“Crise hídrica também se dá em abundância”, afirma pesquisador

12/03/2018 - 11:58

Constatação foi feita pelo representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Melchior Nascimento, durante visita às bacias dos rios Tarumã-Açú e Puraquequara, em Manaus

O Brasil possui as maiores reservas de água por unidade territorial do planeta. A Bacia do Rio Amazonas, na região Norte, por exemplo, tem a maior concentração de água no país. Contudo, mesmo em abundância hídrica, as bacias que compõem o Amazonas podem sofrer com escassez, em função do comprometimento da qualidade da água, caso um trabalho efetivo para evitar a degradação não seja realizado. A constatação foi feita pelo professor e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Melchior Nascimento, que esteve em Manaus, representando o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), em um seminário sobre de recursos hídricos.
Prova desse risco são as bacias dos rios Tarumã-Açú, afluente do Rio Negro, e Puraquequara, afluente do Rio Amazonas, conforme o professor. Ambas foram visitadas por ele e são as únicas do Estado do Amazonas que possuem comitê de bacia hidrográfica constituídos. Durante a incursão, Melchior pôde perceber a diferença de ocupação humana nas bacias e, principalmente, a falta de tratamento de efluentes e gestão do poder público sobre as áreas, o que, segundo ele, fortalece o risco de comprometimento das águas.
“Temos a presença de grandes empreendimentos, indústrias e atividade turística nessas áreas, mas em ambos os casos se percebe muita água e nenhum tipo de tratamento dos efluentes que são gerados, a partir das atividades desenvolvidas nas bacias. Também não há presença de ações e políticas dos órgãos responsáveis para evitar a degradação dessas bacias, o que vai de encontro a tudo que ouvimos de especialistas que vivem a realidade de Manaus, durante o seminário que participamos”, disse.
Para o presidente do Comitê de Bacia do Tarumã-Açú, Sérgio Miranda, o risco das águas estarem poluídas em poucos anos é grande. “Estamos na maior bacia hidrográfica do planeta e só temos dois comitês de bacia que não recebem nenhum tipo de apoio do poder público e, principalmente, dos órgãos ambientais que deveriam zelar pela qualidade dos recursos hídricos. As águas do Tarumã-Açú e do Puraquequara podem ser inutilizadas em alguns anos, porque temos, em Manaus, outros exemplos reais de grandes igarapés que eram limpos, serviam de balneários, assim como o Tarumã e Puraquequara, e foram completamente inutilizados por conta da poluição como o Mindu, que corta toda a cidade, e virou esgoto a céu aberto. Tudo aconteceu com o poder público como testemunha. Ou seja, como afirma o professor Melchior, infelizmente temos o risco de conviver com uma crise hídrica com abundância de água.” destacou.
Melchior alerta que os órgãos de gestão ambiental devem ser capazes de reconhecer o papel dos comitês de bacias como agentes transformadores. “É preciso mudar e olhar com mais atenção para a gestão eficiente dos recursos hídricos, a fim de trabalhar na prevenção. Os comitês podem contribuir muito nesse processo. Se os órgãos competentes não conseguirem enxergar que é preciso agir enquanto há tempo, lamentavelmente podem sofrer com uma crise hídrica, mas com abundância e a água que terá seu papel social e econômico comprometido, em função de sua qualidade”, ressaltou.
A água, conforme Nascimento, pode se tornar inviável, inclusive, para práticas como o turismo e afetar a economia da região. Ele cita como exemplo o rio Tietê, em São Paulo. “Quem é que vai querer circular ou conviver em um ambiente completamente poluído? Nenhuma atividade turística sobrevive em ambiente desse tipo. Se fosse assim o rio Tietê seria utilizado para a atividade turística, em São Paulo, o que não é o caso”, ponderou.
Ele acrescenta que a experiência em Manaus é interessante para entender a realidade da gestão das águas e os desafios que o Estado Brasileiro precisa enfrentar. “Vivemos em um país de dimensões continentais onde existem realidades variadas. No Amazonas há abundância de água, por exemplo. Já no São Francisco vivemos a escassez dela. Mas a escassez no Amazonas pode ocorrer em função da qualidade da água. Com isso podemos afirmar que é possível ter crise hídrica em abundância. É justamente esse contraponto que fazemos. A possibilidade de áreas com grande vasão hídrica como o Tarumã e Puraquequara estarem sendo comprometidas e inviabilizadas por conta da falta de gestão e controle do que é despejado nos rios”, concluiu.
 

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* Por Florêncio Mesquita