Minas chora lama outra vez

28/01/2019 - 8:55


Três anos após a tragédia de Mariana, barragem da Vale rompe em Brumadinho (MG), deixando rastros de morte e destruição.


Uma barragem da mineradora Vale se rompeu na sexta-feira (25 de janeiro), na Mina do córrego Feijão, em Brumadinho, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os rejeitos da mineração causaram uma avalanche de lama que devastou o refeitório da companhia, parte da comunidade de Ferteco, chegando a Brumadinho e ao Rio Paraopeba, importante afluente do Rio São Francisco.
O volume de rejeitos é menor do que a tragédia de Mariana. Segundo a Vale, vazaram 12 milhões de metros cúbicos – há três anos em Mariana foram 62 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos de minério e o total de 19 mortos. Até o momento já foram confirmadas 58 mortes e 305 pessoas desaparecidas. Segundo moradores de Brumadinho nenhuma sirene de emergência tocou avisando sobre rompimento de barragem.
Quase todas as barragens da Vale no Córrego do Feijão eram consideradas de baixo risco, mas de dano potencial alto. A informação é do Cadastro Nacional de Barragens da Agência Nacional de Mineração.
O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse em entrevista coletiva que a barragem que rompeu estava inativa e sem receber rejeitos há três anos. Segundo ele, laudos apontavam um risco baixo de desabamento. Schvartsman afirmou crer que o desastre ambiental é “possivelmente menor” que o do rompimento da barragem de Mariana, há três anos, mas a “tragédia humana” é maior.
A Vale informou no sábado (26) que está drenando a barragem 6 da Mina do Feijão, que transbordou após o rompimento da barragem 1. A empresa disse ainda que está monitorando a estabilidade da estrutura. A drenagem para reduzir a quantidade de água no reservatório está sendo feita com bombas.
Como a lama seguiu rumo ao rio Paraopeba, parte do abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte foi interrompido, visto que a captação de água é feita neste curso d’água. A Copasa afirmou que está suspensa a captação da água do rio Paraopeba em Brumadinho e que o abastecimento da população atendida pelo sistema Paraopeba está sendo realizado por outras represas e pelo Rio das Velhas. Somada as populações desses municípios ultrapassam 1,3 milhão de habitantes, segundo dados do Censo Demográfico de 2010. Estima-se que esse número aumentou ao longo dos últimos nove anos.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, Winston Caetano de Souza, disse ser lamentável um acontecimento desse porte e agradeceu a solidariedade de outros Comitês de Bacia. “É muito triste ver outro desastre causado pela mineração. A lama atingiu o Rio Paraopeba antes da área de captação da Copasa. Em alguns trechos, ele foi ‘pavimentado’. Há risco de a lama chegar em Três Marias, passando por Betim, Paraopeba e outras. Já emitimos alertas para todas as cidades que são abastecidas pelo Rio Paraopeba. Ainda é cedo para dizer os danos que serão causados e nossa atenção está voltada para as vítimas. Agradeço ao CBHSF pelo apoio e agora precisamos nos unir ainda mais para avançar na legislação e cobrar que as medidas devidas sejam tomadas”, afirmou.
Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, os danos de uma tragédia como essa são irreparáveis. “O Brasil não pode aceitar que desastres como esse aconteçam com tanta frequência. Os danos humanos e socioambientais são irreparáveis e apontam para uma urgência evidente de que é preciso repensar os modelos de desenvolvimento que desconsideram o respeito à natureza, os parâmetros de sustentabilidade. O momento é de solidariedade às famílias das vítimas e aos atingidos pelo rompimento da barragem, mas não podemos deixar de falar que a gestão dos recursos hídricos no Brasil está sucateada”, disse.
Anivaldo Miranda completou dizendo que esse é o terceiro grande desastre ambiental no Brasil no curto período de quatro anos. “A tragédia de Mariana foi em 2015. Em fevereiro de 2018, houve um grande vazamento de rejeitos de bauxita em Barcarena, no Pará e agora em Brumadinho. O CBHSF tem se empenhado na discussão sobre as questões da mineração e, no ano passado, se reuniu com representantes de outros CBHs de todo o país para discutir o impacto de grandes tragédias ambientais nos recursos hídricos. Acredito que só vamos avançar quando envolvermos a população e os poderes públicos em todas as esferas na discussão desse problema”, finalizou.


Veja as fotos do impacto do rompimento da barragem:


A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) suspendeu todas as atividades da mineradora Vale, em Brumadinho, e determinou a abertura de um canal para escoar o acúmulo de sedimentos que possam interromper o fluxo natural do curso d’água. Também foi determinado o rebaixamento do nível do reservatório da barragem e o monitoramento da qualidade da água no Rio Paraopeba.
Ainda conforme a Semad, a estrutura da barragem tinha área total de aproximadamente 27 hectares, 87 metros de altura. A estabilidade estava atestada pelo auditor conforme declaração apresentada em agosto de 2018. A competência para fiscalizar a segurança das barragens de mineração é da Agência Nacional de Mineração (ANM), segundo a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei n. 12.334/2010). Ainda conforme a Lei, a responsabilidade pela operação adequada das estruturas é do empreendedor.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, postou no Twitter que é “difícil ficar diante de todo esse cenário e não se emocionar. Faremos o que estiver ao nosso alcance para atender as vítimas, minimizar danos, apurar os fatos, cobrar justiça e prevenir novas tragédias como a de Mariana e Brumadinho, para o bem dos brasileiros e do meio ambiente”, afirmou.
Bacia do Rio Paraopeba
O Rio Paraopeba tem 546,5 quilômetros de extensão. A bacia cobre 12.090 quilômetros quadrados e 35 municípios. Somadas as populações desses municípios ultrapassam 1,3 milhão de habitantes, segundo dados do Censo Demográfico de 2010. Estima-se que esse número aumentou ao nos últimos nove anos.
A bacia do Rio Paraopeba corresponde a 5,14% do território da bacia do Rio São Francisco. Existe, portanto, a preocupação de que os rejeitos possam atingir até mesmo o mar.
A nascente está localizada em Cristiano Otoni, Mesorregião Metropolitana de BH, e tem foz na represa de Três Marias, no município de Felixlândia, na Região Central de Minas Gerais. Os principais rios da bacia são o Paraopeba, o Águas Claras, o Macaúbas, o Betim, o Camapuã e o Manso.
 

*Texto Luiza Baggio
*Fotos: Daniel Duarte e Leonardo Ramos