Brumadinho: três anos depois, recuperação do Paraopeba segue a passos lentos e insegurança de barragens persiste em Minas

25/01/2022 - 14:25

Após três anos da maior tragédia humanitária do país, em Brumadinho, na paisagem devastada, a vida teima em seguir. Na época, 270 pessoas morreram soterradas pela lama tóxica deixada pelo rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, da mineradora Vale. Nove em cada dez bombeiros de Minas Gerais trabalharam no resgate das vítimas. Eles, que foram os primeiros a chegar, continuam na missão até hoje. Agora, o desafio é localizar as seis pessoas – chamadas de joias – ainda não encontradas. Para além das vítimas, os reflexos da tragédia podem ser sentidos ao longo de toda a bacia do rio Paraopeba, importante afluente do Rio São Francisco, que foi inundado pelos rejeitos de minério de ferro da barragem. De 2019 até hoje, pouco se fez pela recuperação do rio desde o desastre.

No acordo bilionário entre a Vale e o governo de Minas, firmado em 2021, a empresa se comprometeu a custear as ações de reparação, estimadas em R$ 5 bilhões. No entanto, até hoje, não há previsão de conclusão nem de como será feita essa recuperação.

Para o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Marcus Vinícius Polignano, a falta de ações práticas e transparência a respeito da recuperação do Paraopeba é outro trágico capítulo do desastre. “É de se lamentar que, do ponto de vista do rio, não temos praticamente nada pronto. Alguma coisa tem sido feita na região que foi destruída. Mas, o que percebemos é que a situação do Paraopeba permanece a mesma, com poucas ações de reparação e recuperação”, lamenta.

Segundo o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), desde 2019, a dragagem removeu 82.871 m³ de rejeitos do rio, pouco perto dos 13 milhões de metros cúbicos espalhados pelo rompimento. Somente na área do córrego Ferro-Carvão, onde a ação foi concentrada, a estimativa é de que ainda existem entre 300 e 350 mil metros cúbicos de rejeitos. Em outubro de 2021, foi apresentada proposta de teste para dispor o material dragado na Estação de Tratamento de Águas Fluviais 1, com previsão de início em fevereiro.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, Ednard Tolomeu, reclama da falta de participação nas discussões e da falta de foco do governo no Comitê. “Há uma preocupação do governo sobre as obras que serão feitas com o dinheiro da Vale, mas não há nenhuma prioridade para a questão ambiental até agora. O CBH do Rio Paraopeba é uma instância que poderia ajudar e muito no processo de recuperação e, infelizmente, não foi acionado em momento algum para as discussões do pós tragédia”, aponta.

A Vale informa, sem estipular prazos, que os recursos para restauração do manancial no rio Paraopeba estão garantidos. “O Acordo de Reparação Integral prevê que este Plano seja custeado pela Vale, sendo acompanhado e validado pelos órgãos competentes e auditorias ambientais até sua conclusão, de forma a garantir a reparação ambiental nos termos do que foi previsto pelo Acordo …. O processo de recuperação teve início em 2019, logo após o rompimento em Brumadinho, e que já estão em andamento a contenção e remoção dos rejeitos no ribeirão Ferro-Carvão, os monitoramentos da qualidade da água, solos e sedimentos e os estudos e ações de preservação da flora e fauna locais”, alegou a mineradora, por meio de nota.


Bombeiros de Minas Gerais foram os primeiros a chegar na área atingida pelo mar de lama tóxica, e o trabalho de buscas segue até os dias atuais


Insegurança de barragens

O Brasil ainda possui 65 barragens de rejeitos a montante. Minas Gerais tem a maior quantidade delas, 46, das quais 31 são estruturas classificadas em nível de emergência — três delas no maior patamar de risco. O excesso de chuvas, que assolou cidades mineiras nos últimos dias, aumenta a preocupação com o rompimento de barragens já classificadas em nível de emergência, por conta dos efeitos da água no solo.

Somente na região do entorno da captação de água de Belo Horizonte – Bela Fama – existem hoje 11 barragens. Três dessas estruturas estão em nível 3 de alerta de rompimento: Forquilha I e III e o sistema Mar Azul que é a B3/B4. São barramentos que têm uma quantidade muito grande de sedimento, somando os três são uns 30 milhões de metros cúbicos de rejeitos.

O vice-presidente do CBHSF afirma que é urgente uma revisão do modelo minerário no estado, uma fiscalização efetiva das estruturas e a atuação real do governo estadual no acompanhamento desses empreendimentos. “Riscos de danos em barragens e estruturas de contenção em minas aumentam no período chuvoso, como o caso do dique da mina Pau Branco, da Vallourec, e o muro da Vale que inundou Macacos agora em janeiro. Nesse cenário, falta fiscalização e sobra poder para as mineradoras. É preciso rever com urgência o processo de fiscalização e segurança dessas barragens. Esse modelo de hoje gera muito mais insegurança, transtornos e complicações do que lucro, benefício e bem-estar social. A sociedade, o Estado e o setor de mineração têm que repactuar uma nova relação. A gente vai pagar o preço por isso e as outras gerações muito mais”, destacou Marcus Vinícius Polignano.

O secretário do CBHSF, Almacks Luiz Silva, já integrou o Conselho Nacional de Segurança de Barragens. Para ele a legislação avançou, no entanto o processo de fiscalização é moroso. “Sancionada pelo governo federal em outubro de 2020, a Lei 14.066/2020 estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), por meio da qual foi fixada uma série de regras com a finalidade de evitar a ocorrência de acidentes como os de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), ambos em Minas Gerais. No entanto, a ANM [Agência Nacional de Mineração] tem poucos fiscais para o grande número de barragens existente. Sendo assim, a fiscalização segue lenta, o que coloca a sociedade em risco”, esclareceu.

Na noite desta terça-feira (25/01) o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), um dos mananciais de Minas que mais sofre com a ameaça das barragens, realiza o webinário “3 Anos do Crime Ambiental de Brumadinho”, às 19h, para discutir sobre a segurança de barragens e ações de recuperação. O evento será transmitido no canal do CBH Rio das Velhas no Youtube.


Veja mais fotos do rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão:


Rompimento segue sem condenações

Em janeiro de 2020, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ofereceu uma denúncia com o indiciamento de 16 funcionários da Vale e da Tüv Süd, entre eles o ex-presidente da mineradora, Fábio Schvartsman, pelos 270 homicídios na tragédia.

A Justiça Estadual já havia recebido o processo em fevereiro de 2020, mas ele foi suspenso com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de transferi-lo para a Vara Federal. Assim, os denunciados deixaram de ser réus.

O MPMG recorreu da decisão em novembro de 2021, porém o órgão rejeitou. Em janeiro deste ano, o Ministério Público solicitou revisão ao Supremo Tribunal Federal (STF) para manter na Justiça Estadual o processo sobre o rompimento da barragem.

A Polícia Federal ainda indiciou 19 funcionários das empresas Vale e Tüv Süd pelos 270 homicídios. O inquérito foi concluído em novembro de 2021, resultado de uma segunda fase da investigação realizada pelo órgão. Agora, cabe ao Ministério Público Federal prosseguir com a denúncia.

 

Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Léo Boi, Léo Ramos, Luiz Maia, Michele Parron e Robson Oliveira