CI e várias outras instituições estão buscando”, diz, é que “até aceitamos seu dinheiro, mas queremos que haja mudanças no seu processo produtivo”, desenvolvendo ações para diminuir a emissão.

Galeno vê “esse mercado se aquecendo novamente, pois o pessoal lá de fora está sentindo as mudanças e entendendo que ou faz alguma coisa ou vai todo mundo ‘pro brejo’, uns antes, outros mais tarde, mas todo mundo”. A restauração e a conservação de florestas é uma grande fonte de sequestro do carbono, “com um índice de captação muito grande”.

O Brasil e os demais países tropicais, com muito sol e pluviosidade, “fazem suas florestas crescerem muito mais depressa”. Isso “põe o Brasil no olhar de muitas instituições mundiais”.

Não é, no entanto, um caminho só de rosas. “Temos dificuldades, temos um produtor rural que, na média, não respeita as leis, só cumpre quando a fiscalização aperta”. Por outro lado, há um grande potencial: “Temos bom arcabouço jurídico, capacidade técnica, mas faltam recursos financeiros da magnitude do que se precisa. Então esses recursos do carbono são muito bem-vindos”.

Cereja do bolo

Galeno destaca que “o carbono é só mais um ingrediente que vai ajudar a custear a conta da restauração”. O “carbono é só a cerejinha, tem que ter quem pague o bolo inteiro”, e calcula: “Ao preço internacional de US$ 30 a tonelada e média de 10 toneladas por hectare/ano de capacidade de sequestro pela Mata Atlântica, isso daria 1.500 reais por hectare, valor que não custeia a restauração. Só a cerca num hectare custa 12 mil reais. Mais as mudas, a mão de obra, o adubo…”.

O engenheiro florestal alerta que, para surtir o efeito desejado, é preciso “pensar em escala”, e cita dois projetos da CI em andamento, um na região de Abrolhos, no sul da Bahia, que abrange 52 municípios, e outro em Minas Gerais, com 60 municípios, na Zona da Mata e Centro-Sul mineiro, que contemplará cidades do Alto Rio das Velhas como Itabirito, Ouro Preto e Ouro Branco.

Outro objetivo são os projetos duradouros, de 20, 30 anos, “pois, se o benefício é de longo prazo, a remuneração também precisa ser”.

A CI está trabalhando para “costurar projetos com várias parcerias, e o recorte ideal é a bacia hidrográfica, onde as prefeituras criam seus projetos ambientais, suas leis de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), seus Fundos para implementação”. O esforço é unir os Comitês de Bacia, com forte interesse na recuperação, a Agência Peixe Vivo, com os projetos hidroambientais, a Copasa (com o Pró-Mananciais), o IEF e seus viveiros espalhados pelo estado e todos que têm interesse na conservação e restauração, com apoio da CI, da The Nature Conservancy (TNC, outra ONG internacional) e dos próprios produtores, que estão vendo a falta de água na propriedade deles, a falta das matas que diminui o polinizador, que é a abelha”.

Cerrado e Caatinga


Caatinga e Cerrado são biomas menos atrativos em matéria de crédito de carbono quando comparados com a Mata Atlântica, diz especialista


No caso da bacia do Rio São Francisco, cujos biomas principais são o Cerrado e a Caatinga, as condições para captar os recursos do Mercado de Carbono são menos atraentes, pondera Galeno.

A “Mata Atlântica tem mais possibilidade de captação. Os outros biomas demoram mais a crescer e captam menos. O interessado em investir quer retorno maior e mais rápido”.

Altino Rodrigues sabe “que esse é o foco do mercado, além da Amazônia”, mas “o intuito é que, a partir dessa experiência, a gente possa chegar ao Cerrado e à Caatinga, conservar e tirar a pressão sobre outros biomas”. Ele lembra que “os mais importantes rios do Brasil, do ponto de vista econômico, no Sudeste e do Sul, nascem no Cerrado, uma floresta invertida, árvores com raízes muito profundas, cascas grossas que protegem do calor, resultando em menor consumo de água e maior infiltração no solo”.

O assunto já chegou ao Ministério do Meio Ambiente. Na quinta-feira, 19 de outubro, Altino esteve em reunião com a ministra Marina Silva, em Brasília, quando “levamos demanda da revitalização da bacia e entregamos documento da parte do CBH São Francisco e de parceiros como a Caritas do Brasil e a Diocese de Luz”.

O tema central do encontro foi a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 504, que reconhece os biomas Cerrado e Caatinga como patrimônio do Brasil, dando-lhes a devida proteção legal. Conforme Altino, “participaram, além da ministra, a diretora de Revitalização do Ministério e um alto assessor do combate à desertificação. Uma vez que consigamos avançar com a PEC, possivelmente haverá maior interesse em aportar recursos nesses biomas”.

Capacitação ano que vem

Altino Rodrigues propôs, na CCR, que os conselheiros recebam capacitação, a ser ministrada pela CI, sobre as Soluções baseadas na Natureza (SbN) e o Mercado de Carbono.

“A ideia, num primeiro momento, é capacitar técnicos da Peixe Vivo e um Grupo de Trabalho especialmente criado com essa finalidade, do CBH São Francisco, e essa turma se encarregaria de multiplicar aos demais conselheiros”.

Galeno já deu sinal verde: “Não há nenhum problema quanto à capacitação, será um grande prazer, mas a partir do ano que vem, com definição de um cronograma com a devida antecedência”. Altino quer “começar as tratativas desde já e agendar o quanto antes”.


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Bianca Aun; TantoExpresso