A Comissão processante instaurada no âmbito da Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL) do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco retomou as tratativas sobre a resolução do conflito pelo uso dos recursos hídricos na bacia hidrográfica do rio Boa Sorte, situado entre os municípios de Barreiras e Catolândia, na Bahia.
Durante os dias 22 e 23 de setembro, a nova composição da comissão processante realizou reuniões com o intuito de conhecer de perto a situação que, mesmo amenizada pelas fortes chuvas registradas no início do ano, ainda é um foco de preocupação das comunidades que dependem diretamente do rio Boa Sorte para a produção agrícola, responsável pela geração de renda e alimentação das suas próprias famílias. A comissão também esteve nas cidades de Baianópolis e Cristópolis, na Bahia, onde verificaram a presença de barramentos que, segundo a população, devido à ausência de manutenções e adequações, se tornaram o grande problema no que diz respeito ao acesso à água.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Grande que, junto com o Ministério Público da Bahia e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (INEMA), recebeu as primeiras notificações de conflito, encaminhou, em 2019, ao CBHSF a demanda requisitando a sua intervenção. Desde então, a partir da adoção do procedimento, o Comitê do São Francisco vem atuando junto às comunidades no sentido de identificar as causas dos problemas e apontar soluções que atendam as famílias.
“Essa é a região conhecida como cinturão verde onde se produz hortaliças e outras culturas e desde 2014 existem denúncias feitas à polícia e ao Ministério Público sobre a ocorrência de conflito pelo uso da água pelos agricultores que não chegam a ter acesso em quantidade para suas produções e para consumo próprio. Com isso, desde 2019 quando o CBHSF tomou conhecimento e emitiu parecer de admissibilidade do conflito, a comissão processante no âmbito da CTIL vem acompanhando e propondo ações para mitigar esse processo. Agora, com as visitas realizadas às áreas de conflito, onde foi possível verificar que em uma parte do território a questão havia se arrefecido devido a presença de água nas barragens, em outras localidades, o cenário é o oposto e já não há mais água. O rio Boa Sorte não corre por um longo trecho, o que tem ainda uma relação direta com as questões também de deficiência dos aquíferos Cárstico (Bambuí) e Urucuia, de onde o rio se alimenta”, explicou Larissa Cayres, integrante da comissão processante.
De acordo com relatório do CBH do Rio Grande, a população apontou ainda que os problemas de acesso à água se originaram a partir da barragem do Bezerro, construída na década de 1980 pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) onde, devido à falta de manutenção, adequação e redução do volume de chuvas ao longo dos anos, a pouca água existente fica acumulada desde os primeiros barramentos, o que impede a vazão para os demais.
Medidas de orientação
Como forma de entender as demandas da região, o CBHSF em parceria com o Consórcio Multifinalitário do Oeste da Bahia (Consid) realizou o diagnóstico socioambiental na região de Barreiras e Catolândia com o objetivo ainda de estudar a região a montante do conflito para, a partir dos resultados, gerar propostas de solução. Agora, uma nova etapa do estudo deve atender também a região de Cristópolis. “O Comitê do São Francisco viu a necessidade de realizar estudos sobre a região e nós, em parceria, executamos a ação com foco na região de Barreiras e Baianópolis. Agora vamos avançar para mais uma etapa, que é a continuidade do estudo em Cristópolis. Esse é mais um passo para completar o estudo da bacia inteira”, explicou a coordenadora do projeto Vozes do Consid, Berenice Lima Peres.
Após a reunião, foi elaborado um relatório de viagem e encaminhado ao coordenador da comissão solicitando novo encontro entre os membros para apresentar os resultados e sugerir os encaminhamentos, que devem ser sobre a continuidade dos estudos com expansão da área de trabalho, articulação política com o MP e prefeituras da região afetada e elaborar plano de ação visando respostas ao conflito.
Para Rochaelly Trindade, também integrante da comissão processante, já está claro que o problema na bacia da Boa Sorte não se trata de algo pontual. “Pelo que foi apurado até agora, o conflito pelo uso da água na região é de longa data e vem afetando um grande número de famílias. Enquanto os estudos da problemática foram acontecendo ficou claro que ali não se tratava de algo pontual, nos mostrando uma necessidade de estudos mais abrangentes e aprofundados, principalmente no que tange às questões técnicas relativas à atual dinâmica do curso da água, do lençol freático e suas nuances. Eu diria que muita coisa já foi levantada, principalmente no aspecto socioambiental, porém o tempo de resolução pode não ser tão breve quanto gostaríamos, justamente por termos visto sinais que indicam uma certa gravidade no assunto. Conflito pelo uso da água nunca é algo simples de se resolver, pois engloba várias vertentes, sendo imprescindível entender as questões técnico ambiental, socioambiental e políticas envolvidas e é partindo desse tripé que nosso trabalho está se desenvolvendo”, acrescentou.
Aquífero Urucuia e Cártisco
Buscando a preservação dos aquíferos Urucuia e Cártisco, que contribuem significativamente para a manutenção da vazão do rio São Francisco, especialmente entre a divisa do estado de Minas Gerais e a montante de Sobradinho, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco contratou, através da Agência Peixe Vivo, estudo com foco na disponibilidade hídrica e nos diversos usos nas bacias dos rios Carinhanha, Corrente e Grande. O objetivo do estudo apresentado em julho deste ano, foi responder a questionamentos sobre a quantidade da vazão consuntiva em cada uma das bacias de interesse, a dimensão da área irrigada e a contribuição hídrica das bacias para o lago de Sobradinho, um dos maiores lagos artificiais do mundo.
De acordo com o documento, verificou-se que os usos destinados à irrigação constituem mais de 90% de toda água outorgada nas bacias, equivalente a 121,72 m³/s de volume total outorgado para essa finalidade. Em seguida, vêm as retiradas voltadas à dessedentação animal, com 2,1% (1,196 m³/s), e abastecimento humano, com 1,6% (0,937 m³/s).
As projeções para o ano de 2035, mostram que pode haver um aumento de aproximadamente 50% nas demandas da irrigação, o que também leva o consumo total a aumentar na ordem de 50%. Já para o ano de 2050, a previsão é elevar para 65% o consumo da irrigação nas bacias do Grande e Corrente, e de mais de 156% na bacia do rio Carinhanha, concentrado principalmente nas sub-bacias Alto Carinhanha, Itaguari e Do Meio.
O estudo indica que, nesse cenário, as demandas no rio Grande superariam em aproximadamente 17,6 m³/s as vazões outorgadas atualmente. Nas projeções para 2050, o consumo total subterrâneo projetado é de 26,201 m³/s, valor que se aproxima do dobro das captações atuais. Desse total, 63% seriam utilizados exclusivamente para irrigação, porcentagem essa que aumenta para 89%, se considerados o consumo humano, irrigação e uso não definido.
Em relação às demandas superficiais, a projeção mostra que especialmente as cabeceiras da bacia do rio Grande poderiam ser muito afetadas pela expansão das captações voltadas para a irrigação. Isso porque as demandas superam as outorgas existentes atualmente, o que pode levar a uma alta concentração em uma mesma região, a sub-bacia dos rios Branco e De Ondas e sub-bacia Alto Grande.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Larissa Cayres