À espera das águas

31/10/2017 - 15:27

Há quatro anos, o Sr. José Brasil cumpriu um plano audacioso: fez de um barco a sua casa. E o fez no sentido mais literal da palavra – exceto o casco, comprado na Bahia, e a pintura automotiva, a embarcação foi inteiramente construída por suas próprias mãos. A meta era viver navegando nas águas do Velho Chico, desde Pirapora, em Minas, até Sobradinho, na Bahia.

O problema que o Sr. José Brasil não contava era uma crise de disponibilidade hídrica sem precedentes na história da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e lá estão ele e sua embarcação praticamente encalhados na foz do Rio das Velhas, às margens da comunidade de Barra do Guaicuí, município de Várzea da Palma (MG). Esse será o quarto ano consecutivo que ele carrega a esperança de que a cheia o permita seguir o seu caminho. “Dei azar, acabei escolhendo a época errada. Mas nesse verão, se Deus quiser, dará certo”, conta, sem nem ao menos saber se os três mil litros de diesel abastecidos há quatro anos ainda estão em condições de uso.
Segundo José Brasil, não são necessários mais do que 1,50 m de profundidade de rio para permitir a navegação segura de uma embarcação como a dele. “O que impressiona é que não é muito, porém em vários trechos do Rio São Francisco não se tem mais isso, infelizmente. Houve até oportunidades assim em períodos de enchentes, mas que não são ocasiões seguras de se navegar”, explica.

Zé Brasil apaixonado pelo Velho Chico, mora em um barco com sua esposa e um filho à espera de águas para que possa navegar de Barra do Gaucuí (MG) até a represa de Sobradinho (BA) 

A história dessa particular figura começa justamente às margens do Rio São Francisco, na cidade de Lagoa da Prata, Centro-Oeste de Minas, onde nasceu há 73 anos. Menino pobre, trabalhou na roça cortando cana para as usinas de álcool e açúcar da região. Anos depois, foi servente de pedreiro na construção da nova capital federal que se instalava no Planalto Central. Aprendeu também o ofício de marceneiro, até se tornar um empresário de sucesso do ramo moveleiro.
A paixão pelo Velho Chico, sempre presente, se intensificou durante as muitas viagens de pescaria, outro hobby de José Brasil. Foi assim também que aprendeu a navegar, até tirar a carteira de habilitação náutica.
Mas nem mesmo a vida de empreendedor bem-sucedido foi o bastante para o manter na cidade. Quando o rio o chamou, José Brasil largou quase tudo e, juntamente com a esposa e um filho, fizeram da embarcação Lili – nome dado em homenagem a uma antiga cachorra, companheira de muitas viagens pelo Velho Chico – a sua nova residência. “O São Francisco é um pai e uma mãe para mim. Enquanto tiver uma gota de água nele, estarei por perto. Por isso hoje estou aqui”, conta.
A embarcação é de dar inveja a muita casa convencional. Equipada com energia solar, TV a Cabo e internet, são ao todo seis quartos, quatro banheiros, além de sala de televisão, copa, cozinha e varanda. A cabine de comando, com um imponente timão com direção hidráulica, possui ainda sonar e GPS.
Os inconvenientes de se morar em um barco, ele diz, são dois: a possibilidade de um temporal e, por vezes, a grande presença de insetos. “Mas isso a gente tira de letra”, brinca. O lado bom, em contrapartida, tem um valor incalculável. “Viver dentro do rio é uma verdadeira terapia. Cada dia ele está diferente e sempre nos passando tranquilidade. Quero passar o resto da minha vida assim e, depois, que minhas cinzas sejam jogadas no São Francisco”, conta.
O principal fator que impede que a embarcação consiga seguir o seu caminho, na opinião de José Brasil, é o desmatamento. “A retirada de vegetação, sobretudo de mata ciliar, assoreou muito o São Francisco. O Rio das Velhas ainda tem muita vida, mas quem conhece o Velho Chico sabe que ele está doente”, diz.
O verão de 2017/2018 marcará o quarto período de estação chuvosa em que José Brasil espera para deixar a foz do Rio das Velhas e adentrar as águas do Rio São Francisco. O caminho ele sabe muito bem – cita uma a uma as nove cidades que percorrerá nos 1.150km até a Usina de Sobradinho, na Bahia.
Torcer para a vitalidade do Rio São Francisco, para que tenha água em abundância e para que abasteça os povos da sua bacia é torcer para que José Brasil siga o seu caminho.

Confira as fotos

 
Por Luiz Guilherme Ribeiro
Fotos: Bianca Aun