A Caatinga e o Velho Chico: Uma travessia de mãos dadas

28/04/2021 - 9:18

Único bioma genuinamente brasileiro, a Caatinga divide com o Rio São Francisco as dores e alegrias de uma das regiões mais inventivas do País

“O Rio São Francisco é a nossa vida. Se ele acabar, seu povo vai desaparecer. Ele tem um pouco de nós e nós somos um pouco desse rio”. Quem fala é a ribeirinha Quitéria Gomes, moradora da comunidade Bonsucesso, em Poço Redondo, Semiárido de Sergipe. Com tanta sinergia, não é de se estranhar que boa parte dos sertanejos sintam na pele os impactos sofridos pelo Velho Chico. Para marcar o Dia Nacional da Caatinga, neste 28 de abril, apresentamos a seguir relatos que mostram a relação do bioma e de suas populações com o rio que tem cerca de 54% do seu território no Semiárido do Brasil.

“Aqui no Baixo São Francisco a gente vive da pesca artesanal e também da agricultura, mas neste momento estamos enfrentando grandes problemas socioambientais com a baixa vazão,” conta Quitéria.

Muitas espécies de peixes desapareceram. A navegação tem sido interrompida em vários trechos por conta dos grandes bancos de areia. A falta de água dificulta a produção de alimentos. Como a ribeirinha bem diz, não adianta cisterna, se não tiver água. A região tem pouca chuva e eles vivem, muitas vezes, à mercê de um carro-pipa.

A recuperação do São Francisco é necessária, urgente e guarda em si um potencial enorme para quem vive no Semiárido Nordestino: “traçamos diariamente uma luta incansável pela vida do rio e, assim, defendemos a nossa vida também”, diz.

Boas práticas

Maria Aparecida da Silva, moradora do Sítio Verde, no município de Porto da Folha, Semiárido sergipano, usa a água do Rio São Francisco para produzir, cozinhar, lavar roupa, tomar banho e matar a sede de pequenos animais como galinhas e ovelhas. A quantidade é limitada a 10 metros cúbicos de água por mês, pois é o que consegue pagar.

O que tem de sobra por lá são boas práticas de convivência com o Semiárido, fundamentais para o desenvolvimento sustentável da região. Além da cisterna de consumo e da cisterna calçadão para a produção de hortaliças e frutas, ela adota a irrigação por gotejamento.

Não à toa Cida, como gosta de ser chamada, se define como agricultora observadora, experimentadora e multiplicadora. A engenhosidade dela não tem limite. A partir da experimentação, por exemplo, a alimentação ficou mais diversificada e o plantio melhorou.

Com o biodigestor, ela e o marido conseguem gerar biogás, usado para cozinhar, e o biofertilizante, utilizado como adubo para as plantações. Ainda tem o ecofogão, que com apenas alguns galhos de árvores, palha ou sabugo de milho auxilia no preparo dos alimentos.

Cida também trabalha com algodão agroecológico, modo de produção adotado na propriedade em nome da sustentabilidade e da saúde. Para a produção, armazena sementes crioulas, nativas da Caatinga.

Como guardiã de sementes, cultiva a tradição e a identidade sertanejas. A proteção, aliás, também se estende às águas: “a luta pelo Rio São Francisco é uma luta de todos nós que moramos no Semiárido. Ele é a nossa maior fonte de vida,” afirma.

Veia do sertão

Para Daniela Bento, coordenadora da ASA (Articulação no Semiárido) em Sergipe, o Velho Chico é a veia pulsante da região semiárida do Nordeste brasileiro. “Sua importância a gente não pode mensurar. Está muito além do aspecto econômico, produtivo, ambiental. O rio fala da nossa cultura e de memórias, principalmente, de populações ribeirinhas e tradicionais”, defende.

Apesar de toda essa relevância, ele não tem recebido o tratamento que merece.  Barramentos, assoreamentos, contaminação, exploração imobiliária, destruição da mata ciliar e descarte de dejetos são alguns dos problemas sofridos.

“Posso dizer que muito pedaço de rio que eu tomava banho não existe mais. A gente acompanha a olho nu a morte do São Francisco”, lamenta.

Ações do Comitê

De Sergipe para a Bahia. É lá, mais precisamente em Lapão, localizado na Região da Chapada Diamantina, que parte do espaço do Parque da Cidade, situado na entrada do município, receberá a implementação e a operação de um viveiro de mudas nativas e frutíferas. A iniciativa faz parte de um projeto de requalificação ambiental financiado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF).

A construção do viveiro terá início assim que a Secretaria de Meio Ambiente do município aprovar o Termo de Referência que está em fase final de elaboração. Serão 200 mil mudas. A ideia é fazer uma agrocaatinga, revitalizando algumas áreas degradadas.

“Vamos capacitar técnicos das prefeituras da região que queiram participar do plantio. Essa capacitação irá contemplar desde a coleta à produção de mudas e plantios, passando ainda pelo transplante para o campo. As mudas serão produzidas e distribuídas a quem solicitar: associações, produtores rurais, escolas, igrejas,” diz o coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) do Médio São Francisco, Ednaldo Campos.

Também está prevista uma parceria do CBHSF com a Universidade Federal do Vale do Rio São Francisco (UNIVASF) que fornecerá sementes nativas tratadas para o plantio. O viveiro deve ser entregue ainda este ano.

Cisternas

O Comitê está patrocinando, a partir de projetos apoiados por chamamento público, a construção de 135 cisternas de consumo e de produção para os municípios de Barra do Mendes e Macaúbas, na região da Chapada Diamantina, na Bahia.

Depois da construção, ainda neste ano, terão início as capacitações das famílias beneficiadas. Para que o uso possa ser feito tão logo as tecnologias estejam prontas, o Comitê vai abastecer parcialmente as cisternas durante a entrega. As de consumoreceberão8 mil litros de água, enquanto as de produção vão receber 20 mil litros.

Cordel

E meio a tantas tecnologias de convivência, tem espaço para poesia no Semiárido.  Quando ela se une à potência da juventude sertaneja, temos ainda mais esperança no futuro. Roseli Cordeiro, de 28 anos, sabe disso. Moradora de Uauá, no Semiárido Baiano, ela é tecnóloga em Agroecologia e atua em prol do cultivo agroecológico em sua comunidade, buscando fortalecer a agricultura familiar.

Apaixonada pela Caatinga e por sua cultura, ela é também cordelista e assina os versos produzidos para encerrar esta reportagem, lembrando de toda a força que brota desse bioma.

“Hoje o tema é a Caatinga e sua beleza singular, um bioma de presença que devemos preservar.

Mata-branca conhecida, esse é seu significado. Por aqui no Semiárido, está bem representado.

Essa floresta enriquecida, esse reino encantado”.


Ouça a íntegra dessa poesia de cordel declamada pela jovem:


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Andréia Vitório
*Foto destaque: Edson Oliveira