“Onde existe uma vontade, existe um caminho”, diz pesquisadora sobre o Velho Chico

30/06/2017 - 8:33

Revitalização, transposição e uso dos recursos hídricos foram os assuntos da conversa com pesquisadora da UFPE durante seminário em Pernambuco
Maria do Carmo
Entrevista: Raquel Freitas
Professora do curso de engenharia civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Maria do Carmo Sobral, 65 anos, conhece bem as particularidades do semiárido nordestino. O interesse surgiu há 30 anos, quando começou a se dedicar aos impactos ambientais causados pelas grandes construções em meio ao rio São Francisco, durante sua tese de doutorado na Universidade de Berlim. Naquela época, a pesquisadora usou a usina hidrelétrica de Itaparica, na Bahia, como estudo de caso e nem imaginava que, anos depois, estaria debatendo com seus alunos sobre possíveis soluções de enfrentamento à estiagem para a mesma região.
O Nordeste concentra os reservatórios mais importantes para geração de energia elétrica do país. Apesar das adversidades, Maria do Carmo apara as arestas e tenta encontrar uma saída na academia. Ela conversou com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) durante o Seminário Integrador Uso sustentável da Água e do Solo no Semiárido, realizado em Recife (PE), nos dias 26 e 27 de junho, sobre os erros e acertos da Transposição, a atual situação do Velho Chico e a importância de preservá-lo. 

Recurso hídrico

“Propusemos (durante o Seminário) diversas sugestões e recomendações sobre o uso racional da água a partir dos usos múltiplos, sobretudo para a irrigação e para a piscicultura. Percebemos que há um uso excessivo do recurso na agricultura por conta de tecnologias inadequadas. Recomendamos aos irrigantes o uso de gotejamento (processo de infusão de volume de água de forma controlada), assim como o uso de técnicas conservacionistas no tratamento com o solo. Na piscicultura, é importante observar a entrada desenfreada de alimentos para os peixes, promovendo eutrofização (acúmulo de matéria orgânica em decomposição) nos reservatórios. Tudo isso é uma preocupação, porque a água do projeto da Transposição precisa ser muito bem protegida para que atenda milhares de pessoas de forma saudável”, explica Maria do Carmo Sobral.

Transposição

A professora esclareceu que a transposição de água em bacias hidrográficas existe no mundo inteiro. “É uma tecnologia que é bastante trabalhada. Esse projeto teve uma série de dificuldades, é verdade. Na minha opinião, a imensidão do projeto se apresentou como um problema e deu margem para muitas deficiências, como, por exemplo, seu custo elevado. No entanto, temos que olhar para frente e focar na fase final das obras. Mais do que isso: temos que juntar os esforços e torcer para que a operação ocorra de forma eficiente, pois, se não tiver uma gestão organizada, podemos inviabilizar o uso dessa água”, afirma.
Revitalização
“É fundamental discutir a recuperação da bacia hidrográfica. Entretanto, antes disso, precisamos rever a questão do uso da água para a irrigação. Sessenta por cento (60%) do recurso do Velho Chico é usado para esses fins. Reconhecemos que esta é uma atividade importante para a economia do País, mas desde que praticada de forma consciente. Por exemplo, temos que discutir a questão da outorga flexível – para quando (e se) a Região passar por um momento adverso, os usuários tenham acesso a uma quantidade de água restrita. Atualmente, mesmo em meio a uma crise hídrica, o uso não é ordenado”, diz a professora.

Innovate

“Foi muito importante nos últimos cinco anos, pois trabalhamos a pesquisa de forma interdisciplinar envolvendo acadêmicos do Brasil e da Alemanha, focados em discutir ecossistemas aquático e terrestre; reuso da água e biodiversidade, com perspectiva para o cenário futuro. Apesar de o projeto seguir em fase final, desenhamos uma série de recomendações visando o longo prazo”, afirma Maria do Carmo Sobral.
 Carta do Recife
“Como forma de encerrar o Innovate, propomos uma carta ao final do Seminário Integrador (que aconteceu entre os dias 26 e 27, na UFPE). A ideia é deixar registrado quais serão os próximos passos. Isso porque, embora o projeto esteja encerrando, a pesquisa continua. Vamos buscar recursos a partir das sugestões apresentadas. Codevasf, Chesf, Comitê da Bacia Hidrográfica  do Rio São Francisco, Agência Peixe Vivo estarão alinhadas no sentido de, juntos, identificarmos caminhos. Vamos encaminhar, em breve, essa carta ao ministros de Meio Ambiente (José Sarney Filho), de Ciência e Tecnologia (Gilberto Kassab) e ao governador de Pernambuco, Paulo Câmara. Os esforços são para sensibilizá-los”, esclarece.