Revista Chico nº 14: Alerta Máximo

23/08/2024 - 11:40

Como o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, provocado pelo El Niño, está afetando a vida no Velho Chico. A ANA, por meio da Sala de Acompanhamento do Sistema Hídrico do Rio São Francisco, criada no início de 2022 por sugestão do CBHSF, acompanha com atenção o fenômeno


Secas prolongadas, enchentes avassaladoras: a severidade dos fenômenos climáticos ocorridos mundo afora marcou 2023. Segundo nota conjunta do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), culpa do El Niño, que começara a apresentar sinais já em fevereiro. Entre março e abril, as temperaturas do Oceano Pacífico, sobretudo nas costas do Equador e do Peru, elevaram-se de forma significativa. Com isso, no mês de junho, as condições registradas indicavam a instauração definitiva do El Niño. A temperatura do mar, próximo à costa sul-americana, apresentou um aumento superior a 3ºC. As previsões indicam forte probabilidade, mais de 90% de chances, de o fenômeno seguir se manifestando, pelo menos, até março de 2024.

“A previsão indica que as chuvas serão espacialmente irregulares nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, enquanto isso, na região centro-norte do país, deveremos ter menos chuva que a média histórica para o período. O El Niño deixa a temperatura acima do normal em grande parte do Brasil e o período sob a influência deste fenômeno promete ser quente, especialmente no interior das regiões Norte e Nordeste”, explicou Danielle Ferreira, meteorologista e assessora técnica do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Obviamente, o Velho Chico também está pagando a conta do clima extremo. Seja no Alto, Médio ou Baixo São Francisco, a bagunça climática impera, com os aumentos substanciais de temperatura, as secas prolongadas ou as chuvas excessivas. No município de São Romão, por exemplo, localizado no norte de Minas Gerais, bem dentro da bacia do São Francisco, a temperatura chegou a 43,5ºC, o recorde do ano. O calorão foi registrado pelo INMET, no final de setembro. Diante de tantas evidências do perigoso aquecimento global, a questão que fica é: como essas alterações climáticas vão afetar, na prática, a vida das populações ao longo da bacia do Velho Chico?  “Sabendo do cenário, podemos inferir que a principal consequência é econômica. É necessário planejamento no plantio”, comentou Marília Nascimento, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Ainda de acordo com ela: “Além, é claro, dos cuidados diários que as pessoas devem ter em termos de hidratação, não exposição prolongada ao sol, cuidados com a insolação, pois além de termos temperaturas elevadas acima da média, podemos também seguir registrando episódios de ondas de calor, como foi observado durante esse inverno”.

O climatologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) também deu o alerta: “Podemos ter realmente falta de água para a população, principalmente no interior do semiárido, o que fará com que haja uma reprogramação na agricultura, atenção ao fornecimento de água, valendo-se de caminhões-pipa e outros recursos”. Conforme Danielle Ferreira, outro risco passa pelo aumento da desertificação em áreas da bacia do Velho Chico: “Com a previsão dos modelos climáticos indicando a persistência do El Niño até, pelo menos, o final do verão 2023-2024, surge a questão sobre qual será o impacto desse evento no início do próximo período chuvoso, e isso pode representar uma redução nos volumes de água disponíveis na região, aumentando a degradação ambiental e a desertificação”.

O coordenador da Câmara Consultiva Regional do Baixo São Francisco, Anivaldo Miranda, chamou a atenção para a necessidade de ações urgentes, para que a população ribeirinha atravesse o cenário de escassez hídrica. “É imprescindível que órgãos reguladores, como é o caso da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), de fato, exerçam suas prerrogativas para administrar, da melhor forma, o volume dos reservatórios, prevenindo a possibilidade de situações críticas, fazendo cumprir normas fundamentais de controle e, no limite, lançando mão de medidas de restrição de usos na hipótese de eventos dramáticos de escassez”. Para Anivaldo, o passado seria um bom professor: “Já sabemos, por amargas experiências anteriores, principalmente a crise de escassez de chuvas no Rio São Francisco de 2013 a 2019 que agir com atraso, falta de diálogo e planejamento pode causar enormes danos aos ecossistemas e aos usos múltiplos das águas”.

