XX ENCOB lança apelo por mudança no padrão de proteção hídrica do país

23/08/2018 - 10:28


Sem uma gestão sustentável e valorização dos mecanismos participativos, como os comitês das bacias hidrográficas, o Brasil está fadado a enfrentar repetidas catástrofes. O alerta foi feito pelo presidente da CBH São Francisco, Anivaldo Miranda. Ele foi contextualizador da Mesa de Diálogos ‘Transparência na Gestão – Estado da Arte dos Conflitos’ durante o XX ENCOB nesta quarta, 22 de agosto.
“A tecnologia mudou a base da sociedade e isso cria momento crítico de incertezas. Coincide com uma crise ambiental de proporção planetária. As mudanças climáticas fazem com que enfrentemos cada vez mais estiagens prolongadas, chuvas concentradas, fenômenos como secas e inundações. Neste contexto de escassez hídrica, aumento populacional, poder econômico e uso irregular do solo, os conflitos tendem a aumentar”, afirmou.
A mesa trouxe para o encontro três casos de tragédias ambientais envolvendo recursos hídricos na Bahia, no Pará e em Minas Gerais.
Correntina
O caso de Correntina, na Bahia, foi conhecido nacionalmente por meio do episódio da destruição de bombas de captação das fazendas Rio Claro e Curitiba, na região do extremo-oeste baiano, em novembro de 2017. Mas desde 2015, moradores ribeirinhos do Rio Corrente já denunciavam a redução do volume do Rio Arrojado, integrante da bacia do Rio Corrente, que é afluente do São Francisco, em função da captação excessiva feita pelo agronegócio. Dados do Projeto de Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), que tem apoio financeiro do CBHSF, constataram empreendimentos que mantinham bombas que, ligadas por 12 minutos, reduziam o nível de água do rio em até 15 centímetros.
A apresentação do case foi feito pela promotora ambiental Luciana Khoury. “A crise hídrica é socioambiental e planetária, mas as pessoas não estão sofrendo o seu impacto de maneira igual. Os povos tradicionais é que ficam sem acesso aos recursos. Há uma injustiça ambiental e é sob essa lógica que temos que enfrentar esta crise”, defendeu a promotora. Segundo ela, é urgente que se repense o modelo de gestão da água, com parâmetros mais sustentáveis para a produção agrícola e considerando o conhecimento das populações ribeirinhas.
A promotora também lembrou que as populações originárias destes locais sofrem ainda efeitos dos conflitos de terra, como grilagem, pistolagem e consequente expulsão dos seus territórios. Luciana Khoury, que é uma das idealizadoras do programa de Fiscalização Preventiva Integrada, destacou o papel que a fiscalização tem desempenhado na criação de um modelo ambientalmente mais equilibrado de gestão dos recursos. “A FPI identifica as comunidades e ajuda a mantê-las nos locais, e onde as comunidades permanecem, há mais defesa da água”, afirmou.
Barcarena
Em fevereiro deste ano, o município de Barcarena, na região nordeste do Pará sofreu uma amostra da tragédia que atingiu Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), em 2015. Os rios que integram a bacia do Rio Pará e atendem 2,5 milhões de pessoas, incluindo Belém, foram atingidos por rejeitos químicos de bauxita. Estudos de pesquisadores da Universidade Federal do Pará apontam para vazamentos de contenções da refinaria Hydro Alunorte. Em 2009, outro transbordamento deixou vermelho o Rio Mucuripi. Na água, foram encontrados metais tóxicos e altamente cancerígenos.
Os crimes ambientais de Bacarena evidenciaram o abandono dos recursos hídricos no estado que tem mais de 20% do seu território dentro da Amazônia e que não conta com comitê de bacia hidrográfica. A apresentação do case dentro do XX ENCOB foi feita pela professora da UFPA Simone de Fátima Pinheiro Pereira e pelo integrante do Instituto Sócio-Ambiental de Barcarena, Jorge Paulo Vieira Feitosa. “Nosso apelo é para que as autoridades possam olhar pra nós”, disse Feitosa.
Mariana
O case do rompimento da barragem de Mariana em 2015, classificado como o maior crime ambiental contemporâneo do Brasil, também foi apresentando durante o XX ENCOB pela bióloga Lucinha Teixeira, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce). Três anos se passaram desde a tragédia que matou 19 pessoas, eliminou uma comunidade inteira e atingiu 89 municípios em decorrência do rompimento de barragens da mineradora Samarco. Hoje, o tema é tratado por um Comitê Interfederativo formado por empresas e governo federal e estadual, do qual o CBH-Doce também faz parte. Ambas as organizações realizam programas de recuperação ambiental na área atingida, com foco em recuperação de nascentes.
Confira as fotos: 


O XX ENCOB segue até a sexta (24) em Florianópolis. O tema dos debates programados para esta quinta-feira (23) é “Desafios e Oportunidades”. A partir das 10h30min, haverá apresentação do Case “Implementação das ações e metas nos planos de bacia” pelo Diretor Técnico da Agência Peixe Vivo, Alberto Simon Schvartzman. Em seguida, às 10h50min, acontece a Palestra Mobilização e Participação para elaboração de plano de bacia com o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.

*Texto: Ana Cláudia Araújo
*Fotos: Rodrigo Sambaqui