Executivo, parlamentares e entidades estudam judicialização do projeto que flexibiliza regras de licenciamento ambiental

18/07/2025 - 14:19

Dias têm sido críticos sobre a aprovação, pela Câmara, do PL 2159. Votado durante a madrugada, texto foi “fruto de articulação de ruralistas e do agronegócio”, conforme reclamam deputados e autoridades diversas


O período é de grande repercussão em Brasília, por conta da aprovação pela Câmara dos Deputados, na madrugada desta quinta-feira (17/07), do Projeto de Lei (PL) 2159/21, que estabelece regras gerais de licenciamento ambiental no Brasil, criando novos tipos de licença com procedimentos simplificados e prazos menores para análise.

A proposta, considerada uma espécie de “bomba ambiental” para o país, flexibiliza várias regras e foi retirada de pauta na última semana. Mas em função de uma ação articulada da bancada ruralista e do agronegócio, foi colocada em votação de última hora e aprovada pelos deputados. Recebeu 267 votos favoráveis e 116 contrários e segue agora para sanção presidencial.

Parlamentares da base do governo, técnicos, ambientalistas, ativistas na preservação do meio ambiente e a própria ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, estão se reunindo e programando iniciativas para conter ou ao menos minimizar os efeitos da votação.

Uma das alternativas é o veto parcial ou integral do projeto pelo presidente Lula, o que já está sendo objeto de reuniões na Casa Civil, conforme informaram fontes do Palácio do Planalto. Mas não consiste numa decisão tão fácil, até porque qualquer veto precisa ser chancelado pelo Congresso.

O grupo contrário às novas regras também aventa a possibilidade de judicialização do tema. O que pode acontecer por meio do ajuizamento de uma ação questionando a constitucionalidade do texto junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O que diz o PL

Na prática, a proposta aprovada incorpora 29 emendas do Senado e representa, segundo destacaram vários parlamentares contrários, “uma das mais significativas mudanças na legislação ambiental brasileira dos últimos anos”.

Entre as mudanças aprovadas está a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que poderá ser concedida a empreendimentos estratégicos mesmo quando forem potencialmente causadores de significativa degradação ambiental. A análise será feita em uma única fase e terá prioridade sobre outros processos, com validade de cinco a 10 anos.

Outra novidade é a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), voltada para atividades de baixo ou médio impacto, como obras em rodovias já existentes e linhas de transmissão. Essa licença poderá ser obtida com base em um relatório simplificado, sem necessidade de estudos de impacto ambiental, e terá vigência semelhante à da LAE. A vistoria passará a ser anual e a análise do relatório será por amostragem, de forma facultativa.

A proposta também altera o papel de órgãos como Funai, Iphan e ICMBio, que só terão suas manifestações consideradas se apresentadas no prazo fixado. A autoridade licenciadora não precisará justificar a não aceitação desses pareceres, e apenas terras indígenas com demarcação homologada serão objeto de consulta da Funai.

Órgãos limitados

Além disso, conforme estabelece o texto, a atuação do Ibama e de outros órgãos Federais de fiscalização fica limitada. Caso esses órgãos autuem empreendimentos licenciados por órgãos estaduais, as sanções só terão validade se reconhecidas pela autoridade licenciadora. Com isso, a versão estadual poderá prevalecer, inclusive para tornar sem efeito eventuais multas.

Na legislação da Mata Atlântica, o texto dispensa autorizações estaduais para desmatamento de vegetação primária ou secundária em estágio avançado de regeneração, e retira a necessidade de autorização municipal para vegetação em estágio médio, desde que o município tenha conselho ambiental.

A proposta ainda permite a renovação automática de licenças para empreendimentos de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor, desde que o empreendedor apresente declaração de conformidade com a legislação ambiental e um relatório assinado por profissional habilitado.

Se o pedido de renovação for feito com pelo menos 120 dias de antecedência, a validade da licença será automaticamente prorrogada até a decisão definitiva.

Isto sem falar que foi retirada do texto a obrigação de órgãos ambientais apresentarem relatórios sobre a necessidade de recursos humanos para cumprir as novas regras.

Reações no Governo e no Congresso

Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o projeto “ fere de morte um dos principais instrumentos da proteção ambiental do país, que é o licenciamento ambiental”. A ministra ainda citou “retrocessos estruturais” e “insegurança jurídica” existentes na matéria.

O coordenador da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), afirmou que o texto não resolve os gargalos de licenciamento ambiental.

A deputada Duda Salabert (PDT-MG) disse que a aprovação do PL foi um desrespeito às famílias das 272 vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.

“Que vergonha! Depois de meia-noite e o plenário da Câmara vazio com votação virtual, coloca-se em pauta um projeto tão estruturante para política socioambiental do país, que pode significar o maior retrocesso do licenciamento ambiental que já tivemos”, reclamou.

O deputado Pedro Aihara (PRD-MG) ressaltou que o texto deveria ter sido discutido melhor para que pudesse ser feita pelo Congresso uma avaliação séria sobre o tema “com a responsabilidade, o cuidado e toda a atenção que merece, considerando o cenário de vítimas por desastre no Brasil em relação aos biomas”.

“Precisamos modernizar os instrumentos de licenciamento, mas não podemos ser tão ignorantes a ponto de discutir algo que pode vitimar muito mais pessoas”, alertou.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) frisou que o autolicenciamento é uma fraude autorizada, “que compromete o presente e o futuro”. O deputado Chico Alencar (Psol-RJ), por sua vez, citou a ironia de a proposta ser votada no Dia de Proteção às Florestas, comemorado em 17 de julho.

A data também celebra a figura do curupira, personagem do folclore brasileiro conhecido por ser o “guardião das florestas e dos animais, escolhido para ser o padroeiro da COP 30 — a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, prevista para se realizar em novembro, no Pará.

Desconforto e controvérsia

O relator do projeto na Câmara, deputado Zé Vitor (PL-MG) rebateu os colegas afirmando que as emendas contribuem para estabelecer “regras claras e objetivas” e disse que passaram por “amplo debate com setores interessados”.

O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) justificou no final da votação que colocou o texto na pauta de votações porque o relator atendeu a cerca de 70% das demandas governamentais, mas não convenceu os colegas.

O ambiente ainda é de surpresa, de desconforto e de muita controvérsia no Congresso Nacional como um todo em relação à questão.


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Hylda Cavalcanti
*Foto: Edson Oliveira