Represa seca, em Paracatú (MG)

Sala de crise

Por sugestão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), a Agência Nacional de Águas (ANA) criou, no início do ano de 2022, a Sala de Acompanhamento do Sistema Hídrico do Rio São Francisco, voltada para o monitoramento de eventuais situações de crise, principalmente relacionadas a mudanças climáticas. O espaço é um fórum no qual diversos atores interagem e o El Niño entrou na pauta este ano. Além desta, um outro grupo instituído dentro da ANA, a Salas de Crise da Região Nordeste, também se desdobra, com atenção, sobre os impactos do El Niño na bacia do Velho Chico.

De acordo com a ANA, as salas de crise e de acompanhamento “funcionam como espaços para articulação e intercâmbio de informações para subsidiar a adoção de medidas relativas à gestão de sistemas hídricos ou prevenção, preparação e mitigação dos impactos de eventos hidrológicos críticos de qualquer natureza, como nos casos de secas e inundações”. Suas reuniões mensais ficam disponíveis no canal da ANA, no YouTube, e são mediadas pelo superintendente de Operações e Eventos Críticos da ANA, Joaquim Gondim. Um dos órgãos que integram as salas é o INMET. “O INMET está realizando o monitoramento das condições oceânicas e atmosféricas e divulgando os resultados em boletins periódicos, bem como participando das reuniões mensais da Sala de Acompanhamento do Sistema Hídrico do Rio São Francisco, iniciativa encabeçada pela ANA e por outros órgãos como Governo, entidades, e usuários em geral, que discutem as condições hidrológicas da bacia do Rio São Francisco”, comentou Danielle Ferreira.

Já na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o monitoramento tem acontecido no Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS), que conta com o Sistema Eumetcast, hospedado no norte da Alemanha. O coordenador do laboratório e professor do Instituto de Ciências Atmosféricas (Icat), Humberto Barbosa, explicou: “Desde 2007, o laboratório conta com esse sistema de recepção de dados, em tempo real, ou seja, todos os dados, informações, resultados de análises por parte dos pesquisadores do LAPIS têm, por base, esse sistema”. Além disso, o LAPIS mantém relações internacionais de intercâmbio de informações com universidades de todo o mundo, como por exemplo da Eslováquia”. De acordo com Barbosa: “Nos últimos oito anos, por meio de uma colaboração com o professor e pós-doutor venezuelano, Frank Paredes, o LAPIS trabalha diretamente na questão do Rio São Francisco, em especial no que tange ao monitoramento de secas, de chuvas e de degradação ambiental”.

O professor Humberto ainda destacou um novo trabalho do LAPIS, voltado ao monitoramento do que é conhecido como “secas rápidas” ou “secas relâmpago”, que acontecem quando há a combinação entre altas temperaturas e baixa precipitação, quadro previsto para a região Nordeste enquanto os efeitos do El Niño seguirem se manifestando: “Em função do atual quadro climático, registrado no Brasil, a tendência é que essas secas relâmpago tenham cada vez mais destaque em diversas regiões do país”.

Além dos efeitos na bacia do Rio São Francisco, o El Niño afeta também outras partes do Brasil e do mundo. Confira algumas situações climáticas impulsionadas pelo fenômeno.

No Brasil

  • Seca na Amazônia

A forte seca, que foi registrada no último semestre deste ano na região da Amazônia brasileira, deve se estender até este mês de dezembro e está ligada, segundo o Cemaden, ao El Niño. As previsões de chuva para a região ficaram abaixo da média na maioria das medições neste segundo semestre de 2023.

  • Chuvas e enchentes no sul do Brasil

As fortes chuvas que deixaram um rastro de destruição e que, infelizmente, provocaram mortes na região sul do país, ao longo deste segundo semestre, também estão ligadas à ocorrência do El Niño. O fenômeno provoca um aumento significativo na quantidade de chuvas para essa região do Brasil.

 

No mundo

  • O El Niño é capaz de provocar alterações climáticas na Índia, no sudeste da Ásia e na Austrália, que sofrem com períodos prolongados de seca e de aumento da temperatura média.
  • Já na costa oeste da América do Norte, o fenômeno provoca um aumento da precipitação média, tendo como resultado a formação de grandes tempestades. Nova York foi uma das metrópoles que sofreu com esse aumento de chuvas nos meses de setembro e outubro deste ano, registrando níveis recordes de precipitação e, até mesmo, inundações.
  • Na América Central, predomina uma condição climática quente e seca.
  • Na América do Sul, como descrito, há registros de alternância entre secas severas, aumento de temperaturas médias e ocorrência de fortes chuvas.

 

 


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Arthur de Viveiros